SEMIDEUSES – por Roberto Shinyashiki

Entrevista Isto É

Observador contumaz das manias humanas, Roberto Shinyashiki está cansado dos jogos de aparência que tomaram conta das corporações e das famílias. Nas entrevistas de emprego, por exemplo, os candidatos repetem o que Imaginam que deve ser dito. Num teatro constante, são todos felizes, motivados, corretos, embora muitas vezes pequem na competência. Dizem-se perfeccionistas: ninguém comete falhas, ninguém erra. Como Álvarode Campos (heterônimo de Fernando Pessoa) em Poema em linha reta, o psiquiatra não compartilha da síndrome de super-heróis. Nunca conheci quem tivesse levado porrada na vida (…) Toda a gente que eu conheço e que fala comigo nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, nunca foi senão príncipes dizem os versos que o inspiraram a escrever Heróis de verdade (Editora Gente, 168 págs., R$ 25). Farto de semideuses, Roberto Shinyashiki faz soar seu alerta por uma Mudança de atitude. O mundo precisa de pessoas mais simples e verdadeiras.
Por Camilo Vannuchi

ISTOÉ – Quem são os heróis de verdade?
Roberto Shinyashiki – Nossa sociedade ensina que, para ser uma pessoa de sucesso, você precisa ser diretor de uma multinacional, ter carro importado, viajar de primeira classe. O mundo define que poucas pessoas deram certo. Isso é uma loucura. Para cada diretor de empresa, há milhares de funcionários que não chegaram a ser gerentes. E essas pessoas são tratadas como uma multidão de fracassados. Quando olha para a própria vida, a maioria se convence de que não valeu a pena porque não conseguiu ter o carro nem a casa maravilhosa. Para mim, é importante que o filho da moça que trabalha na minha casa possa se orgulhar da mãe. O mundo precisa de pessoas mais simples e transparentes. Heróis de verdade são aqueles que trabalham para realizar seus projetos de vida, e não para impressionar os outros. São pessoas que sabem pedir desculpas e admitir que erraram.
ISTOÉ – O Sr. citaria exemplos?
Shinyashiki – Dona Zilda Arns, que não vai a determinados programas de tevê nem aparece de Cartier, mas está salvando milhões de pessoas. Quando eu nasci, minha mãe era empregada doméstica e meu pai, órfão aos sete anos, empregado em uma farmácia. Morávamos em um bairro miserável em São Vicente (SP) chamado Vila Margarida. Eles são meus heróis. Conseguiram criar seus quatro filhos, que hoje estão bem. Acho lindo quando o Cafu põe uma camisa em que está escrito 100% Jardim Irene . É pena que a maior parte das pessoas esconda suas raízes. O resultado é um mundo vítima da depressão, doença que acomete hoje 10% da população americana. Em países como Japão, Suécia e Noruega, há mais suicídio do que homicídio. Por que tanta gente se mata? Parte da culpa está na depressão das aparências, que acomete a mulher que, embora não ame mais o marido, mantém o casamento, ou o homem que passa décadas em um emprego que não o faz se sentir realizado, mas o faz se sentir seguro.
ISTOÉ – Qual o resultado disso?
Shinyashiki – Paranóia e depressão cada vez mais precoces. O pai quer preparar o filho para o futuro e mete o menino em aulas de inglês, informática e mandarim. Aos nove ou dez anos a depressão aparece. A única coisa que prepara uma criança para o futuro é ela poder ser criança. Com a desculpa de prepará- los para o futuro, os malucos dos pais estão roubando a infância dos filhos. Essas crianças serão adultos inseguros e terão discursos hipócritas. Aliás, a hipocrisia já predomina no mundo corporativo.
ISTOÉ – Por quê?
Shinyashiki – O mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta, a começar pelo processo de recrutamento. É contratado o sujeito com mais marketing pessoal. As corporações valorizam mais a auto-estima do que a competência. Sou presidente da Editora Gente e entrevistei uma moça que respondia todas as minhas perguntas com uma ou duas palavras. Disse que ela não parecia demonstrar interesse. Ela me respondeu estar muito interessada, mas, como falava pouco, pediu que eu pesasse o desempenho dela, e não a conversa. Até porque ela era candidata a um emprego na contabilidade, e não de relações públicas. Contratei na hora. Num processo clássico de seleção, ela não passaria da primeira etapa.
ISTOÉ – Há um script estabelecido?
Shinyashiki – Sim. Quer ver uma pergunta estúpida feita por um presidente de multinacional no programa O aprendiz? Qual é seu defeito? Todos respondem que o defeito é não pensar na vida pessoal: Eu mergulho de cabeça na empresa. Preciso aprender a relaxar. É exatamente o que o chefe quer escutar. Por que você acha que nunca alguém respondeu ser desorganizado ou esquecido? É contratado quem é bom em conversar, em fingir. Da mesma forma, na maioria das vezes, são promovidos aqueles que fazem o jogo do poder. O vice-presidente de uma das maiores empresas do planeta me disse: Sabe, Roberto, ninguém chega à vice-presidência sem mentir. Isso significa que ;quem fala a verdade não chega a diretor?
ISTOÉ – Temos um modelo de gestão que premia pessoas mal preparadas?
Shinyashiki – Ele cria pessoas arrogantes, que não têm a humildade de se reparar, que não têm capacidade de ler um livro até o fim e não se preocupam com o conhecimento. Muitas equipes precisam de motivação, mas o maior problema no Brasil é competência. Cuidado com os burros motivados. Há muita gente motivada fazendo besteira. Não adianta você assumir uma função para a qual não está preparado. Fui cirurgião e me orgulho de nunca um paciente ter morrido na minha mão. Mas tenho a humildade de reconhecer que isso nunca aconteceu graças a meus chefes, que foram sábios em não me dar um caso para o qual eu não estava preparado. Hoje, o garoto sai da faculdade achando que sabe fazer uma neurocirurgia. O Brasil se tornou incompetente e não acordou para isso.
ISTOÉ – Está sobrando auto-estima?
Shinyashiki – Falta às pessoas a verdadeira auto-estima. Se eu preciso que os outros digam que sou o melhor, minha auto-estima está baixa. Antes, o ter conseguia substituir o ser. O cara mal-educado dava uma gorjeta alta para conquistar o respeito do garçom. Hoje, como as pessoas não conseguem nem ser nem ter, o objetivo de vida se tornou parecer. As pessoas parecem que sabem, parece que fazem, parece que acreditam. E poucos são humildes para confessar que não sabem. Há muitas mulheres solitárias no Brasil que preferem dizer que é melhor assim. Embora a auto-estima esteja baixa, fazem pose de que está tudo bem.
ISTOÉ – Por que nos deixamos levar por essa necessidade de sermos perfeitos em tudo e de valorizar a aparência?
Shinyashiki – Isso vem do vazio que sentimos. A gente continua valorizando os heróis. Quem vai salvar o Brasil? O Lula. Quem vai salvar o time? O técnico. Quem vai salvar meu casamento? O terapeuta. O problema é que eles não vão salvar nada! Tive um professor de filosofia que dizia: Quando você quiser entender a essência do ser humano, imagine a rainha Elizabeth com uma crise de diarréia durante um jantar no Palácio de Buckingham. Pode parecer incrível, mas a rainha Elizabeth também tem diarréia. Ela certamente já teve dor de dente, já chorou de tristeza, já fez coisas que não deram certo. A gente tem de parar de procurar super-heróis. Porque se o super-herói Não segura a onda, todo mundo o considera um fracassado.
ISTOÉ – O conceito muda quando a expectativa não se comprova?
Shinyashiki – Exatamente. A gente não é super-herói nem superfracassado. A gente acerta, erra, tem dias de alegria e dias de tristeza. Não há nada de errado nisso. Hoje, as pessoas estão questionando o Lula em parte porque acreditavam que ele fosse mudar suas vidas e se decepcionaram. A crise será positiva se elas entenderem que a responsabilidade pela própria vida é delas.
ISTOÉ – É comum colocar a culpa nos outros?
Shinyashiki – Sim. Há uma tendência a reclamar, dar desculpas e acusar alguém. Eu vejo as pessoas escondendo suas humanidades. Todas as empresas definem uma meta de crescimento no começo do ano. O presidente estabelece que a meta é crescer 15%, mas, se perguntar a ele em que está baseada essa expectativa, ele não vai saber responder. Ele estabelece um valor aleatoriamente, os diretores fingem que é factível e os vendedores já partem do princípio de que a meta não será cumprida e passam a buscar explicações para, no final do ano, justificar. A maioria das metas estabelecidas no Brasil não leva em conta a evolução do setor. É uma chutação total.
ISTOÉ – Muitas pessoas acham que é fácil para o Roberto Shinyashiki dizer essas coisas, já que ele é bem-sucedido. O senhor tem defeitos?
Shinyashiki – Tenho minhas angústias e inseguranças. Mas aceitá-las faz minha vida fluir facilmente. Há várias coisas que eu queria e não consegui. Jogar na Seleção Brasileira, tocar nos Beatles (risos). Meu filho mais velho nasceu com uma doença cerebral e hoje tem 25 anos. Com uma criança especial, eu aprendi que ou eu a amo do jeito que ela é ou vou massacrá-la o resto da vida para ser o filho que eu gostaria que fosse. Quando olho para trás, vejo que 60% das coisas que fiz deram certo. O resto foram apostas e erros. Dia desses apostei na edição de um livro que não deu certo. Um amigão me perguntou: Quem decidiu publicar esse livro? Eu respondi que tinha sido eu. O erro foi meu. Não preciso mentir.
ISTOÉ – Como as pessoas podem se livrar dessa tirania da aparência?
Shinyashiki – O primeiro passo é pensar nas coisas que fazem as pessoas cederem a essa tirania e tentar evitá-las. São três fraquezas. A primeira é precisar de aplauso, a segunda é precisar se sentir amada e a terceira é buscar segurança. Os Beatles foram recusados por gravadoras e nem por isso desistiram. Hoje, o erro das escolas de música é definir o estilo do aluno. Elas ensinam a tocar como o Steve Vai, o B.B. King ou o Keith Richards. Os MBAs têm o mesmo problema: ensinam os alunos a serem “Covers” ou “Bill Gates”. O que as escolas deveriam fazer é ajudar o aluno a desenvolver suas próprias potencialidades. O mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta. É contratado o sujeito com mais marketing pessoal
ISTOÉ – Muitas pessoas têm buscado sonhos que não são seus?
Shinyashiki – A sociedade quer definir o que é certo. São quatro loucuras da sociedade. A primeira é instituir que todos têm de ter sucesso, como se ele não tivesse significados individuais. ; A segunda loucura é: Você tem de estar feliz todos os dias. A terceira é: Você tem que comprar tudo o que puder. O resultado é esse consumismo absurdo. Por fim, a quarta loucura: Você tem de fazer as coisas do jeito certo. Jeito ;certo não existe. Não há um caminho único para se fazer as coisas. As metas são interessantes para o sucesso, mas não para a felicidade. Felicidade não é uma meta, mas um estado de espírito. Tem gente que diz que não será feliz enquanto não casar, enquanto outros se dizem infelizes justamente por causa do casamento. Você precisa ser feliz tomando sorvete, levando os filhos para brincar. Quando era recém-formado em São Paulo, trabalhei em um hospital de pacientes terminais. Todos os dias morriam nove ou dez pacientes. Eu sempre procurei conversar com eles na hora da morte. A maior parte pega o médico pela camisa e diz: Doutor, não me deixe morrer. Eu me sacrifiquei a vida inteira, agora eu quero ser feliz. Eu sentia uma dor enorme por não poder fazer nada. Ali eu aprendi que a felicidade é feita de coisas pequenas. Ninguém na hora da morte diz se arrepender por não ter aplicado o dinheiro em imóveis.

POLINDO O ESPELHO, QUEBRANDO PEDRAS

Por DENNIS HOOKER
Trad. Jaqueline Sá Freire (Hikari Dojo- Instituto Takemussu Rio de Janeiro)

Há vários anos eu passei por uma cirurgia grande, relacionada a uma doença crônica. Tive que tomar medicamentos que me fizeram ganhar 50 lbs de peso em dois meses. Meu corpo não respondia a comandos normais. Fiquei severamente deprimido, pronto a desistir da vida. Meus alunos, alguns dos quais eram mais velhos que eu, compreenderam o perigo, e se juntaram para me dar uma passagem de avião para um seminário que estava sendo dado por meu sensei. Eles me levaram para a outra cidade e para o Dojo (um deles ficou comigo durante o vôo). Alguém me ajudou a me vestir e me levou ao tatame. Eu escutei e observei enquanto o sensei ensinava.

Por várias vezes, jovens aikidocas se aproximaram e me convidaram para treinar, mas eu educadamente recusava. E por várias vezes ouvi pessoas falando sobre mim. “Se ele não quer treinar”- eles diziam – “ele deveria sair do tatame. Quem esse cara pensa que é?” No final do seminário eu só conseguia sorrir dessas palavras. Eu sabia porque estava lá, e sabia o quanto ganhei.

Compaixão, amor e compreensão nos ajudam muito, especialmente se não sabemos o que está acontecendo a nossa volta. A qualquer momento, sem saber, podemos estar presenciando uma luta de vida ou morte. Nestes momentos, uma palavra gentil, um toque ou um sinal de compaixão podem ser a manifestação do valor marcial que é a chave da vitória de algumas pessoas.

Tendo em vista a condição física, alguns de nós podem estar treinando ou “no vale” ou “na montanha”. Não temos o luxo de treinar em um platô.

Estamos no vale quando estamos com o físico em um nível baixo, quando não temos os atributos físicos necessários para o treinamento vigoroso definido pelo praticante de artes marciais “normal”. Quando estamos no vale, podemos não ser capazes de fazer sobre o tatame o que outros fazem, mas ainda podemos “polir o espelho” trabalhando nossa natureza interior.

Às vezes o professor preparará uma aula para dar ao aluno a oportunidade de polir o espelho. Por exemplo, o professor pode enfocar os detalhes do ataque – a postura, a extensão da energia, como manter o centro. Ou o professor pode focalizar detalhes da técnica, instruindo os alunos a usar a velocidade dentro do possível para manter a maneira correta dentro da habilidade física de cada um. Estudando ataque e defesa desta maneira, podemos aprender a técnica correta. Podemos começa a polir o espelho do Aikido dentro de nós. Podemos trabalhar na exatidão da técnica até que a realidade da técnica seja refletida em nossos corações e corpos, em nossos movimentos, e na harmonia dos relacionamentos com nossos parceiros.

Com freqüência, quando os professores ensinam dessa maneira, eu ouço os jovens leões rugirem. “Não é um treinamento realista!” eles dizem. Mas ao mesmo tempo, vejo alguns antigos guerreiros se iluminando e tendo a oportunidade de polirem o espelho. Este tipo de treinamento ajudou alguns de nós a atravessar o vale, ajudando a preparar o corpo, mente e espírito para a subida de volta à montanha.

No vale, polimos o espelho, mas na montanha, quebramos a pedra – quebramos as pontas ásperas dos egos que ficam como pedras pontudas no centro de nosso ser, causando dor. Quebrar a pedra é trabalhar duro e rápido com nossas mentes fixadas na tarefa que se apresenta.

Podemos quebrar a pedra com segurança, desde que tenhamos passado tempo suficiente polindo o espelho. Como uke e nage, trabalhamos juntos tirando as pontas ásperas. Eu me dou a você e você se dá a mim em total confiança. Eu lhe ajudo neste processo, você me ajuda, e ambos nos tornamos menos ásperos, mais felizes e melhores pelo esforço.

Continuamos a praticar polir o espelho e quebrar a pedra até que o espelho de nosso espírito seja um reflexo perfeito da verdadeira natureza, e a superfície da pedra esteja lisa como o espelho. Só então estamos em harmonia com nós mesmos e com o ambiente.

Então não se aborreça se a prática é dura e rápida, ou se é lenta e exata. Quando a prática parece errada e desconfortável, lembre-se que todos os tipos de treinamento têm uma razão de ser, e se pergunte qual é o verdadeiro valor deste treinamento.

Algumas pessoas que tem muita força física apenas quebram a pedra. Eles se esquecem de polir o espelho, ou não vêem utilidade nisso. Outros apenas dão polimento no espelho, e não consideram importante quebrar a pedra. Eu digo que se deve polir e quebrar com toda a sua energia. Depois você pode perder a capacidade física para quebrar ou a paciência espiritual para polir.

Se pessoas com problemas físicos chegam ao dojo, não pense que eles são menos hábeis que os outros alunos. Você pode descobrir que eles têm na verdade muita força e espírito.Eu tive alunos que não tinham membros e alunos com diversas doenças. Pela minha experiência, apesar deles poderem apenas aprender poucas técnicas, eles entendiam realmente o valor do que aprendiam. Eles compreendem o conceito de polir o espelho e quebrar a pedra, e sabem quando fazer cada uma destas coisas.

Um amigo meu que é professor de Karate tem um tornozelo artificial e pinos de aço no lugar de ossos da perna. Seu joelho tem cicatrizes da cirurgia. Quando o vejo na aula de Aikido sentado em seiza, eu sei que ele paga um preço muito mais alto que os outros alunos no tatame. Como muitos que encontramos no tatame de Aikido hoje, ele passou a juventude quebrando a pedra. Hoje, com humildade, usando a faixa branca, ele vem ao treino de Aikido para polir o espelho. Então eu aviso aos jovens leões que demonstram intolerância com os que não são tão ágeis ou atléticos: quando você pensar que está treinando com um parceiro ruim, você pode de fato ter um guerreiro na sua frente.

Professores: se vocês se interessam, aceitem o desafio de ensinar estas pessoas excepcionais. Pelo que eu entendo, O’Sensei desenvolveu o Aikido para todos, não apenas para que são fisicamente corretos.

Dento Iwama Ryu (Estilo tradicional de Iwama Style) Hitohiro Saito Jukucho

Instrutores presentes no Seminário do Rio se unindo para foto. Entre eles Walter Amorim, que foi um dos organizadores do evento no Rio de Janeiro.

Patrocinado e dirigido pela sede da Nippon Kan de Gaku Homma Kancho e pela AHAN-EUA

A sede da Nippon Kan AHAN patrocinou e dirigiu o primeiro seminário da série de seminários de Instrutores Internacionais da AHAN, 2005. Essa primeira excursão para a Cidade do México, no México e para o Rio de Janeiro, Brasil foi coordenada com Dojos anfitriões em ambos os países afiliados à AHAN. Proventos de ambos os seminários foram doados diretamente a instituições locais de ajuda humanitária selecionadas pelos dojos anfitriões em suas comunidades.
Para esses seminários, Dento Iwama Ryu no Shin Shin Aiki Shurin Kai Tanren Juku, Hitohiro Saito Jukucho foi o instrutor que se apresentou. O objetivo dessa série de eventos realizados pela AHAN é o de apresentar uma variedade de diferentes instrutores de alto-nível de diferentes organizações e formações. Homma Kancho viajou para acompanhar e coordenar esses eventos no México e no Brasil como é colocado nos relatórios que se seguem.

Seminário do México
7 a 11 de abril de 2005
Escrito por Gaku Homma
Nippon Kan Kancho

A AHAN México Aikido, Take Musu Aiki, dirigida por Fernando Roman Sensei e Rocio Aguero Sensei, www.mexicoaikido.com.mx receberam na Cidade do México o primeiro seminário da Série de Seminários realizados por instrutores Internacionais. Eu me encontrei com Hitohiro Jukucho no aeroporto de Houston onde ele havia acabado de chegar do Japão. Depois de tão longo vôo, eu fiquei um pouco surpreso que ele não mostrasse sinais de fatiga, apenas excitação enquanto nos dirigíamos ao avião para a Cidade do México.
A respeito de nossa chegada, nós fomos recebidos calorosamente por simpáticos anfitriões da AHAN México Aikido e fomos conduzidos à casa do Senhor José Alvarez que, gentilmente abriu sua casa para nós durante os dias que se seguiram.

Para Hitohiro Jukucho, esta viagem feita ao México e ao Brasil foi a realização de um sonho de seu pai, o falecido Morihiro Saito Shihan. Durante a sua vida, ensinando em Iwama, Morihiro Saito Shihan teve muitos uchideshi que foram estudar com ele vindos da América Central e América do Sul. Era o seu sonho poder algum dia visitar a terra natal desses estudantes; um sonho que nunca foi realizado antes de sua morte em 2002. A realização desse sonho se tornou uma missão de seu filho Hitohiro, que deveria cumprir os desejos de seu pai.

Durante a abertura das cerimônias no seminário do México, Saito Jukucho explicou a todos os alunos reunidos a respeito do sonho de seu pai e de sua missão. Saito Jukucho também pediu um momento de silêncio pelo falecimento de João Paulo II, em honra a sua liderança espiritual e ao seu ativismo pela paz ao redor do mundo. Nesse seminário compareceram estudantes de todo o México, praticantes de diferentes estilos e organizações.

A AHAN México Aikido, Take Musu Aiki na Cidade do México, se tornou independente do instrutor pioneiro Kurita Shihan em 1998. Em um tempo relativamente curto a AHAN México Aikido conseguiu uma base de 150 estudantes. Fernando Roman Sensei and Rocio Aguero Sensei têm mantido boas relações de trabalho com outros dojos menores em muitas partes do México, e muitos grupos participam dos eventos da AHAN realizados por eles.

A Fundação Michou y Mau Foundation, foi a instituição de caridade escolhida pela AHAN México Akido was the charity chosen by AHAN Mexico Aikido para receber os proventos levantados pelo seminário devido ao seu trabalho realizado com crianças vítimas de queimaduras severas. Representantes da Fundação estavam presentes nacerimônia de encerramento do seminário para receberem a doação de todos os estudantes. Eu e Hitohiro Jukucho and visitamos as instalações do escritório da Fundação Michou y Mau na Cidade do México no dia seguinte. www.fundacionmichouymau.org

Representantes da Fundação Micheo y Mau no seminário. A partir da direita Hitohiro Jukucho, Rocio Sensei, Sr. Izabal, criança do centro, Fernando Sensei, Homma Kancho.

Visita as instalações do centro.
Depois do seminário, nossos anfitriões da AHAN Mexico Aikido levaram Hitohiro Jukucho e companhia para verem as pirâmides fora da Cidade do México e outros monumentos históricos. Depois de aproveitarem o dia aprendendo a respeito da cultura e da História do México, era a hora de se preparar para a próxima longa viagem; Rio de Janeiro, Brasil…

Participando desse seminário também estava o Instrutor IISA (Instrutores em Apoio da AHAN), Vince Salvatore Sensei do Reno Aikido, www.renoaikido.org. Muito obrigado a Vince Salvatore Sensei por ter vindo auxiliar Hitohiro Jukucho em suas aulas.

Seminário no Brasil
12 a 18 de abril de 2005
Written by Gaku Homma
Nippon Kan Kancho

Instrutores presentes no Seminário do Rio se unindo para foto.

O seminário teve lugar nas instalações das Forças Armadas brasileiras no Forte do Leme, localizado próximo ao mundialmente famoso ponto turístico da praia de Copacabana no Rio de Janeiro. 150 Aikidoístas de nove países e trinta e três dojos de diferentes estilos e afiliações comparecerem a este evento pioneiro.

Durante a cerimônia de abertura, Hitohiro Jukucho pediu um momento de silêncio pela passagem do Papa João Paulo II, um líder para as pessoas do Brasil. Também presente à cerimônia de abertura estava Ichitami Shikanai Shihan que viajou por quatro horas de ônibus para comparecer à cerimônia. Shikanai Shihan é um estudante direto de Yasuo Kobayashi Shihan (Aikido Kobayashi Dojo, Japão), e tem estado no Brasil por muitos anos como um dos instrutores pioneiros de Aikido no Brasil. Como um honrado e respeitado instrutor de Aikido no Brasil, Shikanai Shihan foi reconhecido pelos participantes, durante o seminário, por suas décadas de esforço e realizações.

Pelo segundo seminário consecutivo, o Cônsul Geral do Japão no Rio de Janeiro, Sr. Toshio Ikeda separou um pouco do tempo de sua agenda lotada para proferir algumas palavras de boas-vindas na cerimônia de abertura do seminário do Rio de Janeiro. Durante os seus anos de estudo universitários no Japão, o Cônsul Geral Ikeda praticou Aikido, e participantes do seminário se espantaram em vê-lo praticando no tatame nas aulas que se seguiram depois da cerimônia. Todos mostraram respeito ao ver um homem de sua posição praticando voluntariamente com todos os presentes no seminário. Nós sinceramente agradecemos pelo Cônsul Geral Ikeda ter dispensado o seu tempo, e agradecemos por sua participação no evento.
Eu sinto que é importante reiterar que o propósito da Série de Instrutores Internacionais da AHAN 2005 é a de convidar instrutores de alto nível mundial, de diferentes estilos ou afiliações para se unirem com aikidoístas de todo o mundo em um espírito de amizade, comunicação e de serviço às nossas comunidades. Um dos objetivos dos organizadores da dessa série de eventos da Niippon Kan é o de escoltar e promover instrutores de qualidade e permitir a eles a chance de partilharem seu conhecimento com outros. O propósito da série não é o de promover um tipo ou estilo particular de Aikido. O propósito não é o de promover uma organização ou obter lucros do evento. Como sempre, os lucros desse evento foram doados para uma organização humanitária local, próxima ao dojo anfitrião. Dessa forma a reputação de nossa comunidade Aikidoísta como um todo se eleva, bem como se torna uma ótima oportunidade para que possamos nos comunicar sem barreiras e fronteiras. Esses e apenas esses são os objetivos e princípios dessa Série de Instrutores Internacionais 2005.


Esse seminário foi apresentado e realizado pela Nippon Kan Brasil que é um grupo de pequenos dojos instruídos por Luc Leoni Sensei. Luc Leoni Sensei também é o fundador da AHAN Rio de Janeiro, que ganhou status e notoriedade por seu envolvimento em muitos projetos humanitários, educacionais e ambientais na área do Rio de Jnaeiro. Devido ao envolvimento da AHAN Rio de Janeiro com a comunidade, havia uma presença forte da mídia no seminário de levantamento de fundos. A mais importante emissora televisiva brasileira, a Rede Globo e outros canais educacionais, incluindo a TV-E estiveram presentes no seminário junto com vários repórteres de revistas e jornais.

Na cerimônia de encerramento, os fundos levantados pelo seminário, foram doados pessoalmente por Hitohiro Jukucho a representantes dos orfanatos Obra do Berço e do Lar beneficente AMAR. Os fundos foram doados em forma de notas promissórias que serão trocadas durante o ano por suprimentos mensais de remédios, fraldas, produtos de papel, sopas instantâneas e outros itens de necessidade pelos membros do corpo da AHAN Rio de Janeiro. Dessa forma, os itens que estiverem em grande falta serão destinados diretamente às crianças mensalmente.

Hitohiro Jukucho e companhia visitaram o orfanato Obra do Berço onde ele encontrou tempo para passar com as crianças que moram ali.

Tradução: William Soares

Um tributo a Shigeru Kawabe Shihan

Um tributo a Shigeru Kawabe Shihan

Por Gaku Homma 22 de março de 2003

Tendo retornado, recentemente, de uma visita de doze dias ao Japão eu me sentei em minha escrivaninha repleta de cartas acumuladas durante a minha ausência. Com o sentimento de pesar eu me sentei para realizar a tarefa à mão. Meus pensamentos se dirigem para o meu último encontro com o Diretor da Aikikai, Shihan do Aiki Shuren de Akita, Shigeru Kawabe Sensei, apenas uma semana atrás. Eu conheci Shigeru Kawabe Sensei por mais de quarenta anos e ele também teve um papel muito importante na história da Nippon Kan. Ele nos visitou aqui em Dever em quatro ocasiões desde 1990, e eu e muitos de meus estudantes passamos algum tempo com ele em seu dojo em Akita, Japão. Poucos anos atrás, Kawabe Sensei foi diagnosticado com câncer, ironicamente na mesma época em que Morihiro Saito de Iwama, seu professor e amigo íntimo durante toda a sua vida. Morihiro Saito faleceu em maio de 2002 e agora Kawabe Sensei seguiu o seu caminho. Aguardando por sua jornada final, Kawabe Sensei retornou para casa do hospital no início de fevereiro deste ano. Os médicos disseram à família que não havia mais nada que pudesse ser feito. Eu visitei Kawabe Sensei no começo da tarde do dia 26 de fevereiro, onde eu o encontrei seqüestrado em sua própria cama. Ele estava deitado sem cobertas, levemente enrubescido pela febre embora o quarto tivesse resfriamento. Em sua face havia o olhar de um homem em profunda dor embora recusasse morfina para aliviar o seu sofrimento. Eu permaneci ao lado de sua cama e me ofereci para massagear suas pernas, como eu já havia feito, eu refleti, para o Fundador Morihei Ueshiba e para Morihiro Saito Shihan. Suas pernas já não tinham músculos, então, gentilmente massageei sua pele. Seu corpo estava tão leve e frágil que eu poderia levantá-lo com apenas uma mão. Nós falamos calmamente e eu lhe dei notícias de Denver. Sua mente ainda estava clara, mas era difícil ouvir o que ele dizia. Calmamente ele suspirava para sua esposa que podia entendê-lo como somente uma esposa de muitos anos pode. Ela retransmitiu sua mensagem repetindo, “ele diz para enviar suas lembranças para todos em Denver”. Uma lágrima se formou em seus olhos e ele desviou seu olhar do meu. Daquela posição ele levantou sua mão em um gesto de despedida. Ele estava dizendo sayonara. Era o adeus, a nossa última despedida.Não querendo mostrar as lágrimas que estavam agora se derramando em meu rosto, eu me virei para deixar o quarto. Sua esposa me acompanhou de perto, atrás de mim, e ofereceu o seu lenço. “Está tudo bem”, ela disse, “Ele fez o melhor que pôde para viver com dignidade. Seu corpo está cansado agora, e logo será a hora de ele retornar para o céu. Lá ele poderá descansar”. Ela disse isso com um triste, mas compreensível sorriso.Kawabe Sensei e sua esposa viajaram a última vez para os Estados Unidos e Canadá em outubro de 2002 a convite de seu estudante de longa data Mark Larson. Ele fez essa viagem contrariando os conselhos dos médicos, da família e, inclusive, o meu. Sua esposa, no entanto, sabia que não havia muito mais tempo e que aquela seria a sua última viagem ao exterior. Então eles foram juntos para completar uma última missão. A Universidade de Minnesota tem tido uma filial da Universidade de Akita nos últimos doze anos, e Kawabe Sensei teve por longo tempo o desejo de visitar e ensinar Aikido para seus estudantes em Minnesota. Ele também queria comparecer ao casamento de um de seus estudantes que agora vive no Canadá.Embora muito sobrecarregado, Kawabe Sensei completou sua missão e retornou ao Japão. Brevemente após o seu retorno ele deu entrada no hospital onde ele havia iniciado muitos dos últimos tratamentos enquanto o câncer estava tomando o controle.Sua condição era terminal, e um dia depois de ter acenado adeus para mim de sua cama, nas primeiras horas de do dia 28 de fevereiro de 2003, ele faleceu no início de seus 63 anos deidade. Como Morihiro Saito Shihan, Kawabe Sensei trabalhou quando jovem nas estradas de ferro japonesas, ele praticou judô quando jovem, mas não iniciou sua prática no Aikido antes deter por volta de trinta anos de idade. Ele começou sua prática de Aikido em Akita no Dojo de Asakura, Dojo no qual eu fui instrutor durante algum tempo. Ele era mais velho do que eu quando começou a praticar Aikido. Eu vou me lembrar para sempre de quando ele começou, com seus óculos pesados, corpo compacto e uma pegada que podia frear um trem. Ele treinava diligentemente e recebia instrução respeitosamente. Poucos anos depois eu o encontrei novamente ali, Kawabe Sensei pediu demissão voluntária das estradas de ferro do Japão e se voltou para o Aikido como uma ocupação de tempo integral.Meu treinamento me levou para fora de Akita e Kawabe Sensei começou a treinar com freqüência no Dojo de Iwama com Morihiro Saito Shihan. Ele empenhou um esforço tremendo através dos anos em seu treino, e na promoção do Aikido em Akita. Finalmente ele se tornou Shihan do Dojo de Aiki Shuren e diretor da Aikikai na filial de Akita. Daquele tempo até muito recentemente, de modo privado ou oficialmente, Kawabe Sensei me ajudou e à Nippon Kan com seu conselho e assistência. A cerimônia funerária de Kawabe Sensei aconteceu no dia 4 de março. Para a comunidade local era raro que tantos dignitários do mundo do Aikido comparecerem vindos de longe para um funeral, especialmente em condições de nevasca. O atual Doshu Moriteru Ueshibaestava presente vindo de Tokyo, bem como muitas outros instrutores de alto nível vindos de muitas partes do Japão. Na cerimônia sua esposa falou eloqüentemente a respeito de seu marido: “Para o meu marido sua grande satisfação estava na alegria de seus estudantes. Ele teve muitos estudantes e eles fizeram sua vida rica. Ele estava muito feliz por ter sido capaz de ir à Minnesota para abrir o novo dojo de um de seus estudantes e por comparecer ao casamento de outro. Esses foram momentos de orgulho que fizeram sua vida completa”.Existem muitos professores como Kawabe Sensei que agora já se foram. Eu penso como nós devemos receber o que nos foi dado por eles e cuidadosamente, corretamente passar isto adiante. Esta, eu acho, é a nossa responsabilidade, e também a melhor maneira de apreciar e agradecer àqueles que vieram antes de nós. Existem muitos que dedicaram muito de suas vidas, não apenas no Japão mas em todo o mundo, ao desenvolvimento do Aikido. Alguns nomes conhecemos facilmente, outros não. No entanto, todos os seus esforços foram importantes contribuições e merecem ser lembrados como parte da história e legado para futuras gerações. Depois de ter deixado Kawabe Sensei, eu peguei o trem para Tokyo. Naquele dia eu me encontrei com o Fundador e editor da Aiki News, Mr. Stan Pranin, que havia chegado apouco tempo no Japão vindo dos Estados Unidos, eu havia planejado visitar o quartel general da Aiki News em Tóquio e eu estava feliz por encontrá-lo ali. Mr. Pranin agora esta vivendo nos Estados Unidos e coordena, edita e gerencia o escritório da Aiki News via comunicação eletrônica. Para cobrir novos eventos do mundo do Aikido ou para realizar entrevistas, Mr. Pranin visita o Japão regularmente. Eu estava com sorte de que ele tivesse acabado de chegar. Eu estava ali para visitar a Aiki News e satisfazer minha própria curiosidade. Existe uma frase japonesa que diz “Hyakubun wa ikken ni shikazu” que quer dizer “É melhor ver com os próprios olhos do que ouvir centenas de histórias de outros”. Eu queria confirmar a minha opinião a respeito da Aiki News. Eu, obviamente queria conhecer Mr. Pranin, mas também o resto de seu grupo no Japão. Aiki News é publicado trimestralmente de um pequeno escritório em Tóquio. Esta revista com uma distribuição de aproximadamente 5.000 cópias por número é apenas um de vários projetos que são desenvolvidos ali. Aproximadamente cinqüenta livros de Aikido e outras artes marciais também são produzidos bem como numerosos vídeos. O que eu comecei a me dar conta, enquanto eu visitava seu escritório inundado de dados e informações, foi da importância do tra
balho que estava sendo feito ali. Eu pensei em Kawabe Sensei. Aiki News o havia entrevistado preservando, desta forma, sua vida e realizações para a posteridade.Sem esse tipo de documentação a vida de Kawabe Sensei seria relegada à memória de poucos, que seriam, em um tempo, enterradas junto com seus donos. O grupo da Aiki News,eu estava descobrindo, estava tendo um papel muito importante nessa documentação histórica. Muito poucos artistas marciais alcançaram um nível de “estrelato” a ponto de se terem livros escritos sobre suas vidas. Existem muito mais artistas, no entanto, que não se tornaram famosos, mas cujas vidas e contribuições são as mais importantes para a história. O grupo da Aiki News, eu estava aprendendo, estava trabalhando na meticulosa preservação dos eventos e da vida dos famosos… bem como da vida dos artistas marciais de nosso tempo que escolheram não serem famosos. Eles haviam realizado mais de 350entrevistas com instrutores de Aikido e outros artistas marciais de todo o Japão e no exterior. A comunidade das artes marciais no Japão encontra suas raízes fincadas há séculos atrás, e de muitas maneiras ainda está encharcada em antigas e, de alguma forma, arcaicas tradições. Muitas técnicas foram passadas de geração à geração sem serem gravadas, e ainda existe um ar de mistério e proteção em torno de muitas escolas de artes marciais. Fazer com que artistas marciais se abram para um “estranho” para documentação pública é um trabalho, no mínimo, complicado. Isto requer uma pessoa com talentos especiais e uma sinceridade especial no coração para ganhar confiança o suficiente para que se possa conquistar esse tipo de abertura. O termo Japonês para as técnicas secretas de um artista marcial é hiden ou okuden. Com o talento especial do grupo da Aiki News, muitos segredos do passado de nosso Aikido vieram à luz e foram gravados para que pudéssemos aprender. Muitos fatos que foram escondidos nas sombras ou que foram encobertos pelo mito tem sido revelados. Eu imagino que muitas pessoas não ficaram felizes com o fato de que antigos segredos tenham vindo à tona, enquanto outros talvez tenham ficado enciumados ou se sentido ameaçados. Eu ouvi rumores de que a Aiki News apenas “utiliza a história com fim de ganho monetário”. O que deve ser visto como um pensamento superficial. Os serviços prestados pela Aiki News são inestimáveis para nós, e o seu sucesso é um testemunho conveniente da necessidade que o mundo tem desse tipo de informação.Aqueles que cancelam e escondem seu passado (ou o presente da mesma forma) recusando-se a serem entrevistados não fazem nada pelo futuro das artes marciais no Japão. Aqueles que realmente acreditam no que estão fazendo são mais bem servidos ao se abrirem a respeito de suas atividades. Aiki News começou em in 1974 com oito páginas e tipos impressos à mão. Desde então,Mr. Pranin, com a ajuda de Ms. Ikuko Kimura e outros membros dedicados de seu grupo,transformou suas oito páginas em um império com mais de 10.000 assinaturas e uma página na Internet que é visitada entre 3.000 a 5.000 vezes por dia. A Aiki News se tornou o mais amplo recurso de informação sobre o aikido e sobre outras artes marciais no mundo hoje. Um número inacreditável de informações sobre a história de nosso Aikido e sobre história e cultura Japonesas foram resgatadas e organizadas para as futuras gerações. Enquanto eu caminhava pelo escritório da Aiki News eu me senti como se eu estivesse em uma Grande Estação Central de Aikido. As salas, embora estivessem cheias de pilhas de livros e abarrotadas de papéis de pesquisa, estavam organizadas em seções de produção,edição, negócios, distribuição e administração. O escritório estava vivo, com energia e o grupo trabalhava diligentemente em diferentes projetos. Eu ouvi dizer recentemente que existem atualmente 150.000 membros da Aikikai ao redor do mundo. Se você acrescentar a este cenário um inimaginável número de praticantes de aikido que não são membros da Aikikai, o número de aikidoístas no mundo hoje é assustador. Enquanto eu olhava ao meu redor eu pude perceber que aquele era o grupo capaz de organizar esta quantidade de história em sua constante progressão. Eu fico feliz porque a vida dos Shirans de nosso tempo encontrarão um lugar no registro da história para as futuras gerações. Eu fiquei muito impressionado com o que eu encontrei no escritório da Aiki News no Japão e eu desejo que Mr. Pranin, Ms. Kimura e o seu grupo continuem tendo sucesso nos seus empreendimentos, bem como nossos historiadores do aikido. Eu não tenho conhecimento de ninguém que seja mais diligente e esmerado em registrar a história de nossa arte marcial no mundo, e eu acredito que a Aiki News tenha produzido o mais completo e amplo arquivo de história das artes marciais disponível para nós hoje.Voltando para a pilha de correspondência em cima de minha escrivaninha, eu abri um envelope para descobrir uma foto. Era uma foto de um jovem casal se beijando em uma cerimônia de casamento. Decididamente eu sou um pouco antiquado, a fotografia parecia pouco tradicional para mim. A noiva estava vestida com roupa de couro preta e branca e exibia um chapéu maravilhoso. O casamento se deu em um pavilhão de borboletas entre borboletas e outras criaturas da noite. A marcha nupcial era o tema (do filme) Star Wars(Guerra nas Estrelas)… O noivo era Spencer Everroad, um dos meus uchideshi de quem tenho mais orgulho, e foi uma honra providenciar um buffet de meu restaurante para a recepção de seu casamento.A primeira vez que encontrei Spencer foi há dez anos atrás na primeira fila de uma nova classe de iniciantes no antigo dojo da Nippon Kan. Eu estava explicando exercícios de aikido quando Spencer, que costumava estar sempre pálido naqueles dias, ficou branco como um fantasma. Ele então, para minha surpresa, caiu batendo o rosto no tatame. Eu fui tomar conhecimento então que Spencer, que freqüentava a faculdade por tempo integral e passava as noites trabalhando para se manter e aos seus estudos, tinha usado o dinheiro de sua comida para pagar suas classes iniciais de Aikido! Foi um começo interessante! Depois desse começo dramático, Spencer se tornou um uchideshi da Nippon Kan enquanto ele trabalhava para terminar a faculdade. Ele trabalhava duro e era dedicado e se lidou heroicamente com as severas condições de uma vida de uchideshi. Eu o assisti crescer neste período de sua vida, e o vi realizar muitos de seus sonhos. E fico feliz quando ele vem ao dojo e sempre diz, “Eu estou em casa”. Eu acredito que agora estarei esperando que ele me traga fotos de suas crianças. Eu penso no que a esposa de Kawabe Sensei disse a seu respeito, de sua maior alegria ser a alegria de seus estudantes. Não apenas Spencer, muitos outros estudantes me trouxeram muita alegria. Muitos dos uchideshi que se graduaram com sucesso pela Nippon Kan estão longe, dessa forma eu não tenho a oportunidade de vê-los regularmente. É sempre um prazer receber cartões ou um telefonema no Natal ou no Ano Novo ou ainda uma visita surpresa. É como ver as crianças chegando em casa depois da escola.Retornando para pilha sobre minha escrivaninha, um jornal local chama minha atenção. Na capa estava um de nossos instrutores iniciantes Andy Bogart praticando Aikido no parque com outro estudante da Nippon Kan. Uau! Eu exclamei quando eu vi aquilo. Aconteceu de ele estar no escritório na hora e olhou para mim envergonhado enquanto eu lia a reportagem. “Desculpe-me pela foto Sensei”, ele começou. Eu apenas ri e com um sorriso eu lhe disse: “Não existe nada a ser desculpado, não se preocupe. Não existe nada de errado em se praticar ao ar livre em uma tarde de sábado agradável”. Enquanto eu olhava a fotografia retornei aos meus primeiros dias em Denver. Naqueles dias iniciais, antes de 1978, eu não tinha o meu próprio dojo para praticar. Eu estava ensinando na ACM local durante as noites dos dias de semana, e todos os sábados de manhã, durante o verão, eu e meus estudantes nos encontrávamos
no parque para praticarmos juntos. Depois da prática, nós íamos para minha casa e preparávamos um bom café da manhã juntos. Velhos tempos… eu pensei. Enquanto alguns dos estudantes daquele tempo ainda permanecem praticando na Nippon Kan, muitos agora têm suas próprias famílias e muitas responsabilidades para passarem o sábado praticando Aikido no parque. Aqueles dias de prática agora são apenas boas lembranças para a maioria.Ver uma das próximas gerações de líderes da Nippon Kan praticando no parque me fez sentir, por um lado, que realmente eu estou envelhecendo, mas por outro lado feliz por vermos eventos se completarem como um círculo. Eu estou orgulhoso dessa nossa próxima geração. Nippon Kan cresceu nas últimas décadas, e possui muitos membros. O tamanho e o espectro de suas atividades se também mudou (Veja AHAN para mais informações).Infelizmente, hoje seria muito difícil levar todos mundo comigo para casa e preparar café da manhã depois da aula! Ver jovens líderes da Nippon Kan tomando iniciativa e cuidando de novos estudantes realmente enche o meu coração. O que eu encontrei hoje em minha mesa essa manhã, o cartão de Spencer, e o recorte de jornal da aula no parque, leva embora algumas tristezas que eu sentia depois de minha chegada do Japão. Essas recordações me fizeram refletir sobre a vida na Nippon Kan. Hoje existem aproximadamente 250 estudantes na Nippon Kan e cerca de 10.000estudantes já passaram pelas classes de iniciantes da Nippon Kan na última década. Eu testemunhei muitos marcos na vida de meus estudantes. Eu vi graduações, casamentos,divórcios, nascimentos, doenças, contratações, demissões e mortes. Eu experimentei todas as preocupações e emoções advindas dessas experiências. Eu testemunhei atos de ternura,traições, ciúmes, generosidade e lealdade – todas as experiências que se pode ter vivendo em nosso mundo hoje. Todas me ajudaram a crescer enquanto a Nippon Kan crescia ao longo do caminho. Agora minha posição mudou. Eu não tenho mais a possibilidade de ministrar aulas no parque. O navio que eu piloto é muito maior agora do que foi um dia. Tenho que ter a visão de uma perspectiva mais ampla de modo a orientar a Nippon Kan em direção ao futuro. Para fazer isso eu preciso muitas vezes sacrificar meus sentimentos pessoais e agir além deles. Essa é uma posição na qual pode tornar-se isolado. Olhando para a foto de Andy no jornal praticando no parque me lembro dos tempos em que minha vida era mais simples e mais fácil em alguns aspectos, tendo muito mais privacidade, tempo pessoal e contato com meus estudantes. Faz-me rir pensar que muitos de meus estudantes agora não têm consciência dos dias iniciais da Nippon Kan e das lutas e de todo o processo que atravessamos. Existem alguns estudantes que, eu tenho certeza, acreditam que eu cheguei aqui do Japão com um dojo de 10.000 pés e centenas de estudantes empacotados em minha bagagem. Em todo o caso esta simples foto traz de volta o círculo completo de eventos da vida. Nos últimos anos, parece que muitos Shihans de alto nível japoneses têm falecido. Assim como Kawabe Sensei, eu tenho testemunhado outros Shihans que também receberam uma grande dose de alegria provinda da alegria de seus estudantes. Nossos professores nos ensinam a sermos fortes. Eles nos mostraram através do exemplo como sermos fortes em corpo, e como sermos forte em mente. Eles, obviamente, não nos ensinam verbalmente sobre a morte. Especialmente quando eles são fortes, as lições que nos ensinam são lições sobre a vida. Essas eram as melhores lições. Eu acreditava nisso até agora. O que eu estou agora começando a me dar conta é que a melhor e a última lição dos professores que eu conheci é uma lição que não é ensinada com palavras, embora seja amais poderosa de todas. A morte de um Shihan é a sua última lição e o seu último presente.Este é um presente que é amargo de ser recebido embora nos ensine muito sobre a apreciação dos outros e internamente nos dê direção sobre nossas vidas. Esta é uma lição deixada para que cada um de nós pondere e cresça individualmente. Na prática de artes marciais nós somos ensinados a sermos fortes. Onde, então, a morte se encaixa nessa força? Como isso pode ser parte da vida que esses líderes deixaram? O quê,finalmente, eles compreenderam de suas próprias vidas, prática e morte? Essas são questões que fazem parte de nosso estudo, nossa prática e das últimas lições de um Shihan. Eu espero ser capaz de entender essas últimas lições e ser capaz de seguir em seu espírito coma alegria de meus estudantes. “Se todo mundo que pratica meu Aikido é feliz, então eu, também, sou feliz”. Morihiro Saito Shihan 1927-2002 “Eu desejo e espero que praticando Aikido, meus estudantes sejam felizes. Até que eu não esteja mais presente eu tentarei ajudar meus estudantes a alcançarem a felicidade”.

Shigeru Kawabe Shihan 1940-2003

Shigeru Kawabe Sensei que tivemos a honra de conhecer em seminário conjunto dele com Isoyama Sensei em 2000.
Shigeru Kawabe Sensei que tivemos a honra de conhecer em seminário conjunto dele com Isoyama Sensei em 2000.

Original por Gaku Homma Sensei

(Tradução: William Soares)

Original no site nippon kan

Entrevista com Morihiro Saito Sensei

Por Gaku Homma

* * * Parece que a cada evento importante de minha vida, Saito Sensei estava presente. Ele estava em Iwama nos anos em que eu fui uchideshi do Fundador, Morihei Ueshiba. Seis anos depois da morte do Fundador, Saito Sensei veio, ao meu convite, para uma demonstração de Aikido no clube da base da Força Aérea de Misawa, onde eu estava ensinando – uma demonstração que me conduziu à oportunidade de vir aos Estados Unidos pela primeira vez. Agora, 20 anos depois, em Outubro de 1995, eu tive a oportunidade de convidar Saito Sensei para ministrar aulas na Nippon Kan Aikido em Denver, Colorado. Parece que foi em um piscar de olhos — o tempo passou muito rápido. Eu me lembro das experiências do passado como se elas tivessem acontecido ontem. Eu tenho 45 anos agora e Saito Sensei tem 67. Conforme o tempo passa e envelhecemos, eu acho que o nosso temperamento e valores mudam, nos tornamos mais tolerantes e geralmente mais predispostos à aceitação. Durante nosso seminário, enquanto eu cuidava de Saito Sensei e o observava ensinar, eu claramente me dei conta de como o tempo tinha passado, e quantas lembranças eu tinha. Quando Saito Sensei ensinava, eu nunca o ouvi falar sobre poderes universais, Deus, aura, paz ou ki, e eu nunca ouvi fazer nenhuma outra referência cósmica. No entanto, em cada um de seus movimentos, o seu corpo demonstrava o sentimento que essas palavras lutam para tentar captar. Este poder de tocar o coração das pessoas através da eloqüência de seus movimentos é o que o separa de outros. A sua técnica física e a sua filosofia são simples e firmemente plantadas no chão. Quem ele é e o que ensina é baseado no realismo, não em conceitos ilusórios que podem enganar ou confundir. Enquanto eu entrevistava Saito Sensei, eu não pude evitar sentir que eu estava ouvindo um pai atravessando os anos, passando a sabedoria de sua experiência para futuras gerações. * * *

Gaku Homma Sensei: Saito Shihan, você é muito saudável. Qual é o segredo de sua boa saúde?

Morihiro Saito Sensei: Agora eu tenho 67 anos de idade. No Japão isso me torna apto a me juntar às atividades de grupos de cidadãos seniores. Eu recebo muitos folders e convites para me unir às atividades de cidadãos seniores da cidade de Iwama. Eu, no entanto, não me sinto preparado para isso. Qual o segredo da minha saúde? Eu não como muita carne ou comidas gordurosas. Eu como comidas ricas em fibras. Sair para excursionar ministrando seminários é uma boa oportunidade para eu perder um pouco de peso. Eu geralmente não como muito quando estou viajando. Denver tem sido uma exceção, no entanto. Comer as refeições que Homma-kun tem preparado para mim tem estimulado o meu apetite. [“Kun” é um sufixo indicador de familiaridade.] Se eu tivesse um segredo para a boa saúde, este seria manter-se ocupado. Eu tento criar para mim mesmo uma situação na qual eu me mantenha muito ocupado, me mantendo todos os dias cheio de atividades positivas. O meu lema diário é o de que, a cada passou que eu dou, deve haver uma outra tarefa esperando para ser completada. No mesmo dia em que tiver retornado desta viagem aos E. U., eu viajarei para o nordeste de Honshu para dirigir uma demonstração na Convenção de Aikido da Região de Tohoku.

Gaku Homma Sensei: Durante o tempo que eu vivi no dojo do santuário Aiki em Iwama, todos chamavam você de o “Mou-chan” De Iwama [“Mou” é uma abreviação para Morihiro, e “chan” é um termo utilizado para demonstrar carinho.] ou “o Napoleão de Iwama”. Como você conseguiu estes nomes?

Morihiro Saito Sensei: Desde a época em que me tornei um uchi deshi no Dojo de Iwama até a morte do Fundador, eu era um jovem muito ocupado. Durante o período em que era um uchi dechi, eu também trabalhava para a [companhia] Estrada de Ferro Japão. O único tempo que eu tinha para mim mesmo era no percurso do dojo para a linha de ferro e na volta. Fora isso, eu não tinha um tempo pessoal. Minha vida consistia em trabalhar e praticar. Eu não tinha tempo para ouvir música ou para seguir os últimos modismos ou esportes como os outros rapazes de minha idade. Às vezes eu trabalhava no turno noturno na estrada de ferro, então meus dias e noites se confundiam. Se eu precisasse de um tempo extra para realizar uma tarefa pessoal – como consertar meu uniforme – eu teria que encurtar as minhas horas de sono. As pessoas da minha cidade costumavam dizer: “Napoleão só precisava de três horas de sono em seu cavalo. O Mou-chou de Iwama, dormindo em suas roupas, só precisa de 30 minutos antes que ele possa estar preparado para trabalhar novamente”. Posteriormente o nome “Napoleão” pegou e se tornou meu apelido. Meu corpo não se esqueceu daqueles dias – eu ainda sou ocupado! O apelido “Mou-chan” também me traz recordações. Eu não fiz nada para que isso acontecesse, mas por alguma razão as pessoas na cidade de Iwama e das áreas ao redor tinham medo desse nome. Todos conheciam esse nome, que era carregado de estigma. Se qualquer Yakuza da vizinhança ou garotos da localidade tentassem arrumar confusão em Iwama, a menção do nome “o Mou-chan de Iwama” geralmente fazia com que eles desistissem. Isso era de uma grande surpresa para mim! Um dia, pouco tempo antes da realização do festival, os rapazes locais entraram em uma disputa contra um grupo rival de uma cidade vizinha. Parecia que este grupo rival queria tomar conta dos espaços de venda do festival, e eles pensaram que essa poderia ser uma boa chance de invadir o território de Iwama. Eles juntaram o seu grupo e entraram em Iwama com o Yakuza na liderança. Um dos rapazes de Iwama me encontrou por acaso e me pediu ajuda para expulsar os seus rivais. De início eu recusei, não querendo me envolver em suas lutas pessoais. Mas, sendo jovem e não conhecendo o significado do medo, eu finalmente concordei em ajudá-los. Calçando botas de couro para proteger meus pés e uma jaqueta de couro pesada para me proteger de um ataque de facas, eu me preparei para dar uma mão. Eu fiquei surpreso quando cheguei à cena. Eu não tinha idéia de quantas pessoas haviam se juntado nas ruas, preparadas para lutar! Não sabendo o que fazer eu entrei diretamente entre os dois grupos e falei: “brigar no dia de um festival sagrado não é bom”. O chefe rival deu um passo em minha direção e me perguntou: “Hei você, rapaz – quem é você?” “eu sou Saito”, respondi, mas isso não teve muito efeito. Então alguém de Iwama gritou: “ele é o Mou-chan de Iwama!” Com aquilo o líder rival se ajoelhou com as suas mãos prostradas no chão, com a cabeça abaixada ele se desculpou. Eu disse aos rapazes de Iwama que tinham começado a briga para se desculparem também. Então eu agarrei os líderes de ambos os grupos e os levei até um bar de saquê local. Me dirigindo aos rapazes de Iwama, eu disse bem firme: “qualquer um que começa uma briga está errado e precisa remediar a situação servindo saquê àqueles que feriram. Consertem essa situação agora!” E com isso eu saí. A maioria das pessoas da cidade conheciam o meu apelido mas não o meu rosto, já que eu estava muito ocupado trabalhando todo o tempo. Porque eu praticava Aikido, a minha reputação parecia crescer junto com este. Eu geralmente era chamado para resolver disputas menores, mesmo antes da polícia ser chamada. Eu ainda não tenho certeza se a minha reputação era boa ou ruim. [Sorri] Obviamente, eu não tenho mais uma reputação daquele tipo. Aqueles dias eram muito diferentes dos de hoje. Era uma época mais inocente – especialmente na parte rural.

Gaku Homma Sensei: Me parece que você ainda é o Napoleão de Iwama. Na tournée deste seminário, em um período de duas semanas, você viajou do Japão para os US, ensinou tanto na costa leste quanto na oeste, e em seguida veio para Denver sem nenhum intervalo de descanso. Me parece uma agenda estafante. Da maneira que você vê, o que faz a vida valer à pena?

Morihiro Saito Sensei: O que me faz mais feliz é ensinar aquilo o que herdei do Fundador. Eu me sinto muito preenchido ao visitar meus estudantes em todo o m
undo, sendo capaz de ficar em suas casas, ensinando e praticando junto com eles. Quando eu estou em casa, em Iwama, se há um pouco de tempo livre, eu gosto de passar um pouco de tempo no Aiki no Ie [Aiki chalé] sentado ao redor do irori [lareira sunken] com velhos amigos, comendo e bebendo juntos. Em um dia como este, eu gosto de fazer a maior parte da comida. Eu não sou muito exigente com a comida, mas sou exigente quando estou cozinhando. Por exemplo, eu gosto de preparar meu próprio tempero com pimentas que eu plantei em meu jardim. Eu tenho uma maneira especial de preparar as pimentas com óleo de gergelim. Tem que ser justamente assim. Eu também gosto de fazer o meu próprio udon [espaguete de farinha de trigo] e soba [trigo-sarraceno]. Eu gosto de secar e moer o grão, preparar a massa e cortar eu mesmo o espaguete. Meu filho Hitohiro dirige o seu próprio restaurante de soba, então eu tenho fonte fresca e orgânica de trigosarraceno. Eu não gosto de me gabar, mas eu acho que o meu espaguete tem uma reputação muito boa. Eu também gosto de ir ao hinoki buro [casa de banho de ciprestes] para relaxar. Eu não posso descrever o quão boa é a sensação. Eu já sou avô; eu tenho treze netos. E mais, eu acredito que para pessoas que possuam os seus próprios dojos, não existe aposentadoria. É o meu destino continuar. Eu sinto que é a minha obrigação ensinar o Aikido do Fundador para o maior número possível de estudantes. Quando eu morrer, uma ligação direta com a sua técnica irá desaparecer. Me foi dada a benção de 23 anos de experiência com o Fundador… O que eu aprendi, eu aprendi com ele, e o que eu aprendi eu me sinto compelido a ensinar. Outros shihans têm liberdade, mas eu não. Existem shihans espalhados por todo o Japão e por todo o mundo que, em um determinado momento, se juntaram ao Fundador para praticar. O Fundador entendeu a essência do Aikido e ele a carregava na palma de sua mão. Aqueles que se juntaram brevemente aos seus pés nunca foram capazes de realmente ter a benção que o Fundador tinha em suas mãos – então eles deixavam. Iwama é para os aikidoístas o que, por exemplo, Meca é para os mulçumanos, ou que o Vaticano é para os católicos. Metaforicamente, Iwama é um farol, e é a minha obrigação manter a sua luz acesa e brilhante. Para outros shihans, o farol simboliza as grandes realizações do Fundador. Eles utilizam essa luz para iluminar o seu caminho enquanto eles navegam livres em embarcações que eles próprios construíram. Enquanto essa luz continuar a brilhar de Iwama, as raízes do Aikido continuarão existindo. Eu acredito que é muito importante não se esquecer deste ponto. Eu me juntei ao dojo de Iwama em 1946. Até a sua morte, eu permanece com o Fundador durante 23 anos, todos os dias. Desde sua morte eu tenho permanecido em Iwama, embora eu tenha a posição de shihan no Hombu Dojo da Aikikai. Todos os dias eu tenho me dedicado em manter a luz acesa e brilhando no farol deixado pelo Fundador. Eu tenho ouvido que alguns aikidoístas distinguem entre os estilo de técnicas de Iwama do “Aikido mais moderno”, chamando o estilo de Iwama de tradicional e até mesmo de ultrapassado. Em minha opinião isso é um erro. Eu acredito que se negarmos as origens de nossa própria prática, nós negamos a sua validade. Quando as pessoas dizem que o estilo de Iwama é ultrapassado, elas me fazem lembrar de pessoas cortando um galho de uma árvore enquanto estão sentadas na ponta desse mesmo galho. Eu nunca diria que o estilo de Aikido de Iwama é a única forma válida de Aikido. Cada instrutor possui o seu caráter individual que é construído através de seu ambiente e arcabouço cultural. É natural que diferentes estilos e diferentes organizações tenham se desenvolvido. Viajar pelo mundo me ajudou a compreender isso, conforme eu ia entrando em contato com muitas pessoas diferentes, lugares e culturas. Eu acho que é bom que estudantes aprendam com muitos instrutores diferentes e pratiquem em dojos diferentes. No entanto, eu também acredito que é de vital importância praticar as técnicas fundamentais do Aikido. Nós não podemos esquecer a fonte de nossa prática. Na vida das pessoas, geralmente chega um momento no qual elas passam a refletir suas próprias raízes e herança. Eu acho que é importante para cada um de nós incluir um estudo das técnicas do Fundador enquanto nós viajamos em nossa própria jornada de Aikido. A nossa ligação mais próxima com a fonte é o Fundador, Morihei Ueshiba, e a ligação mais próxima com ele é o Dojo de Iwama. É importante para a comunidade do Aikido que mais pessoas se dêem conta de que as raízes de nossa prática estão ligadas ao Fundador. É importante repassar as grande realizações e conquistas do Fundador corretamente – ainda que isso seja passado para uma pessoa de cada vez. Por essa razão, eu mantenho a luz no farol de Iwama acesa e brilhante em Iwama. É por isso que eu não tenho liberdade. Ao invés de liberdade, eu tenho meu destino – e eu aprecio isto. Manter o dojo do Fundador vivo e bem é o que az a minha vida valer à pena ser vivida. Gaku Homma Sensei: Eu sei que isso foi há muito tempo atrás, mas você poderia nos dizer como era a vida quando você era um uchi deshi no dojo de Iwama? Eu entrei no Dojo de Iwama em 1946. Isso foi logo depois que o Japão perdeu a guerra, e não havia muitos recursos disponíveis; era uma época muito pobre. Nascido e criado na cidade de Iwama, eu entrei no dojo quando eu tinha 18 anos de idade. Não muito depois disso, alguns dos uchi deshi do Fundador do Hombu Dojo, vieram para Iwama. Gozo Shioda [O fundador do Yoshinkan Aikido] se mudou com sua família de seis (o que me causou um pouco de surpresa). Eles ficaram por aproximadamente dois anos. Koichi Tohei [fundador do Ki Aikido] também veio aproximadamente na mesma época, depois de ser dispensado do serviço militar. Eu me lembro na época de me ficar perguntando se havia sido a guerra que o tornara rijo e forte. Ele deixou o dojo quando se casou. E havia outros dois estudantes que haviam se tornado uchi dechi na mesma época que eu. Um se tornou um diretor de educação regional e o outro agora é um membro da Diet. Eu sou o único que foi deixado em Iwama! [Sorri] É difícil imaginar como Iwama se parecia naquele tempo. Onde hoje você vê casas, havia hectares de florestas selvagens. Nenhuma das ruas eram pavimentadas, e quando chovia algumas delas se transformavam em lama até os calcanhares. Nós calçávamos geta [sandálias de madeira] com um pedaço de madeira que se estendia da base, do contrário a lama ficaria alojada entre as tiras de madeira das duas tiras de madeira da geta normal, fazendo com que ficassem muito pesadas. As getas de uma única tira de madeira eram melhores para se andar na lama – e na terra seca elas eram úteis para desenvolver equilíbrio e coordenação! Nós usávamos muito pouca eletricidade, especialmente nas áreas ao redor do dojo. À noite era tão escuro que alguém poderia vir em sua direção, beliscar o seu nariz e você ainda não ser capaz de ver quem foi! O Fundador era um membro proeminente da comunidade, e ele tinha a distinção de ter a única eletricidade da área. O contraste entre a área ao redor e as luzes brilhantes do dojo à noite, fazia o lugar parecer mágico. Depois, quando a minha casa foi construída, nós também puxamos fios elétricos da casa do Fundador para a minha. Na época aquilo era considerado um luxo. As pessoas da cidade consideravam que os freqüentadores do dojo de Ueshiba-san eram um pouco diferente. Por exemplo, o modo como nós, uchi deshi nos vestíamos causava mais do que alguns poucos olhares alarmados enquanto andávamos pela cidade. Nós vestíamos keiko gi (esfarrapado e remendado na gola), hakama desbotado (muito mais curto do que os de hoje, na altura do tornozelo), e haori (parte de cima do keiko gi mais curta) decorada com estampa batik. Nós carregávamos jos de ferro para fortalecer nossos braços, balançando-os e arrastando-os ruidosamente atrás de nós conforme andávamos. Era sabido que as pessoas da cidade não deixariam que seus filhos fossem à casa de Ueshiba-san de maneira alguma. Como ameaça, os pais advertiam seus filhos desobedientes que, se eles não se comportassem, eles seriam mandados para o Ueshiba-san [Sorri]. Eles costumavam nos chamar de ban kara [um grupo bruto, difícil de ser encarado]. Tendo ouvido as fofocas da cidade o Fundador nos advertiu com um sorriso para que não assustássemos muito as pessoas da cidade. Poucos anos depois do fim da guerra, a vida começou a retornar ao normal. O país ainda estava em transição, e havia muitas pessoas sem trabalho. Muitas se juntavam ao Iwama dojo buscando por uma nova chance na vida. Embora nós tivéssemos um jardim no dojo, logo havia mais bocas para serem alimentadas do que podíamos suportar. O Fundador colocou os novos uchi deshi para trabalhar limpando os campos ao redor para que eles pudessem plantar. Os campos eram cobertos com densas alamedas de bambu, cujas redes de raízes emaranhadas tornavam a tarefa imensamente difícil. Alguns dos novos recrutas decidiram que aquele trabalho era muito duro, se reuniram e desapareceram durante a noite. O trabalho era duro para mim também. Mas mesmo se eu quisesse fugir eu não teria lugar para ir já que eu havia nascido e crescido em Iwama. E, de fato, eu não fugi! [Sorri]. Depois do incidente da limpeza dos campos, o Fundador evitava pedir às pessoas que fizessem tarefas que fossem muito difíceis. A área do dojo onde hoje nós praticamos bokken e jo é onde o Fundador e sua esposa tinham seu jardim particular. Outros campos vastos eram plantados com batatas, amendoins e arroz. Hoje eu tenho um pequeno jardim do qual cuido como passatempo. Apenas poucos uchi deshi selecionados são permitidos trabalharem no jardim. Na verdade, a maioria dos uchi deshi são especificamente advertidos para que não trabalhem no jardim. Quando eles trabalham, é preciso mais trabalho para consertar o que eles fizeram. [Sorri] Os últimos uchi deshi que trabalhavam no jardim foram você, Homma-kun e a empregada do Fundador, Kikuno-san. Eu me lembro de você com um feixe de vegetais alçado às suas costas enquanto você saía para acompanhar o Fundador ao Hombu Dojo como seu otomo [assistente]. Depois da morte do Fundador não houve outros uchi deshi que trabalhassem especificamente nos jardins. Gaku Homma Sensei: Eu também me lembro, naquela época eu tinha apenas dezessete anos de idade. Aqueles dias eram difíceis. Depois que o Fundador terminava a sua cerimônia matutina diária, eu costumava acompanhá-lo ao jardim para colher vegetais para serem utilizados nas refeições do dia ou, quando se tinha tempo extra, levá-los para o Hombu Dojo em Tóquio. Falando em Hombu Dojo – eu tenho lido muitos artigos e livros sobre história do Aikido escritos por uchi deshis do Hombu [Dojo], mas, quando eu acompanhava o Fundador à Tóquio, não havia uchi deshis vivendo no Hombu Dojo. Você pode esclarecer isso? Morihiro Saito Sensei: No final da guerra, havia muitos uchi deshi vivendo no Hombu Dojo. A maioria dessas pessoas são muito velhas ou já faleceram. Depois que a guerra acabou, o Fundador viveu mais em Iwama, indo à Tóquio apenas para eventos ou cerimônias especiais… Da última geração de estudantes a estudar diretamente com o Fundador, muitos que dizem que eram seus uchi deshis eram, na verdade, shindoin [intrutor assistente] de 2o ou 3o dan no Hombu Dojo. Muitos recebiam o equivalente a aproximadamente duzentos dólares por mês de salário, moravam em apartamentos baratos próximos ao dojo, e vinham ao dojo somente para a prática. Esses kayoi deshi [estudantes que moram fora do dojo] não cuidavam do Fundador. Exceto quando o estavam ajudando como uke, os kayoi deshi não tinham a permissão de se aproximarem dele. O Fundador exigia muito respeito. Muitos agora dizem que eram próximos ao Fundador, mas isso não é realmente o caso. Mais tarde na vida do Fundador, um pouco antes de falecer, mesmo os shihans de alto nível só tinham a permissão de lhe cumprimentarem; eles não estavam na posição nem mesmo de iniciar uma conversa com ele. O Fundador não queria ter muitas pessoas próximas a ele, e havia realmente poucas pessoas que cuidavam dele.

Gaku Homma Sensei: Ao falar daqueles que cuidavam do Fundador, em sua vida privada, não podemos esquecer de sua esposa [de Morihiro Saito sensei]. Você poderia dizer nos um pouco a seu respeito?

Morihiro Saito Sensei: Em 1951, o Fundador limpou a terra onde hoje fica a minha casa. Nós construímos a casa juntos. No quintal há um castanheiro que o Fundador plantou. Uma vez que eu era um uchi deshi era entendido que eu deveria auxiliar o Fundador. Minha baba [apelido para mulher ou avó] não era uma estudante do Fundador e, desta forma, ela não tinha as obrigações que eu tinha. Mas ela trabalhava até mais duro do que eu para cuidar do Fundador e de sua esposa. Eu ia para o trabalho todos os dias e deste modo, eu não estava sempre no dojo. Minha baba trabalhou 24 horas por dia durante 18 anos cuidando deles. Ela cuidava tão bem deles que, se por alguma razão ela não pudesse estar, a esposa do Fundador, Hatsu, teria problemas para saber onde estavam as coisas. Uma vez Hatsu ficou doente e tinha dificuldade para falar. Minha baba entendia o que ela estava tentando dizer apenas através do movimento de sua boca. Foi muito o tempo em que ela passou com eles. Eu tenho recebido promoções e reconhecimento de realizações por parte do Hombu Dojo, mas a minha baba é a pessoa que mais merece o crédito quando se trata do cuidado com o Fundador e a sua esposa. Apenas a minha aba tinha a permissão de falar com o Fundador diretamente, lhe dando conselhos e oferecendo as suas opiniões. Além de cuidar do Fundador, ela também cuidou de nossa família e inúmeros uchi deshi ao longo dos anos. Eu sou muito grato à minha esposa.

Gaku Homma Sensei: Eu me lembro muito bem de sua esposa. Ela sempre sabia quando aparecer com uma tigela grande de arroz cheia até a borda. E como você acaba de dizer, se o Fundador estava zangado e sua esposa aparecesse, o seu estado de espírito mudava miraculosamente para o de uma criança feliz. Isso sempre me surpreendeu.

Morihiro Saito Sensei: Um pouco antes do Fundador ir para o hospital em Tóquio, os efeitos de sua doença estavam no seu pior. Nós todos estávamos muito tristes por ele, mas era difícil chegar até ele. Era triste ver um grande artista marcial aproximar-se de seu fim. Era um difícil momento para você também, Homma-kun, uma vez que cuidava dele intimamente. O temperamento do Fundador era imprevisível no melhor. Se o seu humor estivesse ruim quando você entrasse, você poderia ser pego por sua raiva. Durante o último ano de sua vida, ninguém de Tóquio visitava o Fundador, porque eles não queriam se envolver. Aquela foi uma época difícil e tumultuada para o Fundador. E também deve ter sido difícil para ambos vocês, Homma-kun e para Kikuno-san, uma vez que vocês eram tão jovens. Foi uma época difícil.

Gaku Homma Sensei: Talvez porque nós fossemos muito jovens é que o Fundador se sentia à vontade conosco e falava conosco, mesmo próximo do fim. Voltando para acontecimentos mais recentes, Sensei, o que você achou do seminário aqui em Denver?

Morihiro Saito Sensei: Primeiro eu fiquei surpreso que aproximadamente 300 pessoas tenham se registrado para os três dias de seminário. É um número e tanto! Foi muito bom ver um seminário cuja participação não foi pontuada pelo oferecimento de “doces” como um exame de graduação, etc. Que um dojo independente como a Nippon Kan possa atrair tantos estudantes de todo o mundo para um seminário com seus próprios meios é muito bom. Eu acredito que havia estudantes de mais de 17 organizações diferentes e de outros dojos independentes. Eu fiquei muito feliz por tantas pessoas terem vindo. Eu acredito que o Fundador no céu deve estar feliz também. A comunidade das artes marciais, incluindo a comunidade do Aikido, está traçando um futuro no qual mais e mais grupos se tornarão independentes – especialmente nos Estados Unidos e Europa. A organização do Fundador, Aikikai, deve prestar atenção à isso. Eu acredito que, ao invés de se concentrar em normas mais duras e mais restrições, eles deveriam ser mais sábios para reconhecer e respeitar organizações independentes. Isso pavimentaria o caminho para relações mais fortes e um futuro mais estável. Indo além das barreiras da afiliação ou estilo, gera-se uma maravilhosa oportunidade para que pessoas boas estejam juntas, como demonstra esse seminário. A filosofia do Fundador de amor e harmonia se manifestou nesse seminário de Denver. Eu seria feliz em viajar para ensinar em qualquer lugar que tivesse essa união. Você Homma-kun, não está afiliado à Aikikai ou ao estilo de Aikido de Iwama. Mas isso não é problema. O Fato de um dojo independente como o Nippon Kan ser capaz de unir 300 pessoas é uma coisa que não pode ser depreciada. Seus estudantes devem estar orgulhosos da estrutura única de atividades de seu dojo – e da reputação que ele conquistou através de suas contribuições para a comunidade. Eu não acho que seja necessário prestar conta de suas realizações para outra organização. Particularmente, eu espero que eu possa continuar sendo um conselheiro e um contribuidor para a Nippon Kan. Como eu prevejo mais dojos independentes no futuro, eu quero que este estabeleça um bom exemplo a ser seguido pelos outros. Eu tenho grandes expectativas em seu papel como dojo independente estabelecido.

Gaku Homma Sensei: Muito obrigado Saito Sensei.

Morihiro Saito Sensei: Durante o seminário eu ouvi pessoas dizendo, “o estilo de Aikido de Iwama é mais suave do que eu achava que fosse. Eu pensei que o estilo de Saito Sensei fosse mais rígido e severo”. Meu lema para ensinar é ter uma prática feliz que demonstre claramente a lição do dia, de forma que os estudantes possam entendê-la plenamente e a levem para casa com eles. Claro, eu sempre quero uma prática segura sem acidentes ou contusões. Enquanto eu estou ensinando, se eu acho que a explicação irá ser demorada, eu peço aos estudantes que se sentem de maneira confortável. Se o dojo está cheio eu peço para que as pessoas que estão atrás fiquem de pé e, assim, eles possam ver. Eu realizo minhas explicações de maneira clara e devagar. Eu não estou interessado apenas em lançar ukes furiosamente pelo ar. Apenas este ano eu já viajei três vezes para o estrangeiro. No total, eu já ensinei em seminários fora do Japão mais de cinqüenta vezes. Honestamente eu não sei por quanto tempo eu serei capaz de ministrar aulas ao redor do mundo. Enquanto minha saúde for boa, eu sinto que devo continuar a minha missão como testemunha do Fundador. Me deixa muito feliz saber que eu tenho estudantes maravilhosos ativamente ensinando e praticando nos Estados Unidos e em todo o mundo. Eu tenho fé que meus estudantes levam adiante o meu desejo e minha filosofia. Por causa de seus esforços, pessoas de todo o mundo viajam à Iwama para treinar como uchi deshi. Em raras ocasiões eu tenho ouvido a respeito de estudantes que treinaram em Iwama e que voltam aos seus países apenas para causar problemas para outros grupos de Aikido. Eles me preocupam, porque essas pessoas obviamente não entenderam completamente o treino que eles receberam em Iwama. Eles perpetuam a sua incompreensão representando de forma errônea o estilo de Iwama para os outros. Essa nunca foi a minha intenção. É importante, como prioridade primeira, que trabalhemos de forma harmoniosa com outros dentro a comunidade do Aikido em uma base de amizade. Ultimamente eu viajo com o meu otomo, mas houve vezes em que viajei sozinho. Uma ocasião, quando eu cheguei em um aeroporto do nordeste dos Estados Unidos, não havia ninguém para me receber. Uma vez que eu não falo inglês, aquilo foi um problema! Por sorte um grupo de turistas japoneses passaram e eu andei com eles para sair do aeroporto [Sorri]. Eu não posso esquecer das muitas vezes que carreguei minha panela de preparar arroz em minha bolsa, cozinhando para mim mesmo enquanto viajava. Eu nunca imaginei que iria estar sentado na casa de Homma-kun comendo comida japonesa em Denver, Colorado. Gaku Homma Sensei: Foi um prazer e uma honra Sensei. Muito obrigado. * * * Depois de sua chegada em Denver, uma das primeiras perguntas que Saito Shihan me fez foi “Que técnicas eu devo ensinar esta noite?” Depois de cada aula ele me perguntava se a lição tinha sido adequada e se determinada série de técnicas seriam apropriadas para a lição seguinte. Eu fiquei impressionado pelo seu zelo e dignidade profissional. Depois da prática, na área de espera, Saito Sensei agradecia à todos presentes e oferecia a eles frutas e lanches. Era uma prazer ver tal acolhimento e gentileza oferecidos por um homem de uma posição tão alta. Um espírito de generosidade prevaleceu ao seu redor durante todo o seminário. Durante a festa de despedida, nós acompanhamos Saito Sensei ao banheiro e o aguardamos junto à pia para lhe oferecer uma toalha para secar suas mãos. Eu fiquei tocado enquanto o observava cuidadosamente limpando a pia que havia sido suja por outros como cortesia para o próximo usuário. Eu acompanhei Saito Sensei, seu tradutor, seu otomo, e outros convidados para São Francisco para acompanhá-los em sua decolagem para o Japão. Antes do avião aterrissar em São Francisco, eu observei Saito Sensei remover saco para vômito do bolso do assento em sua frente. Eu fiquei preocupado que ele não estivesse se sentindo bem. Mas apenas perguntou a todos nós em sua maneira gentil, se nós tínhamos lixo para jogar fora, colocou nossos guardanapos e restos dentro do pacote, e então enfiou o pacote de volta generosamente no bolso em sua frente. Ele disse que isso faria com que o trabalho fosse mais fácil para a outra pessoa. Saito Sensei assegurava que seu otomo estivesse sendo bem cuidado, até mesmo oferecendo a ele porções de suas próprias refeições. Ele também tomou conta de um de meus estudantes que atuou como motorista em São Francisco, segurando sua mão e discretamente depositando um sinal kokoro zuke [pagamento de agradecimento] em sua palma. A posição de Saito Sensei como um líder dentro da comunidade global de Aikido foi construída em uma vida de trabalho duro e esforço. Ele é um bujin [artista marcial] verdadeiro. Sua humanidade, gentileza e circunspecção permanecem impressas em minha memória – e elas me lembram o lado privado do Fundador, Morihei Ueshiba. Conforme andávamos no terminal do aeroporto lotado, minha mente retrocedeu a uma ocasião na qual eu andava como o Fundador em uma estação lotada de Ueno, Japão. Ambos tinham a mesma maneira de andar.

Tradução: William Soares.

Um dia na vida do Fundador Morihei Ueshiba

Por Gaku Homma

Um dia na vida do Fundador Morihei Ueshiba, Abril 1968
Por Gaku Homma Sensei – Nippon Kan Kancho
A cerimônia anual para lembrar a passagem do Fundador do Aikido, Morihei Ueshiba está chegando. No Hombu dojo em Tokyo, no dia 26 de Abril de 1969, o Fundador fez sua passagem para os céus.
Na semana anterior eu havia retornado para a minha cidade natal, Aikita no nordeste do Japão. Aquela foi a última vez que eu teria visto o Fundador. Eu tinha dezoito anos de idade. O Anúncio de sua passagem alcançou-me em Akita e eu me dirigi imediatamente para Tóquio. Para mim, naquele tempo, mesmo uma passagem de trem estava além de meus meios. Minha família estava feliz por eu estar, finalmente, de volta ao lar, então eu não poderia pedir a eles dinheiro para partir novamente. Finalmente, com a coragem persistente que apenas os jovens possuem, eu saltei dentro do trem noturno para Tóquio sem nenhum tíquete.
Naquele tempo no Japão, a maioria das viagens longas eram feitas principalmente de trem. Os vagões que não haviam sido reservados estavam
sempre lotados com corpos, caixas, baús e bagagens. Era fácil enganar o fiscal enquanto ele vinha coletar os tíquetes. Quanto mais longe se estava da estação de partida, se você olhasse cuidadosamente no chão e debaixo dos assentos, se podia, geralmente, encontrar um tíquete que alguém teria perdido. Se lembre que segurança e tecnologia há trinta anos atrás não eram, nem de perto, o que são hoje. Foi desse modo que eu viajei até Tóquio para a primeira cerimônia pela passagem do Fundador.
Há anos eu tenho tido conhecimento de dojos que comemoram esta data através da realização de Seminários. Para mim este é um dia de oração
silenciosa e reflexão. Com a chegada do 33o aniversário da passagem do Fundador, eu gostaria de compartilhar com vocês algumas de minhas
lembranças pessoais de ter vivido aproximadamente durante um ano antes da morte do Fundador. Minha irmã conservou cadernos que eu mantive durante aqueles anos, assim eu ainda conservo informações detalhadas a respeito de suas atividades diárias. Eu registrei até mesmo o que o fundador comia em um dia típico, o que compartilharei com você no final deste artigo.
Em 1968, com 85 anos de idade, o Fundador dormia em um novo aposento construído nas instalações do dojo de Iwama. Sua esposa Hatsu dormia no quarto ao lado. Longe do quarto principal havia um pequeno quarto onde a empregada Kikuno dormia. O aposento que servia de meu quarto não existe mais, tendo sido demolido após ser considerado além de reparo, devido o desgaste. Exceto por nós quatro, ninguém vivia naqueles aposentos naquela época. Diferente do dojo de Iwama de hoje, havia apenas poucos gasshukus (acampamentos de aikido) para encher o dojo com o movimento de olhos brilhantes de estudantes vindos de longe.
Saito Shihan e sua família viviam em uma casa separada em frente. Naquele tempo a família de Saito Shihan não tinha um restaurante ou outro tipo de negócio eles realizavam apenas serviços de lavanderia. Naqueles dias era convenção o encanamento ficar do lado de fora da casa e o banheiro das famílias ficava adjacente à casa. Do lado de fora do banheiro havia uma makiwara (um poste envolto com enchimento utilizado por karatekas para treinar socos). Durante um seminário que Saito Shihan realizou em Denver em um ano, ele nos disse que quando ele era jovem praticava karatê. Eu o perguntei porque a makiuara estava colocada do lado de fora do banheiro. Ele nos disse que como parte de seu regime de treino pessoal, ele costumava socar a makiuwara dez vezes toda vez que ele ia utilizar o banheiro e dez vezes toda vez que ele saía.
Em 1968, o terreno entre a estação de trem de Iwama e o dojo foi florestado com castanheiros e bambus. Em abril os castanheiros entrariam em floração, espalhando um forte cheiro de castanhas pelo ar, Bambus, com mais de quatro polegadas de diâmetro iriam brotar em todo o lugar, às vezes no meio da sujeira de estradas apertadas. Nativos da região também são os pessegueiros cuja florescência dão o toque da primavera. Hoje casas e comércios substituíram muitos dos castanheiros e das florestas de bambu.
Quando o Fundador estava em Iwama ele ensinava a maioria das classes noturnas no dojo. O treino noturno começava às 19:00, que ele dirigia após ter jantado aproximadamente às 17:00. O fundador geralmente não tomava seu banho à noite. Ele costumava tomar seu banho bem cedo de manhã. Devido a sua idade a dieta do Fundador era simples. Ele sempre fazia suas refeições com sua esposa Hatsu. O casal parecia apreciar suas refeições em conjunto, e o Fundador algumas vezes brincava. Com seus pauzinhos ele costumava pegar um bocado de comida e colocava no prato de sua mulher. “Omahan tabe yoshi” (aqui, você coma isso) ele costumava brincar em seu dialeto local Kishu. Ela, brincando, costumava pegar de volta o bocado e recolocá-lo em seu prato exclamando, “Não, você come isso”. Era um gracejo suave entre os dois. Embora a dieta do Fundador fosse simples, ele, ocasionalmente, também apreciava comidas “modernas” tais como arroz com curry. O Fundador costumava comentar que o curry era um bom digestivo, e proporcionava um bom movimento intestinal.
O Fundador e a sua esposa tinham suas refeições em um aposento localizado diretamente atrás do altar do dojo. O Aposento era simples com um chão de madeira. Uma pequena mesa de madeira de aproximadamente noventa por colocadas para todo o tipo de refeição. Nós quatro fazíamos nossas refeições juntos. Os cômodos eram próximos, e para mim era difícil comer de forma relaxada, estando tão perto do Fundador enquanto ele comia. Kikuno e eu sempre nos sentávamos formalmente com colunas retas, executando os nossos melhores modos. Em um canto do pequeno aposento havia uma pia minúscula de sessenta por trinta centímetros de largura. A pia tinha apenas uma torneira da qual só saía
água fria, a única água quente das instalações tinha que ser aquecida à mão antes de ser servida. O Fundador também utilizava esta pia para limpar seu rosto e escovar seus dentes. As acomodações de Iwama eram muito simples, a única pia com água fria servia ao mesmo tempo para a limpeza da cozinha e para lavagens em pé. Ao lado da pia havia um pequeno fogareiro de gás propano onde refeições simples eram preparadas.
Hoje as acomodações do Doshu da terceira geração, o neto de Morihei Ueshiba, estão muito longe das rústicas e simples acomodações nas quais o Fundador vivia. Antigamente não havia, obviamente, rádio ou televisão. O Fundador geralmente se retirava para dormir antes das 21:00 todas as noites. Em abril as noites, às vezes, costumavam ser frias e, no entanto, o Fundador recusava usar um cobertor elétrico. Ele dizia que a eletricidade lhe causava coceira.
(Refletindo agora, isso deveria ser uma causa da condição de seu fígado). Ao invés de usar um cobertor elétrico, Kikuno, a empregada, costumava se deitar no colchão para aquecê-lo antes que o Fundador se deitasse. Enquanto Kikuno aquecia o colchão, era meu trabalho massagear os pés do fundador ou sentar em seiza ao lado de sua cabeça e ler em voz alta para ele o texto da Omoto Kyo; Rei Kai Monogatari.

O Fundador acordava todos os dias antes das seis da manhã. Se ele não tomasse um banho completo, ele lavava seu rosto na pia, de pé, com água fervente misturada com água da torneira. A sua escovação dentária era feita com cerdas de porco, e ele utilizava sal ou uma pasta de dente branca em pó.
Uma de minhas tarefas era a de pegar sua dentadura e colocá-la em um pequeno prato para ele. Eu acho que não existem muitas pessoas nesse mundo que viram o Fundador sem a sua dentadura. Após depositar sua dentadura a minha próxima tarefa era a de ajudar o Fundador enquanto ele lavava o seu rosto. Com uma toalha limpa e seca, presa do lado esquerdo de meu cinto, eu costumava me ajoelhar atrás dele junto a pia para segurar as mangas de seu quimono para trás Isto era para assegurar que as mangas de seu quimono não ficassem molhadas. Eu me ajoelhava atrás dele porque eu era mais alto do que ele, Se eu ficasse em pé atrás dele ele poderia bater com sua cabeça em meu peito quando ele se levantasse depois de se lavar.  Se o Fundador fosse tomar um banho completo no outro dia de manhã, meu dia começaria totalmente diferente.

Em dias de banho eu costumava acordar às 5:00 da manhã para começar a queimar a madeira que iria aquecer a água para o banho. A casa de banho consistia em uma plataforma de madeira elevada e cercada com um grande tonel de metal onde era depositada água fria. O fogo era acesso da parte de fora da casa de banho diretamente embaixo do tonel. Conforme a água era aquecida o fundo do tonel poderia ficar tão quente a ponto de não se poder suportar. O tonel possuía uma treliça de madeira que era utilizada para se levantar, ou podia-se calçar (um par de) geta (sapatos de madeira) dentro da banheira! Em japonês, essas banheiras de metal eram chamadas de goemonburo. Originalmente a palavra se referia a um famoso arrombador chamado Goemon Ishikawa que foi cozinhado vivo em um tonel de metal como punição pelos seus
crimes. Até mesmo durante a década de sessenta, goemonburo era muito comum na maioria das casas. Hoje são poucas as existentes.
Em um banho que tenha sido preparado recentemente, a água é cortante e um pouco dolorosa. Para suavizar a água, Kikuno, a empregada, costumava entrar na banheira primeiro para “massagear ou misturar a água”. Isso, em japonês, é chamado yumomi.
Depois que o Fundador entrava na banheira era trabalho de Kikuno ou meu próprio o de esfregá-lo. No passado o Fundador havia sido um homem musculoso, então, na sua idade, sua pele pendia frouxamente. Sem utilizar sabonete, eu costumava segurar suavemente seus músculos para baixo e esfregava sua pele com movimentos para cima utilizando uma toalha de mão.
Enquanto eu cuidava do fogo, não era permitido que eu me sentasse ociosamente por perto. Enquanto o fogo ardia eu deveria varrer os caminhos em frente ao dojo e do santuário com uma grande vassoura de bambu.
Geralmente do meio para o final de março, o caminho para o santuário estava coberto de flores de cerejeira. Quando as flores caíam eu não varria o caminho de modo a não perturbar a beleza natural das flores espalhadas. Em todas as outras estações eu costumava varrer de modo a deixar marcas padronizadas da varredura.
Conforme o Fundador passava pelas marcas recém feitas pela vassoura no caminho, suas pegadas eram as únicas que podiam ser vistas. De vez em quando, crianças costumavam passar correndo pelas marcas frescas de minha vassoura em suas brincadeiras antes da escola. Isso costumava me enfurecer uma vez que fazia parecer que eu não tinha realizado minhas obrigações de forma adequada. Simbolicamente era importante varrer todas as manhãs para eliminar qualquer má sorte ou maus espíritos antes que o Fundador começasse suas orações cerimoniais pela manhã. O kimono formal do Fundador e o seu hakama eram sempre dispostos para ele assim que ele terminava o seu banho.

Era também minha obrigação ajudá-lo a se vestir para a cerimônia que se seguia. Fizesse sol ou chovesse o fundador realizava sua cerimônia matinal. Se estivesse chovendo, Kikuno e eu costumávamos segurar um guarda-chuva para que ele se protegesse. Claro, Kikuno e eu não tínhamos guarda-chuvas.
Carregando uma pequena travessa chamada sambo, provida de três pequenos pratos; um contendo sal, um arroz e o outro contendo água, o Fundador tomava energeticamente o caminho do Santuário Aiki. Seu passo era seguro e vigoroso e seu equilíbrio perfeito enquanto ele segurava o sambo diante dele.
Você pode perceber na fotografia acima que seu hakama movia-se firmemente com o seu andar, era difícil acreditar em horas como essa que ele tinha 85.  Eu sempre achei curioso que, nas vezes em que acompanhei o Fundador ao Hombu dojo em Tóquio, ele andasse tão vagarosamente e de forma tão débil.
Refletindo agora, eu acredito que ele estava apenas fingindo. Eu escrevi um artigo sobre isso há vinte anos atrás na revista Black Belt, mas isso é uma outra história, para um outro dia.
Conforme o Fundador se aproximava do Santuário Aiki ele passava embaixo do portal do santuário ou tori. Na condição de auxiliares, Kikuno e eu não tínhamos permissão para passar diretamente sob o portal, então nós dávamos a volta pela direita e corríamos para chegar na frente para abrir o santuário.
Nós costumávamos destrancar a porta do santuário no lado direito do honden (construção principal), entrar, e se apressar para abrir as portas deslizantes da frente do santuário para o Fundador. Uma vez tendo entrado no honden, nós silenciosamente fechávamos a porta atrás dele. Na parede oposta, atrás do santuário havia outra porta corrediça que nós abríamos para revelar uma visão do okuden, que era uma pequena estrutura que abrigava o santuário principal.
Depois de encontrarmos nossos lugares próximos à entrada do santuário, nós acendíamos velas. O Fundador, geralmente, passava aproximadamente vinte e cinco minutos orando nessa cerimônia matinal. Uma vez por mês havia uma cerimônia especial chamada Tsukinami Sai. Essa cerimônia durava até uma hora, e o santuário era adornado com ofertas de frutas, vegetais, frutas secas e peixe. Nenhum produto animal era jamais utilizado como parte dessa oferenda especial.
Durante essa cerimônia diária regular. Kikuno e eu sentávamos da maneira mais silenciosa possível em seiza com nossas cabeças bastante curvadas mas não encostando no chão. Esta posição era dolorosa para os joelhos e muito difícil de se manter. Na minha idade eu não entendia o que as orações que o Fundador recitava significavam, então me manter concentrado era uma luta.
Apenas quando o Fundador utilizava um jo em uma oferta de jo no mai, ou movimento de jo, a minha tenção era focada. O jo que ele utilizava era maior do que um jo comum, e era afiado em uma das pontas. Se parecia com a ponta de uma lança que tivesse sido cortada diagonalmente com uma espada.  Se ele não utilizasse um jo, ele, as vezes, utilizava um shaku, que é um instrumento de madeira em forma de remo, liso, utilizado em cerimônias Shinto. Ele costumava executar movimentos com o shaku como se fosse uma tsurugi (uma espada dos deuses de acordo com a tradição Shinto).
Depois que o Fundador terminava suas preces matinais no templo Aiki, ele geralmente se dirigia para a frente do quintal do dojo onde ele costumava parar para orar em um hokora (pequeno templo) dedicado ao deus Ushitora no Konjin. Este deus era o deus pessoal do Fundador, que ele sempre carregava consigo. Quando suas viagens o levaram para Hokkaido, ele levou esse deus com ele e dedicou um novo templo chamado o Kami Shirataki Jinja, na vila Shiratake que ele fundou ali. Embora soe como se o Fundador estivesse carregando com ele algo tangível, na verdade não era, era o espírito do deus que ele carregava.
Para concluir sua cerimônia matinal o Fundador ficava de pé, segurando o seu shaku e olhava diretamente para o sol. Não importava se o dia estava claro ou obscurecido pelas nuvens, ele levantava sua face em direção ao sol e o contemplava diretamente. Ele costumava oferecer preces para Amaterasu O Kami, o deus Shinto do sol. Eu achava aquilo algo incrível e tentava imitar suas ações. Eu nunca fui capaz de olhar diretamente para o sol durante muito tempo, era muito brilhante para que meus olhos suportassem. Hoje eu acredito que o olhar poderoso que o Fundador possuía se desenvolveu com a prática diária desse ritual. Depois disso era hora de preparar o café da manhã.
Hoje, no dojo de Iwama há um estacionamento e uma cozinha para os uchideshi onde costumava ser a horta do Fundador. Esta horta era cultivada para o consumo da família e era tratada cuidadosamente. Depois de terminar sua cerimônia matinal, o Fundador, ainda vestido com seu kimono formal e hakama, costumava se dirigir para a horta. Em abril havia nira, nanohana, daikon and kabu jovens prontos para serem retirados. O Fundador costumava examinar as plantas cuidadosamente e me dizia quais poderiam ser retiradas para os pratos de acompanhamento do dia. Nos não estávamos colhendo as hortaliças, sendo apenas abril, elas estavam muito pequenas. No entanto elas precisavam ser podadas ou retiradas para que as hortaliças que ficassem crescessem fortes. Eu me lembro do Fundador me ensinando que após retirar algumas das nira, se deveria pisar na planta que havia permanecido e então encharcá-la com a água que havia sido utilizada para lavar o arroz. Isso garantiria um renascimento saudável.
O café da manhã consistia principalmente de um congee (um mingau de arroz suave) com mochi (pedaço de bolo de arroz moído). Ele adorava mochi e às vezes comia puro, mas costumava agarrar em sua dentadura, então na maioria das vezes o mochi era cozido com o congee para amaciá-lo. Os pratos de acompanhamento e se constituíam de folhas novas de vegetais tirados da horta e preparados de maneira bem simples. O Fundador não retirava o seu kimono formal nem seu hakama antes do seu café da manhã. Para ele realizar essa refeição era parte de sua cerimônia matinal.
Depois do café da manhã, para mim e para Kikuno, era hora de realizar as tarefas domésticas e afazeres da manhã enquanto o Fundador descansava.  Há poucas quadras do dojo, o Fundador possuía uma horta de arroz. Cuidar dessa horta era uma de minhas tarefas diárias. Nunca sabendo quando o Fundadar poderia chamar a mim e a Kikuno para a prática de Aikido, em todo o caso, eu sempre vestia a parte de cima do meu keiko- gi com minhas calças de trabalho.
Se fosse um dia agradável, algumas vezes o Fundador costumava se sentar junto de uma janela aberta e ler seu jornal no calor do sol da manhã. Ou, em dias especialmente agradáveis, ele costumava abrir as portas corrediças do dojo e se deitava no tatame sem o seu hakama e tirava uma soneca no sol. O segundo Doshu, Kisshomaru Ueshiba disse, em sua biografia, que ele nunca havia visto o Fundador em outra postura que não fosse sentado formalmente em seiza. Em Iwama, o Fundador que eu conheci tirava soneca no sol como qualquer homem de idade avançada.
Mesmo quando ele estava dormindo, nós mantínhamos nossos olhos e ouvidos abertos e sempre sabíamos onde ele estava e o que ele estava fazendo. Se ele nos chamasse, nós largávamos qualquer coisa que estivéssemos fazendo e corríamos para assisti- lo. Kikuno costumava mesmo dizer que eu dormia com um olho aberto! Nós vivíamos atentos, vinte quatro horas por dia.
Se ele estivesse se sentido bem, o Fundador nos chamava para praticar Aikido. Vestido com seu kimono, ele gostava de praticar especialmente suwarewaza— shomen uchi ikkyo, e de pé, ai hanmi katatetori iriminage omote. Ele nos instruía em como nos ajustar como uke.
Tendo tomado café da manhã aproximadamente às 9:00 da manhã, o Fundador não almoçava. Kikuno e eu, no entanto, costumávamos estar esfomeados, especialmente depois de praticar e geralmente comíamos as sobras do café da manhã. Nós costumávamos fazer porções extras para o café da manhã para assegurar que teríamos sobra o suficiente para o almoço.
Durante as tardes o Fundador se engajava em diferentes atividades. Na primavera, eu me lembro do Fundador e de sua esposa Hatsu plantando
amendoins no jardim. Hatsu era curvada quase à metade com o peso da idade, mas ele ainda era muito habilidoso com uma enxada. Ela  costumava formar fileiras para plantar habilmente manejando a enxada à sua frente. Meu trabalho era o de acrescentar adubo fresco nas fileiras para que estivessem ricas para o plantio. O Fundador seguia, empurrando os amendoins precisamente dentro da terra fresca com uma pressão de seu polegar e dedo indicador. Pensando sobre isso agora, sua habilidade em plantar amendoins veio dos longos anos de residência em Hokkaido e dos anos que ele coordenou o plantio e a colheita das plantações da Omoto Kyo.
Geralmente, uma vez por mês, o Fundador costumava visitar o Hombu dojo em Tóquio. Se fosse para ser uma longa visita, ele geralmente permanecia quatro ou cinco dias. Nas manhãs em que ele iria partir para Tóquio ele costumava terminar suas cerimônias um pouco mais cedo. Na primavera ele costumava enfaixar folhas frescas de daikon, nanohana, nira, e shungiku para levar na viagem. Depois de terminar o café da manhã, ele tomava um taxi para a estação. Mesmo se estivéssemos atrasados nós sempre chegávamos pelo menos meia hora antes do trem chegar. Algumas vezes chegávamos uma hora antes da partida do trem. Iwama era uma cidade pequena com uma pequena estação. Apenas o trem local parava em Iwama. Para pegar o trem expresso para Tóquio nós tínhamos que fazer baldeação em uma estação maior. Eu carregava a bolsa de couro de médico do Fundador que havia sido dada a ele em uma viagem ao Havaí, em uma mão. Nas minhas costas estava o feixe de vegetais amarrados dentro de um furoshiki. Eu sempre andava na frente do Fundador para protegê-lo durante o caminho. De vez em quando, quando nos mudávamos para o trem expresso, eu tinha problemas em encontrar um assento para o Fundador. Nessas ocasiões eu pegava um estudante de uniforme que já havia encontrado um lugar e o “convencia” a dar o seu lugar para o Fundador. Eu era muito bom em “convencer” naqueles dias! De qualquer modo existem muitas histórias a respeito de viajar como otomo com o Fundador, mas essas também são para outro dia.
Naquele tempo não havia uchideshi vivendo no Hombu dojo. Eu quero que isso fique claro. A única pessoa vivendo no Hombu dojo era o Sr. Mitsuo Tsunoda, que servia como zelador e apoio quando o Fundador visitava. Ele não praticava Aikido.

Recentemente eu tenho visto propagandas de instrutores que afirmam terem sido uchideshi no Hombu dojo do Fundador naquele tempo. Isto não é verdade.
Por pelo menos três anos antes da passagem do Fundador não havia ninguém morando no Hombu dojo. De qualquer modo o Fundador não vivia no Hombu dojo. Os únicos Hombu uchideshi foram estudantes do segundo Doshu, Kisshomaru Ueshiba, e eram estudantes auxiliares assalariados.
Se passaram trinta anos desde a passagem do Fundador, e eu tenho agora cinqüenta e três anos de idade. Minhas percepções daquela época e de agora obviamente mudaram com o tempo. Eu tenho agora uma visão mais ampla de minha experiências de quando eu tinha quando era mais jovem. Eu tive uma grande sorte em fazer parte da vida do Fundador de outras maneiras além do Aikido. Por essa razão, minha memória e visão sobre ele é diferente da maioria.
Eu assistia o Fundador quando ele ia ao Hombu dojo em Tóquio. Ali, ele era o “presidente da compania” ou CEO, e ele agia como um naquelas ocasiões. Em Iwama, eu testemunhei a vida privada de um homem chamado Morihei Ueshiba, um bondoso gentleman de idade que tirava sonecas ao sol, e plantava amendoins com facilidade. Eu acho que o Fundador real foi o que eu conheci em Iwama.

O Fundador foi uma pessoa muito especial na minha vida, e muito influente no direcionamento que a minha vida teve. Eu tenho agora vivido nos Estados Unidos por aproximadamente vinte e oito anos. Em todos esses anos, com apenas meu dojo para cuidar, eu nunca organizei um “seminário em memória do Fundador” ou qualquer outro evento comercial para comemorar a sua passagem. Para mim este é um momento muito particular de reflexão.
Alguns meses atrás eu recebi um panfleto anunciando um “seminário em memória do Fundador” de outro dojo. O folheto tinha uma foto do Fundador do tipo passaporte que você podia destacar e colocar em sua carteira como um souvenir. O que me fazia lembrar uma amostra de perfume em uma revista de glamour. Eu reconheci a foto. Ela havia sido tirada em maio de 1968. Eu estava com ele como seu otomo quando a fotografia foi tirada. Ela foi tirada quando o Fundador chegou ao Hombu dojo e estava sendo saudado pelos seus estudantes. Ele estava vestido formalmente, como de costume, em seu kimono e o Sr. Tsunoda foi quem fotografou. Eu ainda tenho uma das originais.

A única foto do Fundador que eu tenho em meu dojo é aquela que está pendurada no altar do dojo. A única razão de eu ter uma foto do Fundador é mostrar aos estudantes como ele se parecia. Eu nunca utilizei sua imagem, de nenhuma forma, por razões comerciais. Eu o conheci pessoalmente e seria contra meus princípios agir dessa forma. Aqueles que utilizam sua fotografia (para outros fins) não o conheceram.
Como Aikidoístas, nós precisamos pensar a respeito da origem dessa arte que praticamos Nós precisamos voltar à simples compreensão do Aikido, uma renascença do Aikido se vocês desejarem, para não nos esquecermos de nosso caminho.

Tão logo este artigo seja terminado e traduzido, eu viajarei ao Japão para visitar o Templo do Aikido em Iwama para a cerimônia anual em memória do Fundador, Tai Sai. Com grande agradecimento, eu irei e prestarei meus respeitos ao Fundador. Eu curvarei minha cabeça para orar por ele. É uma peregrinação ao meu passado… e ao meu futuro.

(tradução: William Soares dos Santos)

Amostra do cardápio da primavera do Fundador
Mochigayu (Arroz congee com pedaço de bolo de arroz moído)
Quatro partes de água para uma parte de arroz. Deixe o arroz de molho durante a noite. Coloque-o para cozinhar em água fervente, em seguida
diminua o fogo, tampe a panela e cozinhe vagarosamente por aproximadamente trinta minutos. Corte o bolo de arroz mochi em pedaços pequenos e acrescente ao congee enquanto cozinha. Acrescente uma pitada de sal à gosto.
Nanohana (folhas de colza), Horenso (Espinafre),

Shungiku (Folhas novas de crisântemo retiradas no início da primavera) Ohitashi (Vegetais cozidos e
frios)
Escolha um dos vegetais da primavera e retire folhas frescas. Cloque duaspartes de água para cozinhar e acrescente uma pitada de sal. Acrescente as
folhas de vegetais e cozinhe por aproximadamente trinta segundos até que as folhas mudem de cor. Enxágüe imediatamente em água fria e elimine com
cuidado o excesso de água. Misture os vegetais com katsuobushi desfiado (bonito seco), e algumas gotas de molho shoyo. Mexa com wari bashi (palitos
de comer). Tire o excesso de molho shoyo e sirva gelado.

Nanohana ou Horenso no Goma Ae (folhas de colza ou espinafre misturados com sesame miso)
Prepare os vegetais como acima. Com um misturador ou pequeno pilão triture junto o sesame preto, a pasta de miso e mirin (sakê para cozimento) até que
fique homogêneo. Junte e mexa a mistura e os vegetais com wari bashi (palitos de comer) e sirva frio.
Nira no Shoga Ohitashi (Alho porro japonês com gengibre cozido e frio).

* Alho porro japonês é totalmente diferente do alho porro americano, mas é disponível na maioria dos mercados orientais.
Prepare os vegetais como acima. Com um misturador ou pequeno pilão triture o gengibre e misture com algumas gotas de molho shoyo. Misture com o nira
com wari bashi (palitos de comer) retire todo o excesso de molho shoyo e sirva frio.

Niratama (Alho porro japonês com ovos)
Em uma caçarola coloque uma pequena quantidade de água, katsuobushi, cogumelos shiitake ou niboshi (sardinhas secas). Cozinhe e adicione o nira.
Quando o nira cozinhar adicione uma pitada de sal, e vagarosamente adicione um ovo batido. Quando o ovo estiver cozido tudo estará pronto. Tofu pode ser
adicionado como opção.

Shungiku Tofu Ae (Folhas de crisântemo com tofu)
Lave as folhas de crisântemo com cuidado. Cozinhe em quatro partes de água por aproximadamente trinta segundos até que as folhas mudem de cor para um verde forte. Enxágüe em água fria e tire o excesso de água. Corte em pedaços
de duas polegadas. Enrole um bloco de tofu em um pedaço de pano de algodão e esprema todo o excesso de água. Em um misturador ou pequeno pilão adicione o tofu, miso, açúcar e amendoim (o amendoim é opcional) triture para
formar uma pasta. Mexa a mistura de tofu e shungiku com wari bashi (palitos de comer) e sirva frio.

Sopa de miso é servida geralmente em todas as refeições.

Nira, folhas de cenoura baby, folhas de daikon, espinafre, tofu, age (tofu frito), wakame (alga jovem), e tororo (alga em fatias) são apenas alguns dos ingredientes que podem ser adicionados para um paladar de primavera.
Condimentos para todas as refeições

Pequenas xícaras rasas de saquê de vinagre de arroz preto e saquê como molho para pratos de acompanhamento.
Chilimen Jako (enguias baby secas, uma fonte de cálcio moída). Picles de vegetais.

Pratos para ocasiões especiais

Asazuki (Pedaços de arroz adocicados)
Umedeça o arroz e triture em um misturador ou pequeno pilão até que fique leitoso. Em uma caçarola cozinhe vagarosamente mexendo constantemente até que ganhe consistência. Adicione vinagre de arroz e açúcar à gosto. Enrole em
pedaços de mikan (tangerina Japanesa) para colorir e dar sabor.

Kamaboko Imo (Salmão defumado e bolo de peixe e batatas
Cozinhe as batatas com a casca. Enrole a batata em um pedaço de pano e torça até que a casca estoure e abra. Tire e jogue fora a casca.
Marine o salmão com partes iguais de sal e açúcar por algumas poucas horas. Corte o salmão em pedaços com uma faca de cozinha e triture suavemente em um misturador ou pequeno pilão. Misture com a batata.

Triture Yamaimo (inhame japonês) em um misturador ou pequeno pilão e misture com a batata e o salmão. Adicione uma pequena quantidade de farinha.
Amasse em forma de bola. Cozinhe em vapor até que esteja todo cozido. (Este era um dos pratos que faziam com que o Fundador sobrevivesse nos dias iniciais do pioneirismo em Hokkaido.)

Este menu não é servido todo em uma única refeição. Cada refeição deve ter apenas um ou dois pratos no máximo para acompanhamento. As porções para os pratos de acompanhamento eram muito pequenas, apenas algumas colheres uma tigela de refeição japonesa. Essa amostra de cardápio não é feita de acordo com receitas precisas. Naquela
época nós não utilizávamos xícaras ou colheres com medição, por isso é difícil descrever as medidas exatas. Eu ainda preparo algumas dessas receitas hoje em dia em meu restaurante. Para se preparar em casa, todos os ingredientes se encontram disponíveis em mercados orientais aqui nos Estados Unidos (e também no Brasil).