Aikidô como um mero passatempo?

por Stanley Pranin
Traduzido por André Fettermann de Andrade

Tenho me referido em artigos recentes a nossas estimativas do grau de crescimento do aikidô tanto no Japão quanto no exterior. Apesar de que nossas projeções relativas ao número de praticantes são inferiores a diversas estimativas oficiais, eu acredito que elas tampouco representem sólidas evidências da penetração do aikidô nas maiores culturas mundiais. Com isso em mente, tenho alguns pensamentos sobre a forma com que o aikidô é praticado em muitas escolas hoje e suas implicações no desenvolvimento a lonog prazo da arte.

O aikidô é frequentemente referenciado como um esporte em conversas com não praticantes. Quando isso acontece por vezes nós nos opomos ao termo “esporte” e esclarecemos que o aikidô é na verdade uma “arte marcial”. Mas se olharmos cuidadosamente iremos perceber que as pessoas normalmente usam o termo “esporte” num significado mais livre da palavra, e na verdade o que querem realmente dizer é alguma coisa relacionada a passatempo ou atividade de lazer ao invés de uma atividade de competição. Se paramos e refletirmos por um instante, muitos do que estão engajados na prática do aikidô hoje realmente a tratam como um passatempo, hobby ou uma forma de exercício.

Como essa atitude é expressada no treino? Uma área que imediatamente vem à mente é essa, da forma como o aikidô é praticado em muitos dojos, o movimento do uke nada mais é que uma caricatura de um ataque. Isso se deve à ênfase na execução da técnica em oposição ao ensino no básico de como executar ataque sincero e controlado. Ataques fracos e sem comprometimento são também a maior causa das críticas sobre o aikidô por praticantes das artes marciais. Além de ser difícil ou mesmo impossível efetuar uma técnica adequadamente contra um ataque sem sinceridade, uma atitude de tamanho relaxamento contribui para o desenvolvimento de hábitos de treinamento frívolos e lânguidos da parte tanto do uke quanto do nage. Esses são, em troca, contra-produtivos ao desenvolvimento da força muscular e das juntas e do condicionamento geral necessário para a prática segura das poderosas técnicas do aikidô. Eu acredito que a principal responsabilidade por essa forma casual da prática do aikidô é dos instrutores que não foram capazes de captar a essência dos métodos e intenções do fundador ao criar a arte.

É necessário que as técnicas do aikidô sejam eficazes?

Ás vezes também é discutido que as técnicas de aikidô seriam de uso limitado em uma situação real de luta, e mesmo que fossem, o quão eficazes seriam contra uma arma letal como uma pistola. A premissa implícita é que não seja tão importante assim que as técnicas que praticamos tenham uma aplicação marcial. Consequentemente, por extensão, dizem os defensores desse ponto de vista, não há nada de errado em praticar de uma forma relaxada e agradável.

A maior falha na minha opinião sobre essa forma de pensar é que isso negligencia as consquências danosas de tais práticas em sucessivas gerações de aikidocas. Se usarmos o aikidõ ensinado por Morihei Ueshiba em seguida ao fim da guerra como uma régua pela qual possamos medir a arte atual, nós já podemos concluir que muito menos técnicas são ensinadas hoje e que há pequena enfâse em áreas fundamentais como atemi, uso de armas, e a prática de grupos inteiros técnicas como koshiwaza e hanmi handachi os quais eram parte do curriculum original da arte. Isso sem citar a da quase total ignorância da fonte e conteúdo da mensagem espiritiual do fundador. Se isso continuar por muito tempo, temo que no futuro o que seja passado com o nome de “aikidô” em muitos dojos se torne irreconhecível como tal.

O aikidô tem uma rica herança como uma das mais importantes e dinâmicas expressões da longa tradição japonesa de artes marciais. Morihei Ueshiba, o originador do aikidô, injetou nas complexas e sofisticadas técnicas que aprendeu na sua juventude uma visão humanística das artes marciais como instrumentos de resolução pacífica dos conflitos. É essa mistura única de forma, ética e utilidade a responsável pelo impacto do aikidô nas gerações modernas. De uma certa forma, essa visão do fundador talvez tenha sido revolucionário demais. Parece ter sido demasiado esperar que o mundo fizesse o pulo conceitual considerável requerido para transformar as ferramentas da guerra em instrumentos da paz. Visto sob essa luz, o estado atual do aikidô como uma forma leve de exercício a ser buscado em um ambiente amistoso e relaxado nada mais é que um sinal dos tempos em que vivemos onde o que é mais fácil e divertido atrai mais a atenção do que as atividades que rendem recompensas somente em conseqüência de um esforço aplicado em prolongados períodos.

originalmente publicado em: Aiki News #86(1990)
fonte: aikido journal

Hakama

Hakama é na verdade um tipo de calça pregueada, usada por cima de um Kimono ou um tipo de vestimenta. Hakama é usado hoje em ocasiões formais, e também usado na prática de artes marciais tradicionais como: Aikido, Kendo, Kenjutsu e nas artes do Arco e Flecha.
No manual das artes marciais, diz-se que as 7 pregas de um Hakama representam as setes virtudes do Bushido que são:
• Gi – a decisão certa;
• Yu – bravura;
• Jin – amor universal, benevolência com a humanidade, compaixão;
• Rei – ação correta, cortesia;
• Makoto – sinceridade, veracidade;
• Meyo – honra;
• Chugi – devoção, lealdade.
Um pouco de sua História
Houve muitos tipos de Hakama durante todo período de tempo entre o primeiro documentado no século X, até seu uso nos dias de hoje. Aqui pode-se ver um tipo de Hakama de pernas muito longas, pela qual era bem comum entre as classes mais altas da sociedade japonesa.Parece que a pré forma do primeiro Hakama desenvolvido no Japão, por volta do ano 900, era usado tanto por homens como por mulheres. Desde a corte, a vestimenta se espalhou para outras classes, que somente modificou sua aparência. Quanto a classe de guerreiros samurais formou-se no fim do século XII, o Hakama parecia ter sido espalhado na sociedade, os próprios samurais usavam esse tipo de calças largas quando estavam fora das campanhas de batalhas, poderia dizer que durante a vida civil, mas o tipo de denominação não está inteiramente correto, visto que os samurais estavam sempre de plantão por toda sua vida. O tecido aplicado na confecção do Hakama, também variou, dependendo da classe econômica da sociedade. As classes de mais poder aquisitivo podiam usar seus Hakamas de seda da melhor qualidade, enquanto as classes de baixa renda não podiam usar tal vestimenta, o tipo de roupas para eles era no entanto do tipo mais simples. As cores dos Hakamas variaram bastante durante sua longa história, dos escuros, das cores neutras até as brilhantes. Em diversos filmes de Akira Kurosawa podemos ver a história e o esplendor dos Hakamas. Isso até em filmes preto e branco, como Yojimbo, e os Sete Samurais, mas também nos filmes coloridos, por exemplo Kagemusha, que é bem evidente.
Muito frequentemente, o Hakama demonstrou intrigados tecidos de padrões florais ou simbólicos, o comprimento de suas pernas também variaram durante todo período, dos mais curtos, bem acima do tornozelo, aos mais compridos que se andavam completamente escondidos dentro do Hakama. Então levando-se em consideração todas as partes acima, entende-se que a total variação do Hakama tem sido enorme. Parece que o Hakama original era um tipo de vestimenta unissex, que era usada por ambos os sexos, tenho a impressão que de forma gradual o Hakama ficou sendo predominantemente usado pelos homens. Mulheres que serviam ao grande Santuário de Ise, sempre usaram Hakama vermelho e Kimono branco, uma tradição usada até hoje. Desde o século XIX, o Hakama tem sido novamente usado entre as mulheres, pelo menos durante certas ocasiões, por exemplo quando se formam em Universidades, podem escolher entre usar Hakama ou um yukata durante suas cerimônias de graduação, pelo menos em algumas Universidades. O casaco que ele usa é chamado Haori. Os samurais eram provavelmente os guerreiros mais habilidosos que o mundo já viu. Eles eram treinados em artes marciais desde os 5 anos de idade, e desde então acostumavam a prática repetitiva por diferentes senseis. Uma marca registrada desses guerreiros habilidosos eram seus Hakamas.
Na maioria das academias de Aikido, o Hakama é sinal que se alcançou o nível de Shodan (faixa preta). Em muitos países europeus, o Hakama é dado aqueles que alcançam o 3º kyu, que é a metade do caminho para faixa preta. No Yoshinkam Aikido, a interessante direção de Shihan Gozo Shioda, não se é permitido o uso do Hakama até o 4º Dan.No Aikido, o Hakama é para um certo nível. É um tipo de vestimenta do qual deve-se orgulhar. Se alguém que pratica Aikido se sente embaraçado ao usa-lo pela primeira vez, geralmente mudam de opinião logo nos primeiros movimentos, tornam-se mais conscientes de suas posturas. É como se o Hakama guiasse o corpo a ficar numa postura mais ereto e elegante.
Nas costas do Hakama, o nome do dono é geralmente colocado do lado direito, bordado em japonês com kanji chinês, ou sinais de katakana japonês. A cor da linha é laranja intenso ou amarelo.

Koshinage

No universo de técnicas do Aikido, o koshinage faz parte do grupo que mais desenvolve a questão do posicionamento corporal entre Uke (atacante) e Nage (defensor).

O objetivo maior do Nage nesta técnica é tirar o equilíbrio do Uke com a movimentação do quadril, forçando a projeção do parceiro. O koshinage não está preso a um ataque ou a uma forma específica de aproximação Uke-Nage, portanto, pode ser executado de várias maneiras de acordo com a capacidade física e maturidade técnica dos praticantes. De um simples daí iti kyo a um complexo jujinage, todos podem terminar com a projeção típica do koshinage.

Uma das grandes dificuldades na execução do koshinage está na figura do uke, que receberá a técnica. Muitas vezes o medo do uke age contra si próprio, fazendo com que ele recue, interrompendo a técnica, ou sofra uma queda ‘seca’, podendo se machucar dependendo da intensidade do movimento.
Portanto, uke deve estar confortável com a queda do koshinage antes de praticá-lo.

Dicas para o uke:

· Tente se posicionar sobre o quadril do nage – por mais que ele esteja fora de alinhamento com o seu corpo. Apoiar-se fora dessa região irá dificultar a estabilidade do nage, e com ela a sua também.
· Tente segurar em alguma parte do corpo do nage ou dogi (kimono) com uma das mãos e use a outra para amortecer a queda.
· Não feche os olhos. Lembre-se que os jogadores de futebol cabeceiam a bola com os olhos abertos para ver onde o goleiro está. O mesmo se aplica aqui no aikido. Você deve ver o chão e, se possível, o nage durante o movimento.
· Relaxe o corpo.

Em termos de treinamento, uke e nage podem treinar inicialmente sem a projeção, para que o uke ganhe confiança e perca gradativamente o medo. Depois, as quedas podem ser treinadas de forma direta, ou seja, sem aplicação de uma técnica específica. Uke se apóia no quadril do nage, que projeta o uke forçando a queda. Com o passar do tempo as técnicas poderão ser incorporadas ao movimento.

Dicas para o nage:
· Seu ‘centro’ deve estar mais baixo que o do uke. Caso você perceba que o uke está saltitando para alcançar o seu quadril, abaixe mais.
· Não deixe o uke parado sobre o seu quadril. Isso é bom para o treino do uke, não para você. O seu treino é projetar o uke o mais rapidamente possível.
· Gire o quadril. É uma característica de treino avançado para esta técnica, mas deve ser praticada sempre que possível. Muitos nages usam as mãos ora para puxar, ora para empurrar as pernas e braços do uke. A boa execução do movimento utiliza apenas o movimento do quadril e nada mais.

fonte: site aikido nova era

Conheça bem o seu inimigo!

Aspectos Técnicos da Arte

Existe muita controvérsia no meio do Aikido sobre como enfrentar a velocidade de ataque de um karateka. Como você prepara os seus estudantes para enfrentarem estes ataques? Entrevistando Karl Geis – por David Russell- (Esta entrevista foi conduzida por e-mail, durante um período de 2 semanas. O texto foi escrito por Karl Geis. As perguntas elaboradas por David Russell. O artigo foi revisado por Nicholas Lowry e apareceu, originalmente, no Aikido Journal on Line). RUSSELL: Existe muita controvérsia no meio do Aikido sobre como enfrentar a velocidade de ataque de um karateka. Como você prepara os seus estudantes para enfrentarem estes ataques? KARL GEIS: Eu creio que um bom começo está em definir o que é um artista marcial. Existem basicamente 3 formas de nos defendermos de um ataque e todas três são eficientes se forem individualmente usadas como originalmente concebidas. Temos a possibilidade de força contra força, como no Karate, no boxe, no Taekwondo e em outras artes traumáticas. Uma Segunda forma está nas artes corpo-a-corpo, como o Judo, a Luta Livre, etc…Por último, temos as artes de esquiva, como o Aikido e algumas formas de Jujutsu, etc…Percebemos que as três artes são mutuamente excludentes. Por exemplo, é dificil se agarrar e bater ao mesmo tempo. É difícil se esquivar e se agarrar ao mesmo tempo, assim como é difícil bater e se esquivar ao mesmo tempo. Com base nos princípios acima, a minha definição de um artista marcial é a de uma pessoa que estuda exclusivamente uma destas três idéias. Ao estudarmos uma arte desta forma, o nosso subsconsciente aprende rapidamente como reagir a praticamente todas as formas possíveis de ataque. Se misturarmos estas artes, contudo, coisas estranhas acontecem. Por exemplo, se o nosso subsconsciente aprendeu a bloquear com a mão esquerda e bater com a direita ao defender um soco de direita, a nossa resposta será instantânea. Contudo, se tivermos estudado como evitar o soco, o nosso subconsciente se confunde e retorna a decisão para a mente consciente. A diferença está em que o subconsciente toma uma decisão em 1/25 de segundo, enquanto que a mente consciente toma a mesma decisão em ¾ de segundo, ou seja, aproximadamente 18 vezes mais rápida. Todo e qualquer artista marcial que verdadeiramente internalizou a sua arte não cometerá o erro de ser seduzido pelo jogo do adversário. Isto é, se lidarmos com um soco de acordo com um artista marcial, estamos perdidos. Se, contudo, lidarmos com o mesmo soco, sendo inconveniente com o nosso atacante…Na minha opinião, a melhor forma de conseguir isto é não nos colocando onde os artistas marciais costumam se colocar. O atacante, desta forma, se verá forçado a enfrentar uma situação desconhecida para ele e terá que ajustar apropriadamente a sua estratégia. De qualquer jeito, a pessoa que está usando o movimento como uma parte da sua defesa não se fere e, em geral, tem bastante tempo para mudar o seu posicionamento. É um fato notório que qualquer um que ataque um karateka, um boxeador, um lutador de Taekwondo ou de qualquer outra arte traumática está assumindo um risco e pode se dar mal. Contudo, quando examinamos as fraquezas, assim como as forças, de qualquer arte traumática, descobrimos muitos furos na armadura. Se usarmos a nossa arte sobre estes “buracos” de fraqueza, descobriremos que podemos controlar a situação com uma grande facilidade. Quais são as fraquezas das artes traumáticas e como podemos utilizar estas fraquezas contra elas? As lutas traumáticas treinam sob certas regras. Uma vez que o modo sob o qual treinamos ensina ao nosso subsconsciente como reagir em uma “luta real”, tais regras programam os seus lutadores de uma maneira que nos permite explorar as suas fraquezas. Em primeiro lugar, evite lutar próximo – faça com que ele venha à sua procura! As regras das artes traumáticas exigem que os oponentes se enfrentem. Esta é uma regra necessária ou não haverá luta porque um adversário evasivo é difícil, se não impossível, de atingir sem um enorme esforço da parte do atacante. É por isto que um árbitro é necessário ou não haverá luta. Devemos ficar atentos a este esforço extraordinário e contra-atacar quando o oponente estiver concentrado em um ataque. Em segundo lugar, cubra as suas mãos! As regras de uma luta traumática não permitem que se segure as maõs do adversário ou qualquer parte do seu corpo, porque, quando assim fazemos, o boxe acaba e a luta livre começa. De um modo geral, lutadores traumáticos, como uma modalidade, não lutam agarrados. Também se exige um árbitro para que os lutadores não fiquem em “clinch”. Qualquer lutador traumático de valor lhe dirá que é virtualmente impossível evitar que um oponente hábil consiga um “clinch”. Em terceiro lugar, mantenha-se em movimento em direção a zonas seguras. Aprendemos, na década de 60, que os artistas traumáticos não se saiam bem contra os boxeadores e as regras do Karate Profissional e do Kickboxing foram mudadas, exigindo que um lutador chutasse um determinado número de vezes por round. Esta foi uma regra necessária para manter o valor do esporte e da sua imagem. Em quarto lugar, faça com que ele se mova! Se você observar um artista traumático executando um kata, você ficará impressionado com a sua velocidade. No entanto, ao assistirmos uma luta, fica dificil saber qual o estilo ou modalidade do lutador porque, adivinhe!, você não vê a posição do cavalo, etc…Todos acabam se tornando um kickboxing normal. Porque ? Porque todas as artes traumáticas eficientes no ringue devem operar sob os mesmos princípios e regras e se manterem usando as mesmas técnicas, não importa como se chamem. Socos e pontapés extremamente rápidos são possíveis a partir de uma base estacionária, mas esta velocidade cai drasticamente quando o atacante precisa se mover, ao mesmo tempo em que tenta chutar ou socar um alvo móvel. Tudo se torna muito difícil e muito, muito, arriscado. Em quinto lugar, nunca se agarre com um especialista nesta área. Há um grande número de grandes lutadores traumáticos que não tem o menor interesse em se envolver com um especialista em luta agarrada no solo. Este é um ponto que, realmente, foi estabelecido pelos irmãos Gracie. Em sexto lugar, empurre o rosto do oponente com a sua palma da mão! Em geral, os lutadores traumáticos não estão acostumados com ataques com a palma da mão. É bem entendido que não costumamos empurrar coisas com os nós dos nossos dedos. E os boxeadores provavelmente deixariam de usar tanto os socos, se pudessem bater com a palma das suas mãos. O ser humano gera muito mais força, batendo com a palma da mão, sempre que possível, que usando os punhos ou os nós dos dedos. Em sétimo lugar, aprenda instintivamente a distância necessária para evitar um soco ! Um soco ou um pontapé são instrumentos muito delicados, os quais tem, normalmente, pouca penetração e exigem distâncias curtas. Isto, é claro, é a base para eficiência das artes traumáticas. O uso dos punhos limita, necessariamente, a distância de penetração efetiva de um soco. Em oitavo lugar, aprenda a atacar sempre em movimento! O uso de pontapés contra um oponente que não inicia o primeiro ataque é muito difícil. Quem quer usar um pontapé, não pode se movimentar muito ao mesmo tempo e, portanto, precisa parar a cada instante em que chuta e um alvo continuamente em movimento frustará a maior parte das suas tentativas de chutar. Por outro lado, se você está se movendo, enquanto ele soca ou chuta, você terá muitas oportunidades para atacar. Em nono lugar, mesmo o aikidoka com pouca prática, além de treinar constantemente movimentos de esquiva, tem também a opção de chutar (embora muita gente ignore isto). No judo, nós temos o ATEMIWAZA (técnicas traumáticas), embora estas técnicas não sejam executadas em um contexto de Força contra Força. Elas são mantidas como uma reserva, para serem usadas quando o adversário ataca com um chute e se encontra em um momento rápido de desequilíbrio, às vezes em um pé só
. O Atemiwaza de Judo é uma forma “suave” de chutar ou socar, compatível com os princípios elementares do Aikido, isto é, com a nossa ênfase em precisão e oportunidade, em oposição à força e deve ser usada apenas em caso de fraqueza técnica profunda. Estas técnicas suaves são muito eficientes quando usadas contra partes do tornozelo, joelho, canela ou coxa. Usadas contra um atacante, em momentos específicos do ataque, podem provocar consequências catastróficas, de imediato ou a longo prazo. Em geral, as regras da maior parte das lutas traumáticas não permitem ataques abaixo da linha da cintura. Desta forma, o seu treinamento de defesas contra este tipo de ataque é, geralmente, deficiente. Todos os meus mestres sempre me ensinaram que o que você pratica é o que você fará durante uma competição. Existem outras armas que você pode empregar e que o tornarão um alvo muito improvável de ser escolhido. Prefiro não divulgar estas idéias por razões éticas. Em outras palavras, não é que não tenhamos algumas armas de longa distância. Apenas as usamos de uma forma diferente e em oportunidades diferentes dos lutadores traumático; quando estamos em uma zona de segurança; e quando podemos usá-las em conjunto com a movimentação de esquiva compatível com o nosso estudo do Aikido. Todos percebem que uma arte traumática não pode ser desenvolvida sem as restrições acima citadas. Todas aquelas proibições devem ser obedecidas na prática ou no treinamento ou a competição se transformaria em uma luta-livre ou num vale-tudo, etc…Infelizmente, praticar continuamente sob tais condições, evitando as técnicas perigosas de uma determinada arte, leva invariavelmente o praticante a se sentir seguro quando o caso é bem outro. DAVID RUSSELL : qual o contexto filosófico que você sente como importante quando você lida com outras artes? KARL GEIS: ÉTICA: Ser sincero consigo mesmo. Nunca devemos subestimar a arte do outro. Nunca me esqueço que, ao descobrir uma fraqueza em outra arte, eu descubro, ao mesmo tempo, uma força. As pessoas tem uma tendência a desvalorizar a outra arte, sem uma análise mais criteriosa. Proceder desta forma em um combate real é uma falha imperdoável. Todos os grandes generais da História sempre alertaram para o mesmo princípio básico: CONHEÇA BEM O SEU INIMIGO! Nunca presuma, sem antes testar a sua teoria. Existem muitas técnicas que, teoricamente, são muito poderosas mas, na maioria das vezes, elas são inúteis. Lutadores de Jiu-jitsu nem sempre se saem bem contra lutadores de judo. No entanto, lutadores de Jiu-Jitsu praticam muitas técnicas perigosas, enquanto que os judoka só treinam as técnicas seguras. Uma técnica perigosa tem que ser treinada com extrema precaução. Por outro lado, uma técnica segura pode ser treinada até que a sua execução se torne super-rápida e muito mais eficiente, com a vantagem adicional de, teoricamente, não machucar ninguém permanentemente.

Bambu

O nosso caminho dentro do Aikido tem muito a ver com a história abaixo. Frequentemente os iniciantes em seus primeiros anos e kyus se perguntam quanto tempo levarão para aprender o mínimo ou se irão aprender. Quanto “chegamos aos dans” aí o esforço é para manter a mente de aprendiz e continuar nosso aprendizado.
O Aikido, talvez mais do que outras artes marciais, exige paciência.

“BAMBU
Você sabia que depois de plantada a semente do bambu chinês não se vê nada por aproximadamente cinco anos, exceto um lento desabrochar de um diminuto broto a partir do bulbo?
Durante cinco anos todo o crescimento é subterrâneo, invisível a olho nu, mas… uma maciça e fibrosa estrutura de raiz, que se estende vertical e horizontalmente pela terra, está sendo construída.
Ocorre, então, que ao final do quinto ano, o bambu cresce até atingir uma altura de 25 metros.
A respeito disso, um escritor de nome Covey assim escreveu:
“Muitas coisas na vida pessoal e profissional são iguais ao bambu chinês.
Você trabalha, investe tempo, esforço, enfim, faz tudo o que pode para nutrir seu crescimento. Às vezes não vê nada por semanas, meses, ou mesmo, anos. Mas, se tiver paciência para continuar trabalhando, persistindo e nutrindo (seu esforço), seu quinto ano chegará, e, com ele, virá o crescimento e as mudanças que você jamais esperou…”
O bambu chinês nos ensina que não devemos desistir facilmente de nossos projetos e de nossos sonhos!!!
Procure cultivar sempre dois bons hábitos em sua vida: a persistência e a paciência, pois você merece alcançar todos os seus sonhos!!!
É preciso muita fibra para chegar às alturas e, ao mesmo tempo, muita flexibilidade para se curvar ao chão.”

Querer vencer!

“No esporte, nas empresas e na vida, muitas vezes não são o preparo, a estratégia ou as táticas que fazem a diferença…. ….O que realmente faz a diferença são a emoção, o entusiasmo e a vontade de fazer acontecer. Vencer não é tudo na vida. Querer vencer, é…..

As 13 Regras para Instrutores de Aikido

1) Aikidô nos revela o caminho para unificação com o universo. O maior propósito do treinamento em Aikidô é coordenar mente e espírito e tornar-se uno com a própria natureza.
Como a natureza ama e protege toda a criação e ajuda todas as coisas a crescer e desenvolve, devemos ensinar cada estudante com sinceridade, sem discriminação ou parcialidade.

2) Não há discordância na verdade absoluta do universo, mas há discordância no domínio da verdade relativa. Combater contra outros e vencer somente traz vitória relativa. Não combater e ainda vencer traz vitória absoluta. Ganhar uma vitória relativa conduz mais cedo ou mais tarde para inevitável derrota.
Enquanto estiver praticando para se tornar mais forte, aprenda como você pode evitar o combate. Você irá progredir muito rapidamente através do aprendizado para arremessar seu oponente tendo prazer, e ser arremessado tendo prazer também, e pela ajuda mútua para aprender técnicas corretamente.

3) Não critique qualquer outra Arte Marcial. A montanha não ri do rio que é mais modesto, nem o rio fala mal da montanha porque ela não pode se mover. Cada pessoa possui suas características e ganha sua posição na vida. Fale mal de outros e certamente isso retornará para você.

4) As artes marciais começam e terminam com cordialidade, não na forma sozinha, mas no coração assim como na mente. Respeite o professor que o ensinou e não pare de ser grato especialmente para o fundador do Aikidô que mostrou o caminho. Aquele que negligencia isso não deveria se surpreender se seus estudantes fizerem pouco caso dele.

5) Esteja avisado contra presunções. Presunções não seguram somente seu progresso, elas causam sua regressão. A natureza não possui limites, seus princípios são profundos.
O que leva a presunções? Presunções são causadas por pensamentos baixos e um compromisso malfeito com nossos ideais.

6) Cultive uma mente calma que vem da parte universal do corpo pela concentração de seus pensamentos no ponto um no abdome inferior. Você deve saber que é uma vergonha Ter a mente fechada. Não dispute com outros meramente para defender seu ponto de vista. Certo é certo. Errado é errado. Julgue calmamente o que é certo e o que é errado. Se você está convencido que você está errado, faça correções corajosamente. Se você encontra alguém que é seu superior, aceite seus ensinamentos alegremente. Se qualquer um está errando, explique-lhe em silêncio a verdade, e esforce-se para que ele possa entender.

7) Até mesmo um verme de dois centímetros tem um espírito de um centímetro. Cada pessoa respeita seu próprio ego. Portanto não desrespeite ninguém nem machuque o respeito dele a si mesmo. Trate a pessoa com respeito, e ela o respeitará. Faça pouco caso delas que ela fará pouco caso de você. Respeite sua personalidade e escute ponto de vista dela, e ela o seguirá contentemente.

8) Não fique nervoso. Se você ficar nervoso significa que sua mente saiu do ponto um no abdome inferior. A raiva é algo de se ter vergonha no Aikidô. Não fique nervoso por você mesmo. Fique nervoso somente quando os direitos da natureza ou de seu país estão em perigo. Concentre no ponto um, e fique nervoso no ponto um. Saiba que quem fica nervoso facilmente perde coragem nos momentos importantes.

9) Não poupe esforços enquanto estiver ensinando. Você avança quando seus estudantes avançam. Não seja impaciente quando estiver ensinando. Ninguém pode aprender bem em uma vez. Perseverança é um ensinamento importante, assim como paciência, gentileza, e a habilidade de se colocar no lugar do seu aluno.

10) Não seja instrutor arrogante. Os alunos avançam no conhecimento quando obedecem a seu instrutor. Uma característica especial no treinamento em Ki é que o instrutor avança quando está ensinando seus alunos. Treinamento requer uma atmosfera de respeito mútuo entre instrutor e seus alunos. Se você vê um homem arrogante, você vê um homem com pensamentos baixos.

11) Quando praticar não demonstre seu poder sem um bom propósito temendo que você cause resistência na mente daqueles que o observam. Não discuta sobre poder, mas ensine da maneira correta. Palavras sozinhas não podem explicar. Em algumas vezes, ao ser aquele a ser arremessado, você pode ensinar com maior eficiência. Não pare o arremesso do seu aluno no meio do caminho ou pare seu Ki antes que ele possa completar seu movimento ou você dará a ele maus hábitos. Esforce-se sempre com palavras e atitudes para instigá-lo no Ki correto e na arte do Aikidô.

12) Faça qualquer coisa com confiança. Nós estudamos todo o princípio do universo e o praticamos, e o universo nos protege. Não há nada para se ter dúvidas ou medo. Convicção real vem da crença que somos uno com o universo. Temos que ter a coragem de dizer com Confucio: Se eu tenho uma consciência leve, eu encaro um inimigo com dez mil homens.

(Extraído do Aikido in Daily Life. Trad, Kendi Chikude

Comece no “vazio”

Contribuição de Chris Colón

Tradução Jaqueline Sá Freire – Hikari Dojo

Já foi dito que antes de poder encher seu copo, você deve esvazia-lo primeiro. Este, em alguns aspectos, foi o tema central de Hiroshi Ikeda Shihan durante sua visita ao Columbus Aikikai de 3 a 5 de Outubro de 2003.

Ikeda Sensei enfocou uma série de temas que se inter-relacionavam em suas aulas, e eu tentei reunir o espírito destes temas abaixo. O Sensei enfatizou o quanto o Aikido envolve fazer varias coisas ao mesmo tempo, e, por isso, falar sobre as coisas individuais que um praticante de Aikido deve fazer em elementos simples não é fácil. Mesmo assim, vou tentar fazer o melhor possível, apresentando o tema abrangente de EVITAR LUTAR CONTRA SEU PARCEIRO

EVITANDO LUTAS

Para evitar uma luta, estas são as cinco coisas que você deve fazer:

·  Pratique reconhecer o momento certo. Quando você age no momento certo, as técnicas são fáceis. Quando você está atrasado, as técnicas são difíceis.

·  Encontre o lugar mais fácil. Todos têm um lugar para se mover, que faz com que o movimento seja fácil. Isso é difícil de ser ensinado, porque cada pessoa tem que aprender para onde se mover de acordo com seus corpos. Isso requer um estudo paciente.

·   Relaxe. O relaxamento melhora a velocidade, a mobilidade, a eficiência e a sensibilidade. Isso também atrai seu parceiro para seu movimento durante a técnica.

·  Mantenha a mente aberta. Relaxar a mente também ajuda a relaxar o corpo. Quando sua mente está vazia de preconceitos, é mais fácil ver o que está acontecendo e entender qual é a resposta necessária.

·  Seja primeiro um principiante, depois se torne um expert. Entenda que todos devem se aproximar de cada momento como um principiante, para depois experimentar e se divertir com esse momento – ou mesmo falhar e aprender o que funciona e o que não funciona. A maestria vem com o tempo e o esforço. Eventualmente, você fará todas essas coisas que se inter-relacionam de uma só vez. Entretanto, o Sensei falou sobre cada um desses cinco assuntos em detalhes.

Pratique reconhecer o momento certo.

As artes marciais lidam com lutas. O momento certo é se mover desde o inicio dos exercícios até o momento da luta.

A diferença entre você atingir seu parceiro ou ser atingido por ele é se mover no momento certo.

Não espere que seu parceiro o atinja. Vá em frente e avance para seu parceiro até o ponto de contato, e encontre o lugar mais fácil para desequilibrá-lo.

Encontre o lugar mais fácil

Encontrar o lugar mais fácil para fazer a técnica é uma das coisas mais difíceis de ensinar no Aikido. O corpo de cada pessoa é diferente, então você deve descobrir em que ponto fazer a técnica fica mais fácil para seu corpo. Isso significa que você deve ter a iniciativa de descobrir esses pontos.

Descobrir o “lugar mais fácil” quanto ao ponto de contato é o que realmente desequilibra seu parceiro e o que determina como o movimento vai acontecer. A pegada ou o golpe determinam para onde seu parceiro vai. Se você não encontra o “lugar mais fácil” durante a pegada ou o golpe, você não vai desequilibrar seu parceiro.

No “lugar mais fácil”, pequenas mudanças na sua postura poderão manter seu parceiro preso firmemente no lugar em que está acontecendo o movimento, e o impedirão de escapar.

Para os iniciantes, o “lugar mais fácil” para se mover é aonde lhes é ensinado, com movimentos largos. Com o tempo, entretanto, os alunos mais avançados devem tentar fazer movimentos menores, eficientes e relaxados, para conseguir achar o “lugar mais fácil”.

Relaxe

Como já foi dito, o relaxamento melhora a velocidade, a mobilidade, a eficiência e a sensibilidade. Em resumo, o relaxamento nos ajuda a estabelecer e a usar a conexão com nosso parceiro para nos tornarmos um só corpo. Somente com o relaxamento você consegue direcionar seu parceiro.

Nós relaxamos quando estamos confortáveis. Isso significa praticar até estarmos confortáveis com nossos movimentos, até que nosso corpo saiba bem o que está fazendo. Um cérebro inteligente é bom, mas um cérebro inteligente com um corpo inteligente (que sabe o que fazer) é muito melhor.

Movimentos rígidos fazem com que seu parceiro lute contra você. Se você relaxa, seu parceiro acha que tem o controle. Se ele não está confortável ou acha que perdeu o controle, ele pode soltar o contato que tem com você antes que você possa fazer a conexão.

Quando você está relaxado, e se move, sua conexão trás seu parceiro junto com você. Então você não move seu parceiro, simplesmente se move.

Sua força não vem de um esforço violento, ela vem do seu movimento giratório e seu peso.

Mantenha a mente aberta

Relaxar a mente ajuda a relaxar o corpo. Se sua mente está preocupada com seus pensamentos, isso interferirá com seus movimentos. Por exemplo, se você acha que precisa segurar seu parceiro depois de desequilibrá-lo, isso prenderá sua mão, que fica “presa” ao lugar que segurou. Essa mão já não está ajudando.

Mas, se sua mente está livre de preconceitos ( i.e. idéias preconcebidas) é mais provável que você consiga ver o que está acontecendo e o que precisa fazer para responder a um ataque. Assim, você se aproxima de seu parceiro com uma mente de principiante, mas sua resposta (que deve ser deliberada) contém sua experiência e sua compreensão.

Seja primeiro um principiante e depois um expert.

Ir com cuidado no inicio é muito bom para os principiantes, porque assim eles podem aprender a forma e treinar uma boa postura. Depois que a forma e a postura estejam estabelecidas, o aluno deve treinar para ficar relaxado mesmo quando o parceiro luta contra ele.

Os movimentos iniciais servem para estabelecer uma conexão, para tornar a operação mais fácil para o aluno. Com o tempo, o aluno deve tomar a iniciativa para tornar a operação mais realística e ao mesmo tempo manter-se relaxado, manter o fluxo do movimento e o controle.

Os iniciantes começam estendendo os braços em grandes movimentos dinâmicos. Isso é bom para principiantes e para aprender uma nova técnica, mas o aluno mais avançado deve sentir que seus movimentos se tornam mais controlados e mais focalizados no seu centro.

Cada nova técnica que você aprende exige que você seja um principiante, não importa o quão bom é seu Aikido. Não se preocupe com isso. Uma nova técnica é como um novo instrumento musical, e achar que você pode tocar violoncelo por ser um pianista é um absurdo. Comece do principio, aprenda o novo movimento, cometa erros, divirta-se, trabalhe com afinco, e a técnica se desenvolverá naturalmente.

Com o tempo, comece a iniciar sua resposta ativamente quando perceber o que seu parceiro está fazendo. Não espere que ele o segure – comece imediatamente para fazer o contato no momento e no lugar escolhidos por você.

Os alunos do Columbus Aikikai gostariam de agradecer a Ikeda Shihan e a todos os visitantes que compareceram ao seminário pelos bons momentos e pela fantástica experiência de aprendizado. Agradecemos especialmente aos que vieram de outros estados, da Pennsylvania, Indiana, e até de North Carolina. Agradecemos pelo apoio e o tempo dedicado que tornaram esse evento um sucesso.

Morihiro Saito: Seguindo o Fundador dentro da história

Por Gaku Homma

30 de Janeiro de 2003.
Nota do autor: partes deste artigo foram escritas logo após a passagem do Shihan Morihiro Saito, mas, mantendo-se as tradições japonesas de luto, não foram publicadas até o início do Ano Novo seguinte.De 7 a 9 de fevereiro de 2003 o Sensei Hitohiro Saito estará em Denver para lecionar no Seminário Memorial Americano realizado em homenagem ao seu pai o Shihan Morihiro Saito.

Existem muitos livros técnicos escritos sobre o Shihan Saito e o seu Aikido. Existem muitas entrevistas e artigos escritos a seu respeito como Guardião do Templo Aiki e como líder do Dojo de Iwama durante sua vida. Para aqueles que poderão vir ao seminário em sua memória e para aqueles que não poderão comparecer eu gostaria de compartilhar o que eu sei a respeito de uma faceta de Saito Shihan sobre a qual não se escreve freqüentemente; o lado mais reservado do homem que é conhecido publicamente em todo o mundo como o grande artista marcial que ele foi.

Saito Shihan teve muitos uchideshi, e milhares de estudantes que partilham de seus ensinamentos e de sua missão. Existem poucos, no entanto, que viram seu lado mais pessoal e privado. Sua família, estudantes antigos mais próximos e amigos de longa data tais como Stanley Pranin, editor do Aikido Journal, conheceram a sua “face real”, como isso pode ser chamado, ou sua maneira pessoal.

Minha relação com Saito Shihan se estendeu por mais de quatro décadas, começando em Iwama quando eu era apenas um rapaz. Desde aqueles dias distantes até os anos recentes, eu tive a honra de conhecê-lo e de compartilhar com ele alguns de seus momentos privados. Um dos seus últimos pedidos foi que eu dissesse o que pensava sobre ele nos últimos dias de sua batalha final. Ele, especialmente, quis que seus estudantes nos Estados Unidos entendessem o fim de sua vida como um meio de entender o seu começo. E foi com esse objetivo que eu peguei minha caneta para escrever…


Como seres humanos e Aikidoístas nós, freqüentemente, pensamos na morte como algo negativo, algo a ser evitado o máximo de tempo possível. Não importa se uma pessoa é um mendigo sem teto vagando pelas ruas, um negociante bem sucedido em Wall Street ou um artista marcial, ninguém nesse mundo pode escapar da morte. Artistas marciais e astros de cinema, eu suponho, estão ambos sob os holofotes quando estão no topo de suas carreiras. Nós ouvimos falar sobre eles quando vencem campeonatos ou quando recebem Oscars. Quando eles envelhecem eles parecem desvanecer e desaparecem. Conforme a história do Aikido se estende, as gerações de estudantes envelhecem. São muitos os aikidoístas da primeira geração que há muito tempo não estão mais conosco. Como seres humanos nós não escapamos da morte. Não importa o quão fortes ou famosos possam ser, os artistas marciais não vivem para sempre. Como um artista marcial se prepara para este momento inevitável, no entanto, pode ser uma grande lição para todos nós. E esta é a última grande lição do Shihan Morihiro Saito para todos nós. Ele disse uma vez que morrer não é algo para ser temido, a morte deve ser algo a ser encarado com coragem e dignidade.

A primeira vez que eu falei com Saito Shihan a respeito de vir com o seu filho a Denver foi em 1999. “Obrigado, mas não, obrigado” foi a sua resposta. “Estudantes que vêm a Denver para praticar no meu seminário estão interessados em aprenderem comigo. Eles não são estudantes de Hirohito por algum direito de nascença. Como pai não é bom para mim que eu simplesmente lhe apresente a organização e a estrutura que eu construí em uma bandeja. Assim é muito fácil. Se Hirohito quer fazer uma vida dentro do Aikido ele tem que fazer por si próprio. Depois que eu tiver ido, eu lhe peço então que convide Hirohito para ir a Denver. Ele terá que realizar o seu próprio começo nesse país e eu confio em você para lhe dar uma sólida plataforma onde começar”.

Este Seminário Memorial Americano realizado em homenagem ao Shihan Morihiro Saito é o meu presente para o pai Morihiro Saito… e para o seu filho, bem como para o começo de uma nova geração que virá.

Gaku Homma.

Com a tristeza ainda apegada aos meus pensamentos, eu deixei, em seguida, os serviços funerários e rapidamente e me encaminhei à Prefeitura de Wakayama para visitar Tanabe, lugar de nascimento e descanso final do Fundador do Aikido, Morihei Ueshiba, no templo Kozanji. Junto a tumba do Fundador eu permaneci em silêncio para prestar minhas reverências. Enquanto eu estava ali eu notei algo muito interessante; três tosoba (tábuas de madeira onde se inscrevem orações) estavam diligentemente erigidas atrás da tumba do Fundador. Uma estava inscrita com o nome “Morihiro Saito” e as outras duas com o nome “Moriteru Ueshiba”, o neto e herdeiro do legado do Fundador Morihei Ueshiba. Essas eram as únicas três tosoba colocadas ali no último ano. A tosoba do Shihan Morihiro Saito estava datada de 10 de junho de 2001. O Doshu Moriteru Ueshiba tinha duas tosoba datadas de 31 de março de 2001.

Muitos Aikidoístas têm vindo a esse lugar de descanso para tirar uma foto, mas apenas dois tiveram tempo e acolheram as despesas (aproximadamente $500 por cada tosoba) para contratarem os serviços do sacerdote local para oferecer esta oração especial. Esses oradores permaneceram através das marcas da tosoba. Ali, de pé, pensando, eu me dei conta de que Morihiro Saito Shihan provavelmente veio aqui para dizer adeus.


No mês de maio de 2002 nós perdemos um grande artista marcial, Morihiro Saito. Morihiro Saito era um ser humano, bem como um artista marcial, de grande estatura. Ele enfrentou sua última batalha – contra o câncer – de cabeça erguida, com calma e determinação. Seu modo de agir e elegância foram as suas últimas lições, uma das muitas que ele, silenciosamente, ensinou a todos nós, seus estudantes.

Eu quero escrever sobre Morihiro Saito, o homem, desta forma vocês poderão ter mais entendimento sobre a vida – e o fim da vida – de um verdadeiramente grande artista marcial.

Em 1997, Morihiro Saito veio à Denver, Colorado pela terceira vez. Ele veio ensinar em seu maior seminário de 1997 prestigiado por mais de 350 estudantes. “Todos gostaram do Seminário?”. Esta pergunta foi respondida com aplausos. “Esta pode ser a minha última visita à America”, ele continuou, “Vocês gostariam que eu viesse novamente?”. Mais uma vez esta pergunta foi respondida com estrondoso aplauso.

Contudo ele não conseguia nem engolir sua comida direito. Ele me confidenciou que havia feito um exame físico completo antes de vir e que alguns dos resultados não tinham sido bons. “Eu provavelmente terei que fazer uma cirurgia quando voltar ao Japão”, ele disse. Isto, no entanto, não o impediu de vir. Ele não esperou por uma resposta e disse aos seus médicos que precisava vir aos Estados Unidos. Ele também não ouviu os avisos de sua família, que já havia me dito que a sua condição era séria. Eu mesmo fui ao Japão pessoalmente para tentar dissuadi-lo de vir. “Eu não estou doente!” ele insistiu diante de um copo de shochu. Com um pesado sotaque Ibaraki ele continuou; “Não se preocupe, eu ainda estou bem. Eu posso estar com uma enfermidade, mas meu espírito não está doente. Existem muitas coisas que eu ainda posso fazer e ir aos Estados Unidos é uma delas!”. Depois de escutar isso, o que eu poderia fazer mais a não ser concordar? Quando o Shihan decidia alguma coisa não havia muito o que dizer além de “sim, Senhor”.


Morihiro Saito Shihan Aikikai Hombu 9th Dan, líder do Dojo Ibaragi Iwama e guardião do Templo Aiki era uma importante liderança dentro do mundo do Aikido. Se alguma coisa acontecesse com ele em Denver isto seria mais do que uma tragédia.

Antes do Seminário ele não falou a nenhum de seus estudantes a respeito de sua condição. Tentando não levantar preocupações, nós fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para cuidar dele. Dois de meus estudantes são pilotos da United Airlines e eles foram à Tokyo pessoalmente para o trazerem. Ele voou todo o tempo de primeira classe. Existe uma foto de Saito Shihan sentado na cadeira do capitão, na cabine, com o piloto da United e presidente da Nippon Kan Doug Kelly. Esta é uma foto que eu o vi exibindo várias vezes. Depois ele me confidenciou que, “Primeira classe era muito impressionante, mas eu fiquei sozinho comigo mesmo. Não era permitido aos meus estudantes virem me visitar. Eu tinha tanta atenção dos comissários de vôo que eu não podia sequer bebericar um gole do meu sakê favorito que eu havia trazido de casa!”. Foi um alívio vê-lo no aeroporto de aparência saudável e fazendo brincadeiras.

Durante o seminário nós tomamos outras precauções. Eu pedi a dois de meus estudantes – um dos quais é o meu médico pessoal e a outra uma enfermeira cardíaca para ficarem de olho nele. Entre as horas de prática e antes do dia do evento nós checamos o seu pulso e a sua pressão sangüínea, monitorando qualquer sinais de perigo. Decidimos que era melhor não interromper a sua dieta usual. Eu cozinhei pessoalmente todas as suas refeições, utilizando ingredientes básicos como miso, molho de soja e arroz que eu comprei para ele em Iwama. Nós retiramos a cama em estilo ocidental do seu quarto de dormir e a substituímos por um estrado levantado suavemente de um lado para que ele pudesse respirar facilmente. Todas as noites eu dormia em frente a sua porta, desta forma eu poderia ouvir se ele começasse a tossir ou precisasse de atendimento.

Eu não estou buscando por nenhum galardão. Com a minha experiência de último uchideshi do Fundador Morihei Ueshiba, este tipo de cuidado era esperado de mim. Não era estranho de minha parte agir desta forma.

Em uma noite durante o seminário, Saito Shihan começou a sufocar durante o jantar. Nós corremos para ajudá-lo, mas ele nos impediu. “Apenas sentar-se calmamente por um momento fará com que o sufocamento desapareça”, ele nos disse. “Meus médicos disseram que comidas de cor vermelha são boas para minha saúde, então eu acho que uma taça de vinho tinto é bem vinda”. Eu pensei em protestar, mas conhecendo-o bem, eu parei. Ele sabia de sua condição, e eu estava aliviado com o fato de ele saber lidar com ela.

Na manhã após o seminário nós nos preparamos para sair de van para as atividades do dia. Antes de entrar no carro ele separou amplamente os pés e se curvou sobre um dos joelhos em um longo alongamento das pernas. “Genki desu ne” ou “Você parece cheio de energia e vigor”, eu disse, então eu perguntei “O que você está fazendo?” “Eu preciso terminar de trabalhar no seu jardim”, ele replicou. “Eu estou preocupado com isso”. Com isso ele pulou dentro da van. Este era o Shihan Saito em sua intimidade. Não o Saito Shihan que reinou em dojos de todo mundo.

No jardim, não importava o quanto nós nos preocupávamos, ele insistia em andar de um lado para o outro solicitando que saíssemos do caminho enquanto ele reposicionava pedras e endireitava as plantas. Ele estava decidido a “consertar” o jardim e a retirar pedras com uma facilidade que os jovens uchideshi não tinham.


Shigeru Kawabe Sensei de Akita, Japão, e sua esposa acompanharam Saito Shihan em sua viagem a Denver. Naquela segunda-feira eles estavam bem vestidos para um dia de passeio sem saberem que iriam praticar um pouco de jardinagem. Em todo o caso eles arregaçaram as mangas e ficaram com suas roupas elegantes um pouco sujas, mas foi gratificante ver que todos estavam sorrindo.

Depois que o trabalho terminou, Saito Shihan se sentou sobre uma pedra que tinha acabado de reposicionar e contemplou o trabalho feito por suas mãos. “É sempre bom sentar no jardim depois de ter trabalhado nele para se reabastecer!” ele exclamou. Eu perguntei a ele se ele poderia colocar um nome na pedra que ele tinha trabalhado tanto para colocar exatamente naquele lugar e ele respondeu, “Pedra Morihiro, e o nome para o seu jardim é Aikien”. Aikien era o nome usado no Santuário do Aikido em Iwama para o Yagai dojo (lado externo do dojo) construído pelo Fundador Morihei Ueshiba. Saito Shihan continuou, “Está tudo bem, o nome não é mais usado em Ywama, então é um bom nome para este jardim”.

O jardim da Nippon Kan não tinha nem um ano de idade na época, e as plantas e árvores ainda eram pequenas. Na época havia mais pedra do que jardim. Eu acredito que Saito Shihan tinha um dom especial em projetar e saber o que as coisas se tornariam. Eu acho que é por isso que ele sabia exatamente como posicionar as pedras. Ele até mesmo observava que estudantes e jardins se pareciam na medida em que você precisa olhá-los como serão daqui a dez anos conforme você os molda. Descansando ali, juntos naquele jardim de poucas penas, não havia meios de imaginar que cinco anos depois o jardim seria classificado pela revista especializada em restaurantes Zagat como a melhor decoração e atmosfera exterior entre 6.000 restaurantes dos Estados Unidos.

Uma vez que a viagem de retorno de Denver para Tokyo seria longa, nós decidimos passar uma noite em São Francisco antes que Saito Shihan e Kawabe Sensei continuassem em sua viagem para o Japão. O hotel em que ficamos tinha aproximadamente trinta andares, e os quartos eram aparelhados com varandas que davam vista para a Baía de São Francisco e para a ponte Golden Gate. Tendo chegado no quarto, Saito Shihan se dirigiu diretamente para a varanda onde ele abriu os braços e exclamou, “ii, na”, ou “Isto é lindo”, em japonês. O sol da tarde ainda estava quente e a brisa entrava gentilmente vinda da baía.

Alegre, ele retornou ao quarto e começou a tirar da mala os seus pertences. Geralmente ele tinha um uchideshi para fazer isso para ele, mas desta vez ele mesmo tirou as coisas da mala com entusiasmo infantil. Ele carregou uma pequena garrafa de sakê para a varanda e puxou duas cadeiras para perto de uma mesa na varanda. “Kawabe-san, vamos nos sentar aqui”, ele disse entusiasticamente. Sabendo que Saito Shihan nunca bebia sem alguma coisa para comer, o seu otomo, Mark Larson e eu rapidamente nos encaminhamos para o bairro japonês para comprar aperitivos para eles. Nós retornamos a tempo de contemplar uma cena que eu nunca esquecerei. Ambos Saito Shihan e Kawabe Sensei estavam imóveis sentados de frente um para o outro entre a pequena mesa na varanda. Estavam ambos sentados, cabeças inclinadas em direção ao outro como se estivessem em oração. O calor suave do sol e as brisas suaves tinham feito sua mágica depois de um longo e agitado fim de semana, e ambos dormiram rapidamente!


Saito Shihan completou sua missão, e foi um sucesso em seu seminário em Denver. Nesse momento, no entanto, ele era um homem, em seu momento privado, que estava tirando um merecido cochilo.

Dois dias depois de seu retorno ao Japão, eu recebi um a chamada telefônica. “Eu estou com câncer”, Saito Shihan falou pelo telefone. “Existe um extrato do cogumelo maetake que eu estou procurando, mas não tem no Japão. Supõe-se que tem propriedades curativas. Eu sei que isso pode ser encontrado nos Estados Unidos. Você poderia mandar um pouco para mim?”. Eu pude sentir a determinação em sua voz.

Eu comprei todo o tipo de extrato maetake disponível em todo o tipo de lojas de produtos naturais e farmácias em Denver naquele dia. No dia seguinte eu viajei para o Japão para entregar. A inauguração do meu restaurante, Domo, estava marcada para a semana seguinte e deixar o país não era boa idéia. No entanto, a saúde de Saito Shihan estava em perigo. Eu não pensei duas vezes para ir até ele. Ele estava tão surpreso e feliz em me ver no dia seguinte que ele quase chorou, ele literalmente arrombou a porta para me encontrar. Naquele momento não importava se o extrato de maetake iria funcionar ou não para curar a sua doença. O mais importante para mim era mostrar o meu respeito e o meu apoio. Se eu o fiz feliz por apenas um minuto que seja, isto já foi o suficiente. “Você está com fome?” ele perguntou e me levou para dentro de sua casa me segurando pelo braço.

Em 1998 Saito Shihan sofreu uma cirurgia e, embora a cirurgia tenha sido complexa, ele se recuperou bem. Em maio de 1999 ele me telefonou para dizer que estava bem e que viria a Denver. “Eu ainda tenho trabalho para fazer no jardim”, ele explicou. O primeiro pensamento que tive foi o de convencê-lo a não vir e proteger a sua saúde. Eu não sabia como fazer isso, então eu pedi ajuda à sua família. Eles me disseram que, exceto pela sua voz, que parecia um pouco rouca, ele parecia estar bem. Esta explicação me deixou sem nenhuma desculpa, então não havia mais nada a dizer a não ser: “Quando o Sr. gostaria de vir, Sensei?”


Nós tomamos ainda mais precauções e o seminário de Saito Shihan em 1999 se deu sem nenhum desvio. Minhas preocupações pareciam exageradas. Ele comeu bem e se divertiu muito. A única diferença que eu notei foi que ele estava controlando o que bebia e o que comia e estava indo descansar mais cedo. Em algumas poucas ocasiões, no entanto, ele retornava depois que a maioria das pessoas já havia saído para tomar alguma coisa com seus amigos e estudantes mais próximos. Este era o seu momento privado de descanso. Ele nos contou sobre a sua cirurgia, tendo, inclusive, nos mostrado suas cicatrizes. “Os médicos me disseram: “Sr. Saito conte até três”. Eu contei até três e é tudo o que me lembro. Quando eu acordei eu estava grampeado, fechado do pescoço até o umbigo, em minhas costas tinha um corte diagonal de aproximadamente 60 centímetros! Ele mostrou suas cicatrizes com orgulho de uma criança que tivesse pescado o seu primeiro peixe. Os médicos aqui concordaram com os médicos japoneses que suas cicatrizes haviam cicatrizado bem. Ele estava orgulhoso disso.

Mais de 350 estudantes compareceram ao seminário de Saito Shihan em 1999, que foi um grande sucesso. Durante o seminário ele fez uma pausa para perguntar “Todos estão contentes? Eu estou muito feliz de estar de volta ao Colorado mais uma vez. Posso voltar novamente no próximo ano?” Ele recebeu uma salva de palmas que continuou mesmo depois que ele já havia deixado o ginásio. Mais tarde na festa de boas vindas ele deleitou a todos cantando um emocionante coro de “Shiroi Keiko Gi,” que era uma versão japonesa de Saito Shihan para “Oh My Darling Clementine” (oh, minha querida Clementina). Naquela noite o Sensei Hans Goto veio falar comigo em particular com um ar sério. “Será que você poderia perguntar ao Shihan se ele poderia ir à Califórnia no próximo ano?” ele perguntou. “É claro”, eu respondi. “Eu imagino que isso dependeria enormemente de sua saúde. Eu acho que é melhor que ele não venha a Denver da próxima vez. Ele faz de conta que está tudo bem, mas ele sabe do seu futuro. Em meu coração eu gostaria que ele permanecesse em sua casa em Iwama cuidando de sua saúde”.

Mais tarde em minha casa eu escolhi as palavras da melhor forma que pude e coloquei a questão para Saito Shihan. “Sensei no próximo ano, será que seria uma boa idéia visitar os dojos afiliados à Iwama na Califórnia? Se o senhor não for, seus estudantes vão achar que eu seqüestrei o seu pai!”. Depois de alguns momentos ele respondeu, “Ir ensinar em vários Dojos na Califórnia durante uma visita é agora fisicamente muito difícil para mim. Faz mais sentido fazer um grande seminário em um local central como Denver”. “E se o Sr. conseguisse realizar um grande seminário em um de seus dojos na Califórnia? Eu perguntei. “Eu me preocuparia se isso iria parecer que eu estaria favorecendo um dojo em detrimento de outros o que poderia causar problemas no futuro. É muito importante para mim que isso não aconteça”, ele disse. “E que tal se o Sr. escolhesse um local que fosse central e que tivesse um comitê formado pelos líderes de seu grupo para organizar o evento juntos?” Eu perguntei novamente. Saito Shihan olhou como se tivesse pensando profundamente a respeito disso, mas ele não respondeu.

Depois que ele retornou ao Japão eu só tive notícias de Saito Shihan em Janeiro de 2000. Ele me disse que havia decidido ir à Califórnia naquele ano. Era do seu entendimento que seus estudantes haviam decidido trabalhar juntos para organizar um seminário central na Califórnia para que todos fossem. Ele parecia estar muito feliz de que todos os seus estudantes estivessem trabalhando em conjunto. Ele me pediu que ensinasse aos seus instrutores o ABC da organização de um seminário, utilizando o “sistema de Denver” como ele chamava. Eu respondi gentilmente “Sensei o Sr. tem gerações de ushideshi na Califórnia que conhecem o Sr. a décadas. Esses seus instrutores agora têm gerações de estudantes atrás deles. Enquanto o Sr. ainda tem sua saúde esta é uma boa maneira de mantê-los ligados para o futuro. É importante para eles trabalharem juntos como em um time. Se eu me intrometer e der conselhos de como organizar um seminário, isto seria apenas interferência, o que iria atrapalhar o processo. Eles são muito capazes de organizar um seminário por si próprios. Eu acho que é melhor para todos que eu não esteja envolvido”.


Como foi do desejo de Saito Shihan no outono de 2000 um seminário de grande sucesso aconteceu na área da baía (da Califórnia) recepcionado, como Saito Shihan acreditava, por seu grupo de principais instrutores e estudantes da Iwama ryu. Em maio de 2001 eu fui ao Japão para (o evento) All Aikido Demonstration em Tóquio. As demonstrações se deram na Nippon Budokan. Saito Shihan realizou uma demonstração maravilhosa de técnicas de sankyo e suas variações. Como sempre ele agradava as platéias e recebeu enorme aplauso. Nessa época a força de suas pernas e de seus joelhos estavam enfraquecendo. Seu uke atuou bem e mascarou que ele estava ajudando o Shihan a se manter em pé após cada pegada. Acima das arquibancadas enquanto aguardava o começo e sua demonstração, Saito Shihan brincou com uma bengala desdobrável que ele embainhava e desembainhava propositadamente. “Você acha que poderíamos vender essas bengalas para Ninjas americanos? Não se preocupe, se um Ninja estiver precisando de uma bengala desdobrável ele não deve ser um Ninja de verdade”, ele concluiu. Todos ao seu redor riram.

No dia seguinte eu visitei Iwama e fui recebido calorosamente. Jantamos juntos na nova área de jantar do dojo ele parecia estar bem. Ele falou sobre os Estados Unidos e disse que estava ficando um pouco fraco fisicamente mas que ele havia prometido ir à Califórnia novamente neste ano, e era uma promessa que ele tinha a intenção de cumprir. Todos na mesa tentaram dissuadi-lo, mas ele se apressou em defender teimosamente seu ponto de vista. Finalmente sua filha disse: “Não existe razão para mudar sua opinião. O melhor é deixar que ele faça o que lhe faz feliz”. Enquanto eu me preparava para sair ele me presenteou com 30 bokkens que havia empacotado em feixes com alças.

Eu falei com sua filha novamente antes de partir. Ela me disse que o câncer estava se espalhando e agora estava afetando suas extremidades. Como é muito comum no Japão a família de Saito Shihan havia sido mais informada de suas condições do que ele próprio, e eles foram informados de que ele teria apenas mais alguns meses de vida. Ela estava muito preocupada com suas viagens mas ela não estava em condições de informá-lo que a sua saúde estava piorando. Ela também estava preocupada com seus anfitriões na Califórnia. Se alguma coisa acontecesse enquanto ele estivesse nos Estados Unidos isto seria traumático para os seus estudantes. Ela me perguntou se eu poderia de alguma forma persuadir seus estudantes na Califórnia que solicitassem a ele que não fosse. Eu expliquei a ela que eu não estava em posição de fazê-lo, nem eu gostaria de interferir em sua relação com seus estudantes.


Quatro meses depois veio a tragédia de onze de setembro de 2001. O governo japonês fez um comunicado público de que todas as viagens aos Estados Unidos que não fossem imperativas deveriam ser adiadas ou canceladas. Saito Shihan telefonou-me para dizer que ele queria vir aos Estados Unidos mas ele havia sido fortemente aconselhado por sua família e pelas autoridades a não ir. Ele disse que já havia tomado a sua decisão, mas ele perguntou o quão perigoso eu achava que seria viajar, e o que eu pensava de qual seria a reação de seus estudantes se ele não fosse. “É difícil dizer. Depois de um evento tão trágico é difícil predizer que tipo de reação as pessoas poderiam ter. Realizar um seminário logo depois de um evento tão trágico pode parecer falta de sensibilidade para algumas pessoas, para outras poderá parecer coragem”. Eu respondi. Ele me perguntou, “se fosse você , você iria?”. Sabendo de sua condição que piorava a cada dia, esta era uma questão difícil de responder. Se fosse eu teria ido, mas a minha posição era muito diferente da dele. Embora eu soubesse muito bem de todo o trabalho duro que seus estudantes tiveram para preparar a sua visita e dos sofrimentos e desapontamentos que isso causaria se ele não fosse, para o seu próprio bem, eu o aconselhei a não ir. Mais importante agora era a sua vida e os desejos de sua família.

Eu acho que ambos sabíamos que isso era por causa de sua saúde, mas eu sugeri gentilmente, “neste momento de tragédia, em respeito às vítimas do ato terrorista, eu acho melhor não ir”. No dia seguinte havia um anúncio colocado na web site do Aikido Journal comunicando que Saito Shihan não iria à Califórnia. Ao ver que o anúncio tinha sido oficial soube que ele havia tomado sua decisão antes que eu falasse com ele. Eu me senti mal por seus estudantes, mas não ter feito aquela viagem ajudou a prolongar sua saúde e vida por pelo menos mais um dia, eu senti que era minha obrigação apoiá-lo neste momento final.

Em 2002, Saito Shiham ia e vinha do hospital. No mês de fevereiro o câncer se espalhou pela sua coluna, o que o impossibilitou de andar. Ele foi confinado a uma cadeira de rodas e foi informado de que estava no fim da contagem regressiva. Ele recusava todos os tipos de tratamento médico indicados por seu médicos e voltava do hospital para casa. Sua família me disse que sua condição estava piorando e eu fiz uma viagem para Iwama para visitá-lo no dia primeiro de março de 2002.

Eu estava surpreso em ver que Saito Shihan havia colocado sua cama para o cômodo de entrada de sua casa, muito perto das portas de correr. No Japão é um costume, especialmente entre artistas marciais, dormir o mais longe possível da porta, particularmente se eles estão doentes ou comprometidos de outra forma. É também costume dormir com a cabeça em direção ao altar de forma a mostrar deferência. Saito Shihan, no entanto, se posicionou onde ele pudesse ouvir o que estava acontecendo no quintal e no dojo e o que os seus estudantes estavam fazendo. A sua missão de ensinar Aikido aos seus ushideshi e estudantes ainda era posta em primeiro lugar – mesmo que isso significasse que ele teria que dormir com os pés em direção ao altar.

Deitado em sua cama ele utilizava uma bomba para drenar seus fluídos. A bomba deixava hematomas em sua pele que eram difíceis de serem contempladas, elas pareciam muito dolorosas. Mesmo assim ele brincava, “Eu nunca tive essas (manchas) pretas e azuis mesmo quando eu era jovem e me envolvia em brigas todo o tempo!”.


Eu lhe perguntei se ele gostaria que eu massageasse seus pés. Enquanto eu massageava seus pés embaixo do cobertor meus olhos se encheram de lágrimas. Eu havia feito isso antes, no mesmo lugar. Só que da última vez que eu fiz isso foi para o Fundador antes dele morrer. Minha vida parecia ter se transformado em um círculo completo, e eu estava mais uma vez oferecendo o conforto de uma massagem a outro grande artista marcial em Iwama.

Enquanto eu massageava seus pés, Saito Shihan falou em particular a respeito de seus estudantes, especialmente seus estudantes no exterior. Depois de vinte minutos de conversa eu pedi licença para me retirar. Então ele me surpreendeu e me deu um susto quando ele começou a gritar ordens para um uchideshi que estava esperando atrás de uma tela de shoji. Está frio lá fora esta manhã! Faça aquele fogão trabalhar, Homma-kun precisa tomar café agora! VOCÊ ESTÁ ENTENDENDO?” O uchideshi correu o máximo que pode em direção à cozinha.

Depois de terminar de dar ordens ao uchideshi, ele se virou para mim e disse com uma voz suave, “Obrigado por você ter vindo. Nós deveríamos tomar café juntos, mas já que estou impossibilitado, você terá seu café pronto na cozinha dos uchideshi”. Com isso ele voltou a sua atenção ao uchideshi que havia se retirado “Não se esqueça daquele fogão!”, ele gritou.

Depois que terminei o café da manhã eu voltei para me despedir. Ele me ordenou que fosse no armazém para pegar entre 20 e 30 bokkens. Eu o agradeci amavelmente por sua generosidade, mas ele já havia me dado uma generosa quantidade de bokkens de presente, o que já foi o suficiente. Eu apenas vim me despedir por ora.

No dia 23 de abril de 2002 eu recebi uma chamada telefônica do Japão. Minha presença era solicitada este ano para a festividade de Aiki Jinja Tai Sai no dia 29 de abril. Tai Sai é uma grande festividade realizada no templo do Aikido em Iwama a cada ano em honra ao Fundador Morihei Ueshiba. Sem hesitação eu comecei a fazer planos para ir à Iwama, onde o festival seria realizado. Saito Shihan estava se preparando para oficiar a cerimônia do Tai Sai, e era muito importante para mim estar lá.

Quando eu cheguei em Iwama eu parei na casa de Saito Shihan para cumprimentá-lo. Assistido por seus uchideshis, ele estava ocupado trocando de roupas. Ele foi vestido oficialmente com um montsuki haori. Seus cabelos haviam sido suavemente pintados para remover o cinza, e ele parecia enormemente dignificado.

Ele foi trazido por seu uchideshi em uma cadeira de rodas para um local em frente ao dojo. Seus estudantes logo se juntaram ao seu redor. Eu cheguei com Doug Kelly, o piloto que Saito Shihan havia encontrado muitas vezes antes. Ele nos notou e perguntou a Doug se a Airlines estava tirando folga para o Tai Sai. Todos riram, o que quebrou a tensão do momento. Todos nós nos curvamos sobre um dos joelhos para ficarmos mais próximos do Shihan e também para mostrar nosso respeito por ele. Nunca é educado olhar acima de um Sensei, especialmente este Sensei, neste dia especial.

Enquanto nos aproximávamos Saito Shihan informava a todos sobre sua condição. Nós estávamos sob o sol e estava quente. Eu sugeri que fossemos para sombra, mas ele moveu a cabeça negando. “Os médicos queriam fazer vários testes e queriam tirar vários raios x, então eu deixei. O dojo é o meu hospital eu estou muito mais confortável aqui. De qualquer modo, radiação e medicamentos fazem apenas com que você perca cabelo e peso. Já é o suficiente para mim. Me foram enviadas ervas maravilhosas de todas as partes do mundo. Eu vou tomá-las para melhorar”.


Quando a cerimonia Tai Sai começou, Saito Shihan impulsionado em sua cadeira de rodas por seu uchideshi tomou o caminho do templo. Nós permanecemos com ele enquanto ele inclinava sua cabeça para orar. Olhando o chão, ele me chamou discretamente “Homma-kun, eu tenho, por muito, muito tempo, cuidado deste chão aqui no dojo de Iwama, mas este é o fim. É estranho para mim que todos os dias do ano eu tomo conta deste templo e apenas um dia do ano alguém vem de Tóquio e do Hombu dojo. Eles vêm para celebrar e ir embora novamente. Sempre tem muito lixo deixado para trás! Ano passado eu pedi para que todos levassem seu lixo com eles quando eles fossem. O lixo era tanto que chegou até à estação de trem de Iwama onde os depósitos de lixo transbordaram. Eu recebi um telefonema do chefe da estação reclamando da bagunça! Isto, também é o fim para mim”. Ele olhou para mim e riu, Enquanto ele estava sentado do lado de fora do templo, pétalas de azaléia caíam dos galhos próximos, assentando-se calmamente sobre seus ombros e sobre seus cabelos. Se aquele tivesse sido um ano diferente, se ele estivesse bem de saúde, ele teria entrado no templo para realizar a cerimônia. Esse ano, no entanto, ele se sentou embaixo das árvores de azaléia.

A cerimônia foi seguida por um naori (uma festa de celebração) no dojo. Saito Shihan bebeu uma pequena taça de vinho tinto, o que o deixou contente. Ele pediu que fosse tirada uma foto dele comigo e com Kawabe Sensei. Eu e Kawabe Sensei tentamos ficar o mais próximo o possível do Shihan para a foto, mas uma garrafa de vinho sobre a mesa estava no meio da foto. Brincando, Saito Shihan falou, “Ummm, se aquela garrafa de vinho sair na foto, todo mundo vai achar, erroneamente, que eu sou um grande beberrão!” Nós tiramos a garrafa e fizemos uma pose séria para a fotografia, o que fez com que ele desse uma gargalhada.
No dia seguinte, chegou a hora do meu retorno para os Estados Unidos, então eu voltei para me despedir. Eu fiquei do lado de fora das portas de correr e disse, Denver no Homma desu. Eu tenho que deixar Iwama. Muito obrigado”. De dentro do quarto eu ouvi, “Homma-kun, você já tomou café da manhã?” “Sim”, eu repliquei. “Então tudo bem, se cuide”. Então depois de uma pausa ele continuou, “Você é o único japonês de Iwama que tem um dojo nos Estados Unidos. Conserve a amizade de todos eles”. “Hai, Arigato Gozaimashita,” eu repliquei.

Aquelas foram as últimas palavras que Saito Shihan me disse.Ele era um tipo especial de pessoa. Diferente de seus pares, outros instrutores de alto nível do Hombo dojo, Saito Shihan foi um homem do interior, um agricultor de Iwama. Saito Shihan viveu em Iwama, trabalhou na estrada de ferro em Iwama e veio a focar sua vida em cuidar do Fundador e do Templo Aiki em Iwama. Ele era apenas um simples homem do campo, com a sua teimosia de homem do campo. Uchideshis e estudantes durante muitas décadas foram testemunhas de que Saito Shihan era um professor muito duro e rigoroso. Mas, uma vez que a relação entre estudante e professor se desenvolvia, Saito Shihan se tornava muito gentil, um ser humano de sabor único. E era essa essência de Saito Shihan que lhe dava o poder de atrair estudantes de todas as partes do mundo.


A minha relação com Saito Shihan se estendeu por mais de quatro décadas. Quando eu era jovem eu me relacionei com ambos, o Fundador e Saito Shihan. Mas veio então o tempo, como agora, de deixar Iwama. Quando o Fundador foi para o Hombu dojo, pouco antes de sua morte, eu também deixei Iwama novamente. Quando eu estava saindo, naquela ocasião, Saito Shihan me entregou um maço de fotos. Eram fotos de teste para o seu primeiro livro, para aquilo que viria ser Traditional Aikido, Volume I (Aikido Tradicional, Volume I). Depois que o Fundador havia ido para Tóquio, eu ainda me lembro do que Saito Shihan me disse quando eu vim me despedir. “Você é aluno do Fundador, quando o Fundador estava com boa saúde não era meu papel lhe ensinar. Fique com este maço de fotos, eu irei usá-las algum dia para um livro. Você tem uma longa viagem pela frente até retornar à Akita. Você irá precisar de muitas bolas de arroz para levar você até lá. Ajude a si mesmo, leve essas bolas de arroz com você”.

Talvez tenha sido a sua própria experiência de uma vida difícil com uchideshi, mas Saito Shihan estava sempre preocupado com a as pessoas terem o suficiente para comer. Não importava o quanto ele era severo como professor, não importava o quão duro ele tivesse sido, ele sempre se preocupava em se certificar que aqueles que estavam ao seu redor estavam alimentados. Isto é uma das coisas sobre ele que eu nunca esquecerei.

Nós não podemos nos esquecer de que Saito Shihan foi um aluno do Fundador do Aikido, Morihei Ueshiba, ou de que ele foi um instrutor da Aikikai sob a liderança do filho do Fundador Kisshomaru Ueshiba e seu neto, o atual Doshu, Moritetu Ueshiba.
Saito Shihan, às vezes, parecia desenhar uma linha separando a si mesmo do Quartel General da Aikikai. Ele às vezes falava duramente a respeito do Hombu dojo e de sua maneira de praticar. Isto, algumas vezes, serviu para afastar Saiti Shihan de seus pares e alunos que não entendiam completamente a sua crítica. Por trás de sua crítica, eu acredito que o seu desejo era que o Hombu dojo se destilasse e continuassee a transmitir a filosofia do Fundador Morihei Ueshiba que fosse correta aos seus olhos.

Eu acho que é muito difícil, para alguns estudantes que não são do Japão, entender as complexas nuanças e níveis das relações japonesas e do seu estilo de comunicação. Para tentar tomar as duras palavras de Saito Shihan de forma literal quando para o Hombu deveriam ser tão superficiais e não refletirem um quadro real.

Existem dois termos em japonês chamados honne e tatamae. Eles são conceitos de difícil compreensão, principalmente por ocidentais. Em geral honne é um termo que designa crenças íntimas, pessoais, enquanto que tatamae se refere à persona e à posição que uma pessoa assume para a coesão com aqueles que fazem parte de sua sociedade circunstante. Ambos são intrínsecos ao outro, no entanto eles são expressos de formas diferentes no Japão e nos Estados Unidos. É comum no Japão, em alguns contextos sociais, as pessoas desabafarem suas frustrações, ou mostrarem sua opinião pessoal da mesma maneira que o marido chega em casa e reclama do chefe com sua esposa. A maior parte das vezes isso é apenas reclamação e é tomado como tal. Em circunstâncias comuns no Japão, uma esposa apenas escuta as reclamações do marido e as entende apenas como elas são. Nunca ocorre que a queixa do marido feita na noite anterior venha a ser tornar um fato público ou venha a ser repassada ao chefe de alguma forma. Eu temo que para um homem na posição de Saito Shihan, sua severidade em algumas ocasiões, especialmente em contextos sociais, foi mal interpretada e tomada literalmente quando não deveria ter sido.


Eu acho que as más interpretações que prejudicaram a reputação de Saito Shihan e algumas das relações que ele teve durante os anos poderiam ter sido evitadas com um profundo entendimento cultural do modo de comunicação japonês. Existe uma frase Zen que diz “Sokkotso no Ki”. Para traduzi-la é mais proveitoso utilizar uma parábola do que uma descrição.

Uma mãe pássaro põe seus ovos e os protege enquanto eles crescem. Ela os guarda de inimigos e os mantêm aquecidos. Ela espera pacientemente que o filhote que está dentro se desenvolva. Quando a hora chega o filhote começa a bicar a casca de dentro para fora, tentando se libertar. Quando a mãe pássaro ouve as bicadas, ela bica delicadamente a casca por fora para fazer com que a casca comece a quebrar. No entanto, ela não quebra a casca para que o filhote emirja. O filhote tem que se libertar sozinho do ovo que o acolheu. Conforme o filhote vai quebrando a casca ele não tem conhecimento de que a mãe pássaro lhe ajudou começando a bicar a casca do lado de fora. O filhote entra no mundo fora do ovo pensando que entrou no mundo sozinho. Para o modo japonês de ensinar este timing (momento) é muito importante, sabendo quando e como ajudar um estudante a quebrar a casca fazendo com que cresça por si próprio. Saito Shihan era muito bom nisso quando ensinava aos seus alunos. Saito Shihan ensinou muitas gerações de estudantes durante a sua vida. Ele teve diferentes alunos durante os diferentes períodos de sua própria existência e de seu próprio desenvolvimento. Através dos anos os valores mudaram, o mundo mudou e, no entanto, cada aluno era tratado como se fosse um uchideshi de Saito Shihan, não importava o período de sua vida que eles fizeram parte.

Picasso foi famoso como pintor. Como pintor ele evoluiu e seu estilo e expressão mudaram através de diferentes períodos de sua própria vida e de seu próprio desenvolvimento. Não faz sentido pegar um período da arte de Picasso e dizer que esta foi a sua única forma de expressão, ou a sua verdadeira forma de expressão. Picasso foi a totalidade de sua obra. Tudo foi parte dele.

O mesmo se torna verdadeiro com um artista marcial como Saito Shihan. (as mudanças) não significavam de nenhum modo o começo de sua jornada. Saito Shihan praticou e ensinou Aikido durante trinta e três anos após a morte do Fundador. Enquanto o seu estilo e execução mudavam naturalmente através do anos, o que ele ensinava aos seus alunos também mudava. Se alunos de diferentes gerações comparassem sua forma de ensinar, provavelmente encontrariam diferenças e, no entanto, todas as suas diferentes formas de ensinar eram partes de Saito Shihan, e ele era todas elas.

No final, Saito Shihan se tornou um iluminado com o aproximar-se de sua morte. Ele falou com alunos mais ligados a respeito dos arranjos para o funeral, ele ordenou que fossem feitos quimonos de luto para sua esposa e filha. Para o seu filho Hitohiro ele deu o seu próprio quimono de cerimônias especiais… um quimono que seu filho iria usar em poucos meses. Antes do Aiki Jinja Tai Sai, ele ordenou ao seu filho e aos seus uchideshis que limpassem cada polegada de todo o dojo até que ele ficasse satisfeito.

Depois que o Tai Sai terminou, ele visitou o seu templo e orou em frente ao túmulo de sua família. Alguns dias depois ele teve um pequeno problema respiratório e pensou que seria melhor checar isso no hospital. Ninguém sabia que aquela seria uma viagem sem volta.

No dia 13 de Maio de 2002, um dos maiores aikidoístas de nosso tempo seguiu o Fundador Morihei Ueshiba através da história. O legado que ele nos deixou foi uma grande vida por si mesma, e suas últimas lições de dignidade e honra irão continuar em sua memória.

Tradução: William Soares

Aikido e Armas: A ultima palavra?

por Stanley Pranin

A discussão sobre a inclusão ou não do treinamento com armas dentro da prática do Aikido é bem grande e com freqüência temos oferecido no Aikido Journal um espaço para quem apóia ou não sua existência. Tenho observado e também participado destas discussões e neste momento desejo propor alguns pontos os quais eu não recordo de serem mencionados anteriormente.Como primeiro ponto, penso que um bom começo seria revisar o que Morihei Ueshiba mencionou a respeito das armas. Sem necessidade de cair em uma grande argumentação histórica a respeito, vou ressaltar alguns pontos. Como temos documentado de forma exaustiva nos últimos dez anos, a maior influência técnica no Aikido é o Daito-ryu aikijujutsu. O mestre de Ueshiba, Sokaku Takeda, era um grande esgrimista e um experto no manejo de armas que passou muitos de seus anos de formação estudando uma grande variedade de armas. Takeda tomou o Jujutsu como fundamento essencial na instrução de suas técnicas, especialmente nos anos nos quais portar espadas estava proibido por lei. O bujutsu de Takeda era inclusivo por natureza e de nenhuma maneira se pode considerar limitado exclusivamente às técnicas de Jujutsu. As técnicas do Daito Ryu estão concebidas sobre os princípios da espada.
Outro fato: de 1942 pelo menos até o final dos anos 50, Morihei Ueshiba passou uma grande quantidade de tempo em seu dojo campestre de Iwama experimentando com o Aiki ken e o Aiki jo. Um dos seus principais alunos desta época , Morihiro Saito foi uma testemunha de primeira mão neste processo e o corpo que alberga o conhecimento que surgiu deste esforço nesta parte da vida pode ser visto hoje em dia no Aikido de Saito Sensei . Uma das críticas contra esta afirmação diz algo assim “O-Sensei simplemente experimentava com as armas na realidade nunca desenvolveu este aspecto do treinamento como uma disciplina completa como seu taijitsu ou as técnicas sem armas”. O problema deste ponto de vista é que o período referido é de cerca de 20 anos. Isto, seria suficiente para um artista marcial
qualificado como Ueshiba para integrar este conhecimento em seu
reinamento. Recorde, também, que em 1937 o Fundador tomou ações para ingressar nas artes clássicas baseadas em armas como o Kashima Shinto-ryu, em seu dojo na Kobukan. Inclusive, se encontra seu juramento de sangue nos arquivos desta escola. Posteriormente, ressaltarei que muitos dos termos técnicos do Aikido se derivam do kenjutsu. Palavras como tegatana, shomenuchi, yokomenuchi, e shihonage claramente refletem um conhecimento da esgrima. Assim mesmo, uma grande quantidade das técnicas que caracterizam o Aikido, como iriminage, se baseiam em movimentos de entradas claras com a espada. De fato o conceito de irimi ou entrar provêem do manejo do sabre. Para ser claro, o estudo e a prática de armas foi una paixão de muitos anos do fundador. Aqueles que sugerirem o contrário são ignorantes da historia do Aikido ou tem algum outro interesse para suas afirmações. De toda forma, é um fato histórico que o fundador do Aikido proibiu a prática do ken e do jo no Aikikai Hombu Dojo com exceção das aulas do Saito Sensei.
Mais que um fator revelador, poderei perguntar me: Deveria ser surpreendente que o Hombu Dojo de hoje tem afirmado publicamente – me refiro as afirmações publicadas do Dojo-cho Moriteru Ueshiba e o 8º dan Masatake Fujita – nas quais se diz que o treinamento com armas não é parte do aikido?. A resposta à pergunta sobre se o aikido inclui ou não o treinamento de armas depende da definição da autoridade a quem você consulte. Não existe um acordo universalmente aceito sobre o que o aikido é técnica ou filosoficamente. Entretanto, o praticante médio observa a seu instrutor imediato como a autoridade final com respeito à arte. Inclusive, uma organização não pode impor seu ponto de vista no conteúdo e nível de treinamento de um dojo a não ser que se adote um rígido esquema de regulamento. Esta aproximação inibe de maneira séria o crescimento e influencia do grupo como já se demonstraram várias vezes.Como exemplo, dentro da organização do Aikikai Hombu – cuja posição oficial, como vimos, exclui o treinamento de armas – professores de renome como Shoji Nishio, Nobuyoshi Tamura, Kazuo Chiba, e Mitsunari Kanai entre muitos outros, incorporam iaido em seu currículo. Nenhuma ação foi tomada para prevenir lhes de fazer isto. Da minha opinião, o debate se concentra em um elemento semântico. No haverá uma resposta satisfatória para a pergunta que relaciona aikido e armas que convença todo mundo.Todas as argumentações no mundo acerca das virtudes e vícios neste tipo de treinamento, não mudaram este fator. Aqueles em que seus professores promovem o treinamento, ou quem, de maneira independente chega a concluir que as armas são um complemento importante ao treinamento no taijutsu, procederão de acordo com suas convicções. Aqueles que foram persuadidos sobre o perigo e como é inadequado frente ao progresso no taijutsu, rechaçaram as armas e herdaram um grupo de prejuízos que lhes servirão para justificar suas posições.É esta a última palavra sobre isto?, duvido, porem espero haver contribuído com umas novas perspectivas no que diz respeito ao debate.