Por Gozo Shioda
Eu disse anteriormente que o poder de foco e concentração determina a maneira pela qual usamos nossa força. Fundamentais para isto são o coração ou espírito, e o ritmo.
Todos estes fatores juntos formam o kokyu ryoku. Por coração, ou espírito, eu quero dizer a habilidade de entrar em um estado de esvaziamento. Este é o poder de concentrar nossos sentimentos, cujo impacto é muito forte. Nós freqüentemente pensamos em fazer alguma coisa desta ou daquela maneira, pois os seres humanos se encontram presos a planos – nós gostamos de planejar e de lembrar das coisas. No budô, é necessário eliminar planos e memórias ,e, ao contrário, nos colocarmos em um estado de esvaziamento. Neste estado todo medo desaparece, a, ansiedade é removida, e nós começamos a realmente perceber nossas habilidades, ganhando cada vez mais confiança em nós mesmos. Resumidamente, este é um estado mental muito sereno.
Neste estágio, nós podemos ler as intenções de nosso oponente, não com nossa cabeça, mas com nosso corpo. Nós podemos sentir como nosso oponente irá atacar. Em outras palavras, nós começamos a nos mover e sentir com o coração.
Outra faceta muito importante do kokyu ryoku é o ritmo. Nós devemos desenvolver o ritmo onkyu (lento e rápido). Por ritmo eu não quero dizer um movimento uniforme e monótono. Ao contrário, o ritmo de nossos movimentos deve se adaptar a uma dada situação. Essencialmente, é nossa respiração que controla nosso ritmo, inspirando ou expirando de acordo com a situação. Quando é necessário inspirar, nós inspiramos. Quando nós devemos expirar, nós expiramos. É isto que regula o ritmo de nossos movimentos. O ritmo é resultado da respiração. Quando o ritmo e a respiração se fundem, nós devemos adicionar shuchu ryoku (o poder da concentração). O verdadeiro kokyu ryoku é atingido quando estes três fatores se unem de maneira a formar uma coisa só. Quando isto acontece, nosso oponente perde a capacidade de resistir e torna-se completamente dependente de nós.
É essencial notar que nós não temos nenhuma intenção especial de fazer o oponente agir desta maneira – isto apenas acontece. Induzir o oponente a um tal estado onde ele se sente compelido a cooperar contrariando seus desejos, sem que ele se aperceba deste estado, é o princípio do kokyu ryoku.
Devemos dizer também que é preciso que nos tornemos inconscientes da existência do oponente para que sejamos capazes de atingir o kokyu ryoku.
O kokyu ryoku não é relacionado a qualquer conjunto de formas. Antigamente, Sensei Ueshiba nunca ensinava em detalhes. O que fosse que nós fizessemos, ele apenas dizia “está bom, está bom”. Desta forma, ele nos encorajava a evitarmos de sermos aprisionados pelas formas. O que é importante é nos colocarmos na melhor situação para nós mesmos. Mas mesmo que eu diga isto, eu sei que encontrar a melhor situação é algumas vezes algo muito difícil de ser feito.
O kokyuryoku se origina no esvaziamento. O kokyu ryoku não é algo que descobrimos através de algum treinamento ou exercício especial. A repetição diária das técnicas do Aikido forma a base para atingir-se o kokyu ryoku. Apenas após um treinamento uniforme, dia após dia, você poderá, com sorte, atingir o shingitai, quando o coração, a mente, o corpo e a técnica tornam-se uma coisa só, tornando o kokyu ryoku possível.
Ao invés de dizer que atingimos este estado, é melhor entender que um dia, sem sabermos quando, estaremos usando o kokyu ryoku. Isto pode acontecer inesperadamente, por exemplo, se estivermos diante de uma situação de vida ou morte. Em tal situação, a necessidade urgente de uma reação adequada pode servir como catalisador para o surgimento do kokyu ryoku. Repentinamente algo irá acontecer, e antes que tomemos consciência do que está acontecendo, o oponente estará no chão. Eu constantemente fico surpreso por não entender o que está acontecendo nestes momentos. Mesmo pensando cuidadosamente, eu não consigo definir claramente o que ocorre quando eu estou tomado pelo kokyu ryoku. Isto é o kokyu ryoku. Não é algo que possamos atingir quando quisermos. Na verdade, se estivermos pensando nisto, simplesmente não irá funcionar. Tudo deve ocorrer de forma natural. Qualquer idéia de atingir este estado nos prende a planos que serão de pouca ajuda para atingirmos o kokyu ryoku, e este é um fato que não é fácil de aceitarmos.
Mesmo que tenhamos atingido o kokyu ryoku uma vez, isto não significa que possamos atingi-lo novamente de maneira direta. De fato, tal idéia de repetição irá nos impedir de atingi-lo, e somente eliminando qualquer esforço consciente é que poderemos alcançá-lo novamente. Conforme acumulemos tempo de treinamento, isto nos levará a cruzar a fronteira.
Desta forma, um dia, nós nos tornaremos mestres do kokyu ryoku. É difícil descrever, mas neste exato momento surge uma sensação de êxtase, de imenso prazer, um conjunto de sensações que juntos formam uma experiência maravilhosa.
Esta experiência acontecerá de forma breve e inesperada, proporcionando uma inexplicada sensação de poder e conforto.
Eu acredito que não é possível experimentar este tipo de emoção através de atividades normais da nossa vida. Naquele momento eu posso dizer que perde-se o ego. Freqüentemente no dojo, durante as aulas especiais para alunos avançados, quando eu demonstro algo, eu me encontro em um estado de completo esvaziamento: nada existe naquele momento. Eu não possuo nenhuma intenção de resistir ao meu parceiro, na verdade eu perco a consciência de mim e do meu parceiro e nós nos tornamos um só.
É por isto que quando eu movo minha mão em uma direção, meu parceiro segue meu movimento. Se eu repentinamente mudar a direção, meu parceiro também mudará, todos se movem comigo. Como isto é possível? Eu não sei, mas se podemos atingir o verdadeiro esvaziamento, podemos fazer o impossível.
Isto é algo que eu não posso ensinar, mesmo se me perguntarem. Esta é uma sensação que devemos capturar para nós. Muitas pessoas estudam intensamente diversas técnicas de Aikido, e é muito triste que fiquem presas em um estado de pesquisa e não evoluam mais.
Muitas vezes acontece que por mais esforço que coloquemos em nossa pesquisa, não chegamos a uma conclusão. Nossos pensamentos permanecem turvos. Mesmo quando temos a intuição correta, nós perdemos nossa pureza quando adicionamos nosso pensamento.
O maior de todos os objetivos é aquele que vem de dentro de nós. Desta maneira é muito importante aprender a sentir com nossa pele e nosso corpo. “Torne-se um com a natureza”, diria Ueshiba Sensei, e apenas recentemente eu comecei a entender o que ele queria dizer sobre Deus, o Universo, e muitas outras coisas incompreensíveis. Minimamente, agora eu possuo uma noção do que ele dizia.