Aplicação do principio da arte do sabre

Por Kishomaru Ueshiba.

O caminho do aiki e o caminho do sabre são, na aparência, radicalmente diferentes. O Aikido é praticado apenas com as mãos nuas, sem armas, enquanto que a arte do sabre requer o uso de uma arma. Mas, se tirarmos a casca, numerosos pontos comuns aparecem. Faz-se referência aqui ao Kenjutsu, arte do sabre de combate e não ao Kendo que é um esporte de competição. O Aikido apresenta similitudes mais com a arte antiga que com sua expressão moderna.

Admite-se que o Aikido se aproxima mais do Judo que da arte do sabre. Isso é compreensível se se considera que essas duas formas de arte marcial são praticadas com mãos nuas, e que se nos referimos superficialmente ao passado do fundador Morihei Ueshiba, o Jujutsu desempenhou um papel preponderante na criação do Aikido. O fundador, que por muito tempo praticou o Jujutsu da escola Daitô, adaptou um certo número de seus princípios ao Aikido; e técnicas tais como a chave de punho, as pancadas, as projeções ou as imobilizações foram elaboradas a partir do Jujutsu tradicional ou de sua forma moderna, o Judô. Mas as semelhanças se eclipsam pelas diferenças. No Aikido, por exemplo, não existe equivalente à pegada da manga ou da lapela do quimono indispensável no Judô. Além da ausência de corpo a corpo e da competição, o Aikido não integra técnicas ofensivas. Não existem técnicas no solo visando imobilizar o adversário por chaves ou estrangulamentos.

Os fundamentos

Entre as numerosas semelhanças entre o Aikido e a arte do sabre, encontram-se certos fundamentos: a posição de guarda, a distância ou o espaço que separa as duas pessoas, o olhar, os deslocamentos de pés, assim como as aplicações técnicas que são espantosamente parecidas, para não dizer idênticas. Enquanto que no Judô o quimono é usado frouxo, a fim de facilitar o corpo a corpo, no Aikido como no Kenjutsu, a vestimenta padrão é o hakama, a longa saia-calça tradicional dos japoneses que oferece uma grande liberdade de movimentos quando duas pessoas se encontram face à face. O hakama é usado igualmente em Kendo acompanhado de diversas proteções. No Aikido, os iniciantes geralmente não usam o hakama. A comparação detalhada do Aikido e da arte do sabre revela apenas um pouco das diferenças. A tomada de distância (ma-ai) pode ser um exemplo disso. Na arte do sabre, a distância correta entre duas pessoas é dada pelas duas extremidades dos sabres, se enfrentando, devendo cruzar-se ligeiramente a fim de que, com um único passo, seja possível dar um golpe mortal no adversário. No Aikido, quando duas pessoas se enfrentam, na posição hanmi, as mãos simbolizando as lâminas dos sabres não se tocam, e a distância correta deve permitir um máximo de eficácia na entrada (irimi). De mais a mais, com um sabre, o princípio de base continuará o mesmo quando da tomada de distância, qualquer que seja a altura da lâmina. No Aikido, ele vai variar segundo a técnica: os dois parceiros ajoelhados, um parceiro ajoelhado e o outro em pé, ou os dois parceiros em pé; um praticante enfrentando vários adversários ou um adversário armado.

Em relação a isso, não é possível estabelecer uma equivalência escrupulosa entre o Aikido e a arte do sabre, mas como nós sublinhamos, antes, os princípios de base, os movimentos e as maneiras de aplicação apresentam numerosos pontos comuns. Essas similitudes não são obras do acaso, mestre Ueshiba tendo, desde o início desejado fazer um bom uso das vantagens inerentes à arte do sabre. Ele se esforçou a dedicar muito tempo e energia a adaptá-los para integrá-los ao Aikido.

O estudo do sabre

Desde a mais tenra idade, mestre Ueshiba se interessou pela prática do sabre. Com efeito, antes de estar totalmente absorvido pelo Daitô jûjutsu, ele empregou seu tempo ao estudo do sabre, para dominar seus princípios. Mesmo depois de ter colocado o Aikido no ranking do budo, ele gostava de praticar o sabre e o bokuto (sabre de madeira). Houve um tempo onde o Kobukan Dojo abrigava um curso de Kendo, e entre 1936 e 1940, vários membros eminentes do Yushinkan, Nakakura,Kiyosji, Haga Jun’ichi, Nakajima Gorozo e outros freqüentaram nosso dojo. Na minha juventude, o fundador me incitou a estudar a arte do sabre da escola Kashima shinto, o que demonstra bem sua profunda ligação com essa arte e o respeito que ele lhe prestava. O Aikido não faz uso de nenhuma arma, é fundamentalmente uma arte marcial que se pratica de mãos nuas, mas a mão, por exemplo, não é uma simples extensão do corpo.. falar do sabre da mão (tegatana) permite sugerir que a mão se torna uma arma que corta como o sabre. E quando a mão é utilizada como um sabre, o movimento segue naturalmente o movimento do sabre. Esse é o exemplo da manifestação concreta de um princípio da arte do sabre em um movimento de Aikido.

Shiho-nage é o exemplo disso por excelência. O princípio da técnica é calcado sobre a manipulação do sabre. Em pé, em guarda à direita ou à esquerda, o sabre é levantado para cortar em quatro, dezesseis ou oito direções. A partir das técnicas de base do Aikido, entrada e espiral, o sabre da mão projeta os parceiros em quatro, oito ou dezesseis direções. Esta técnica pode ser modulada ao infinito, segundo a situação ou urgência. Quando o ataque é um golpe vindo da direita ou da esquerda do adversário, é possível responde-lo com shiho-nage. Se o ataque consiste em segurar os dois punhos por trás, e ainda possível, a partir dessa posição, realizar o shiho-nage. Quando os atacantes agarram os ombros de um parceiro ajoelhado, esse último pode se defender com um shiho-nage qualquer que seja a situação, shiho-nage segue mais ou menos a mesma construção.

Em um primeiro tempo, o equilíbrio do adversário é desestabilizado pela entrada e o movimento de rotação. Em um segundo tempo, o adversário é levado a seguir o movimento de rotação do defensor. Para terminar, a mão esquerda ou a mão direita (algumas vezes as duas) é utilizada como um sabre, levado acima da cabeça para descer de novo a fim de projetar o adversário.

No shiho-nage, cada movimento é ditado pela vontade de utilizar a mão como um sabre. Isso significa também que a mão do adversário é percebida como uma lâmina. Se bem que nenhuma das partes esteja armada, a ação é tão intensa como se duas lâminas nuas devessem se encontrar. Shiho-nage supõe que potência e eficácia emanam da concentração do ki e que o escoamento do ki, saído da respiração-energia, se exprime totalmente a través da mão – a lâmina do sabre – em um corte preciso e poderoso. Entre as técnicas do Aikido, shiho-nage é considerada como marca do começo e do fim da prática, a perfeição em sua realização como a demonstração do domínio em Aikido. Isso é devido ao fato de que essa técnica simboliza mais que qualquer outra a relação íntima existente entre o Aikido e a arte do sabre.

Apesar de que o Aikido ser fundamentalmente uma arte marcial que não faz uso de nenhuma arma, e que o treinamento consiste o mais frequentemente a opor dois adversários de mãos nuas, existe numerosas aplicações das técnicas de base para as quais será necessário recorrer a um sabre, faca, bastão curto ou longo. Nesses casos particulares, o princípio de usar a mão como um sabre será invertido, as armas sendo utilizadas e manipuladas não mais como objetos mas como extensões do corpo.

O gênio do fundador

O que foi dito deveria ser suficiente para demonstrar a relação estreita entre o Aikido e a arte do sabre. Mas isso não nos ajuda a compreender porque o fundador integrou a arte do sabre ao Aikido. De mais a mais, é preciso reconhecer o gênio do fundador que criou o Aikido inspirando-se fundamentalmente em duas artes marciais evidentemente de natureza diferente: o Jûjutsu clássico e a arte do sabre. Sua originalidade não reside unicamente na combinação assim obtida mas igualmente na maneira de se fazer um novo budo que soube tirar do que havia de melhor dos budos anteriores.

Criando o Aikido, o fundador realizaria seu mais ardente desejo: preservar no mundo moderno a herança inestimável do budo. A fim de chegar a seu objetivo, ele ultrapassou as querelas da forma para apreender a essência de cada arte marcial, desejando vê-la reviver em um novo budo. Ele foi guiado, nesse caso, pela profundidade de busca espiritual, procurando descobrir por entre o budo uma filosofia capaz de dar a vida e de preservá-la. O coração do budo foi transformado para se tornar o coração do Aikido, o caminho da Harmonia e do amor.

Kishomaru Ueshiba

Traduzido por Maria Imaculada de Araujo Walla

Feng Shui Interior

A bagunça é inimiga da prosperidade. Ninguém está livre da
desorganização.
A bagunça forma-se sem que se perceba e nem sempre é visível. A sala parece em ordem, a cozinha também, mas basta abrir os armários para ver que estão cheios de inutilidades.

De acordo com o Feng Shui Interior – uma corrente do Feng Shui que mistura aspectos psicológicos dos moradores com conceitos da tradicional técnica chinesa de harmonização de ambientes – bagunça provoca cansaço e imobilidade, faz as pessoas viverem no passado, engorda, confunde, deprime, tira o foco de coisas importantes, atrasa a vida e atrapalha relacionamentos.

Para evitar tudo isso fique atento às

REGRAS PARA DOMAR A BAGUNÇA:

1. Jogue fora o jornal de anteontem.

2. Somente coloque uma coisa nova em casa quando se livrar de uma velha.

3. Tenha latas de lixo espalhadas nos ambientes, use-as e limpe-as diariamente.

4. Guarde coisas semelhantes juntas; arrume roupas no armário de acordo com a cor e fique só com as que utiliza mesmo.

5. Toda sexta-feira é dia de jogar papel fora.

6. Todo dia 30, por exemplo, faça limpeza geral e use caixas de
papelão marcadas: lixo, consertos, reciclagem, em dúvida, presentes, doação. Após enchê-las, dê o destino apropriado.

7. Organize devagar, comece por gavetas e armários e depois escolha um cômodo, faça tudo no seu ritmo e observe as mudanças acontecendo na sua vida.

Veja uma lista de atitudes pessoais capazes de esgotar as nossas
energias. Conheça cada uma dessas ações para evitar a “crise energética pessoal”.

ATITUDES QUE DRENAM ENERGIA:

1. Maus hábitos, falta de cuidado com o corpo– Descanso, boa alimentação, hábitos saudáveis, exercícios físicos e o lazer são sempre colocados em segundo plano. A rotina corrida e a competitividade fazem com que haja negligência em relação a aspectos básicos para a manutenção da saúde energética.

2. Pensamentos obsessivos– Pensar gasta energia, e todos nós sabemos disso. Ficar remoendo um problema cansa mais do que um dia inteiro de trabalho físico. Quem não tem domínio sobre seus pensamentos – mal comum ao homem ocidental, torna-se escravo da mente e acaba gastando a energia que poderia ser convertida em
atitudes concretas, além de alimentar ainda mais os conflitos.

Não basta estar atento ao volume de pensamentos, é preciso prestar atenção à qualidade deles. Pensamentos positivos, éticos e elevados podem recarregar as energias, enquanto o pessimismo consome energia e atrai mais negatividade para nossas vidas.

3. Sentimentos tóxicos– Choques emocionais e raiva intensa também esgotam as energias, assim como ressentimentos e mágoas nutridos durante anos seguidos. Não é à toa que muitas pessoas ficam estagnadas e não são prósperas.

Isso acontece quando a energia que alimenta o prazer, o sucesso e a felicidade é gasta na manutenção de sentimentos negativos. Medo e culpa também gastam energia, e a ansiedade descompassa a vida. Por outro lado, os sentimentos positivos, como a amizade, o amor, a confiança, o desprendimento, a solidariedade, a auto-estima, a alegria e o bom-humor recarregam as energia e dão força para empreender nossos projetos e superar os obstáculos.

4. Fugir do presente– As energias são colocadas onde a atenção é focada. O homem tem a tendência de achar que no passado as coisas eram mais fáceis: “bons tempos aqueles!”, costumam dizer. Tanto os saudosistas, que se apegam às lembranças do passado, quanto aqueles que não conseguem esquecer os traumas, colocam suas energias no passado.

Por outro lado, os sonhadores ou as pessoas que vivem esperando pelo futuro, depositando nele sua felicidade e realização, deixam pouca ou nenhuma energia no presente. E é apenas no presente que podemos construir nossas vidas.

5. Falta de perdão– Perdoar significa soltar ressentimentos, mágoas e culpas. Libertar o que aconteceu e olhar para frente. Quanto mais perdoamos, menos bagagem interior carregamos, gastando menos energia ao alimentar as feridas do passado. Mais do que uma regra religiosa, o perdão é uma atitude inteligente daquele que busca viver bem e quer seus caminhos livres, abertos para a felicidade. Quem não sabe perdoar os outros e si mesmo, fica “energeticamente obeso”, carregando fardos passados.

6. Mentira pessoal-Todos mentem ao longo da vida, mas para sustentar as mentiras muita energia é gasta. Somos educados para desempenhar papéis e não para sermos nós mesmos: a mocinha boazinha, o machão, a vítima, a mãe extremosa, o corajoso, o pai enérgico, o mártir e o intelectual. Quando somos nós mesmos, a vida flui e tudo acontece com pouquíssimo
esforço.

7. Viver a vida do outro– Ninguém vive só e, por meio dos relacionamentos interpessoais, evoluímos e nos realizamos, mas é preciso ter noção de limites e saber amadurecer também nossa individualidade. Esse equilíbrio nos resguarda energeticamente e nos recarrega. Quem cuida da vida do outro, sofrendo seus problemas e interferindo mais do que é recomendável, acaba não tendo energia para construir sua própria vida. O único prêmio, nesse caso, é a frustração.

8. Bagunça e projetos inacabados– A bagunça afeta muito as pessoas, causando confusão mental e emocional. Um truque legal quando a vida anda confusa é arrumar a casa, os armários, gavetas, a bolsa e os documentos, além de fazer uma faxina no que está sujo.

À medida em que ordenamos e limpamos os objetos, também colocamos em ordem nossa mente e coração. Pode não resolver o problema, mas dá alívio. Não terminar as tarefas é outro “escape” de energia.

Todas as vezes que você vê, por exemplo, aquele trabalho que não concluiu, ele lhe “diz” inconscientemente: “você não me terminou! Você não me terminou!” Isso gasta uma energia tremenda.

Ou você a termina ou livre-se dela e assuma que não vai concluir o trabalho. O importante é tomar uma atitude. O desenvolvimento do autoconhecimento, da disciplina e da terminação farão com que você não invista em projetos que não serão concluídos e que apenas consumirão seu tempo e energia.

9. Afastamento da natureza– A natureza, nossa maior fonte de alimento energético, também nos limpa das energias estáticas e desarmoniosas. O homem moderno, que habita e trabalha em locais muitas vezes doentios e desequilibrados, vê-se privado dessa fonte maravilhosa de energia.

A competitividade, o individualismo e o estresse das grandes cidades agravam esse quadro e favorecem o vampirismo energético, onde todos sugam e são sugados em suas energias vitais. Posicionar os móveis de maneira correta, usar espelhos para proteger a entrada da casa, colocar sinos de vento para elevar a energia ou ter fontes d’água para acalmar o ambiente são medidas que se tornarão ineficientes se quem vive neste espaço não cuidar da própria energia.

Portanto, os efeitos positivos da aplicação do Feng Shui nos
ambientes estão diretamente relacionados à contenção da perda de energia das pessoas que moram ou trabalham no local. O ambiente faz a pessoa, e vice-versa.

A perda de energia pessoal pode ser manifestada de várias formas, tais como: o falha de memória (o famoso “branco”); o cansaço físico, o sono deixa se ser reparador; o ocorrência de doenças degenerativas e psicossomáticas.

Para economizar energia, o crescimento pessoal, a prosperidade e a satisfação diminuem, os talentos não se manifestam mais por falta de energia, o magnetismo pessoal desaparece, medo constante de que o outro o prejudique, aumentando a competição, o individualismo e a agressividade, falta proteção contra as energias negativas e aumenta o risco de sofrer com o “vampiro energético”.

Mentalize que, quando todos colocarem essas regras em prática, o mundo será mais justo e mais belo. Vamos tentar melhorar nossa energia pessoal. Atitudes erradas jogam energia pessoal no lixo.

S.Bernardelli

Kashima Shinto-Ryu

por Meik Skoss
Aiki News #99 (1994)
Traduzido por Nelson Wagner Santos

Às vezes é muito difícil saber em quem acreditar ou o que pensar quando aqueles numa posição de saber não podem, ou não dão à informação exata. Um caso sobre este ponto foi quando eu comecei a perguntar para alguns de meus professores e seniores sobre os antecedentes técnicos e influências históricas no desenvolvimento do aikido. O jujutsu do Daito-ryu é sentido geralmente como a base para técnicas desarmadas, mas as técnicas de armas vistas geralmente na arte foram atribuídas a um número de fontes. A maioria das pessoas com quem eu falei o pensa que o trabalho com espadas foi derivado do Yagyu-ryu ou do Yagyu Shinkage-ryu e que o uso do bastão vieram do Hozoin-ryu. Algumas pessoas eram enfáticas em dizer que todas as técnicas no aikido eram inteiramente criações do fundador da arte, Morihei Ueshiba. Depois que eu comecei a estudar o kobudo (artes marciais clássicas) eu mesmo e me tornei familiar com as características de muitos dos koryu diferentes (tradições marciais clássicas, escolas, ou estilos das artes), eu fui muito surpreendido ao ver que as armas que treinam seqüências mais frequentemente associadas com aikido de Ueshiba se assemelharam mais claramente àquelas do Kashima Shinto-ryu. Em todas as minhas conversas com professores e seniores nos dojos do aikido onde eu treinei ou visitei, eu nunca ouvi o nome deste koryu mencionado; as pessoas com quem eu falei confessaram a ignorância ou negaram qualquer conexão, e eu nunca recebi uma explanação satisfatória.

Logo depois que eu levantei estas questões, em 1978 ou 79, eu visitei o dojo do falecido Mestre Koichiro Yoshikawa, 64º Grão Mestre do Kashima Shinto-ryu. Responderam graciosamente muitas perguntas sobre a história e as técnicas do ryu. Além disso, mostrou-me um registro das pessoas que tinham entrado no Kashima Shinto-ryu e tinham feito keppan (literalmente “selo de sangue,” assinando o registro e selando-o com seu próprio sangue como amostra de sinceridade e intenção séria) datados de antes da Segunda Guerra Mundial. Adivinhem fãs do esporte? Um dos nomes no registro era o de Morihei Ueshiba, junto com o de Zenzaburo Akazawa, seu deshi. Foi-me dito que um monte de alunos da Kobukan, incluindo Morihei Ueshiba, estudou por um período de vários anos. Mais uma vez, quando eu trouxe à tona o assunto do Kashima Shinto-ryu e sua influência no aikido, diversas pessoas do aikido, incluindo um dos instrutores mais antigos no Aikikai, me asseguraram que eu estava confundido. A única ligação que eu poderia fazer era esta: a) Eu posso ler japonês, e b) eu vi o registro com meus próprios olhos (se pode discutir com um professor e seniores em inglês sem parecer impertinente, mas é quase impossível fazer algo assim no contexto japonês). Mais tarde, eu mencionei tudo isto a Stan Pranin, editor da Aiki News, e ele tinha estabelecido isto e muitos outros detalhes contundentes não publicados previamente do treinamento de Morihei Ueshiba nas artes marciais clássicas e a influência dos koryu em cima do desenvolvimento do aikido moderno. Muito mais trabalho, entretanto, permanece para ser feito.

Kashima Shinto-ryu é uma das tradições marcial mais antiga do Japão. Seus membros seguem a história do ryu há seiscentos anos até Kuniazuno Mabito, considerando ele ser o shiso, ou o progenitor, do original Ichi no Tachi ou Kashima no Tachi. Mesmo se alguém datar a história da tradição para época de Tsukahara Bokuden (Nascido. 1489), que é considerado por membros do Shinto-ryu ser o verdadeiro ryuso (fundador), há uma linha de sucessão direta contínua que dura mais de quinhentos anos.

Kuniazuno Mabito era um antepassado direto de Bokuden. Foi indicado para o cargo de curador, ou guardião, do Grande Templo do Kashima. Uma de suas responsabilidades era a manutenção da paz e da ordem dentro dos recintos do templo (o domínio manorial do Templo pode ser uma descrição mais exata; ele é grande atualmente, mas foi um dos latifundiários principais na região inteira e de exercia grande poder). Um espadachim notável, Mabito criou um grande corpo de técnicas e de métodos de treinamento e ensinou muitos estudantes que serviram como a guarda do Templo. Seus descendentes foram os Yoshikawa Urabe. Serviram como adivinhos assim como curadores do Templo, e fornecer a segurança armada transformou-se em um de seus deveres hereditários. Bokuden nasceu nesta família, mais tarde transformando-se em um yoshi, ou genro adotado do clã de Tsukahara.

Bokuden é frequentemente citado como kensei. Traduzido literalmente, a palavra significa a “santo da espada,”, mas ela significa mais corretamente um espadachim que transcendeu as técnicas meramente físicas e penetre à essência da esgrima, um cuja arte imbuída com uma dimensão espiritual extraordinária. Bokuden aprendeu o Katori Shinto-ryu de seu pai adotivo e aperfeiçoou mais tarde suas habilidades realizando o musha shugyo (treinamento ascético do guerreiro), viajando durante todo Japão e treinando com a maioria dos expoentes hábeis, conhecidos de seu tempo. Sistematizando mais tarde o ensino das artes marciais locais da área de Kashima. Após ter recebido uma inspiração divina de Takemikazuchi-no Kami, a divindade do Templo Kashima, “kokoro arata ni koto ni atare” ([aqueles] que mantém a mente de um novato [perspectiva nova; uma mente aberta à mudança], terá sucesso [pode confrontar/negociar, lidar com] em qualquer coisa), Bokuden pegou os dois caracteres (kanjis) para o novo e suceder, junto com o nome do Templo e deu um nome formal a seu sistema: Kashima Shinto-ryu.

O Kashima Shinto-ryu foi formado durante o Sengoku Jidai (idade de estados guerreiros), quando o país inteiro estava envolvido em uma série de guerras pelos senhores feudal que disputavam o controle militar e político. Suas técnicas são baseadas naturalmente nas experiências ganhas no campo de batalha e refletem a maneira em que se luta quando paramentado com a armadura da época o domaru e o gusoku yoroi. Os movimentos são dirigidos contra ao que seriam os pontos fracos ou as aberturas na armadura, particularmente as superfícies internas dos braços e dos pés e a área entre o peitoral e o pescoço ou as coxas. Muitas técnicas incorporam o atemi, golpeando com o pomo ou as costas da arma, para nocautear, ferir ou imobilizar o oponente. Os movimentos são grandes e parecem relativamente lentos nas técnicas projetadas para combate com armadura. As técnicas para o combate quando vestidos com roupas comuns ou somente protegidas mìnimamente pela armadura foram desenvolvidas mais tarde, e são, mais rápidas, menores e imperceptíveis, e alvejam um grande número de áreas no corpo do inimigo. O aprendizado esta centralizado na espada, mas incluem a lança (yari), o bastão (Jô e bô) e a alabarda (naginata).

Geralmente falando, os kamae (posturas de combate) no Kashima Shinto-ryu são enraizados, com os pés bem separados e o corpo um tanto abaixado (mi wa fukaku atae). Isto fornece uma base contínua, estável para os movimentos em campo aberto e ajuda para movimentos poderosos. A postura psicológica ou intenção do praticante de Kashima Shinto-ryu é agressiva (kokoro wa itsumo kakari nite ari), mas o corpo é mantido em uma maneira atenta, sem brandir a espada para o inimigo (tachi wa asaku nokoshite). Expondo-se ligeiramente para eliciar um ataque ou sondar a habilidade física do oponente e o estado mental (saguriuchi), podendo derrotar o oponente utilizando suas fraquezas.

O omote no tachi é compreendido de doze técnicas executadas com o bokuto reto, como de armadura. O primeiro destes, ichi no tachi, é quase idêntico a um exercício do mesmo nome ensinado por Morihiro Saito. O Ni no tachi do Kashima Shinto-ryu tem diversos elementos em comum com seqüência de treinamento do Saito, como san no tachi, mas há um número de diferenças também. Eu acredito que as diferenças refletem os ensinamentos que Saito recebeu de Ueshiba, e é relacionado à finalidade do treinamento da espada do aikido ao contrário daquele da esgrima clássica. Em todo o caso, foi observando o omote no tachi waza do Kashima Shinto-ryu que acendeu meu interesse nas conexões entre esta tradição clássica e o desenvolvimento do aikido.

Além do omote no tachi>, há um total de dezessete técnicas no chu gokui. Embora possam ser feitos com bokuto, é executada geralmente usando o fukuro shinai, uma espada do treinamento feita de bambu rachado encerrado em um saco do couro ou de lona. Esta arma permite que os praticantes experimentem o treinamento aplicado com mais segurança, porque o impacto do shinai não causa ferimento sério. A maioria das técnicas envolve treinar de encontro a um outro espadachim, mas diversas delas envolvem respostas à lança e a alabarda. O kojo okui jukka no tachi é uma série de dez técnicas com as espadas longas e curtas, sozinhas ou em conjunto, usando espadas de metal. Se as espadas forem reais, com bordas afiadas, esta pode ser chamada como habiki; na prática, entretanto, as espadas com (sem corte) bordas rebatidas (mugito) são usadas geralmente. O Tonomono tachi é uma seqüência de doze técnicas que concentram em aspectos sutis e dos princípios da esgrima. Há oito bojutsu kata, dando ao estudante do Kashima Shinto-ryu o completo conhecimento no uso do rokushakubo (bastão de madeira de seis pés). A parcela de sojutsu (lança) do currículo contém mais de trinta exercícios, e inclui técnicas com e de encontro ao kamayari (lança com gancho, lança com barra transversal), e a naginata (alabarda), assim como o bajo sojutsu (uso da lança quando montado a cavalo). Finalmente, há vinte e seis battojutsu, técnicas de sacar a espada. Incluem técnicas simples para sacar e cortar, lidando com oponentes múltiplos, e ataques de surpresa.

Atualmente, os treinos ocorrem somente uma vez por semana durante a maior parte do ano. Em janeiro, durante a parte mais fria do inverno, entretanto, a prática é feita diariamente. Os alunos variam de meninos na adolescência a diversos homens na casas dos oitenta anos. Como são comuns com a maioria dos koryu, as licenças ao invés da graduação de Dan (dan-i) são concedidos, indicando o grau de proficiência alcançado e a quantidade do currículo que se estudou. A permissão para ensinar é dada somente após ter alcançado um determinado nível, e somente com a autorização expressa do Grão Mestre do ryu. Atualmente, quatro homens da Inglaterra se juntaram ao ryu e treinaram-no por um período de tempo considerável antes de retornar para casa. Os estudantes de Aikido interessados em aprender mais sobre as raízes técnicas de sua arte podem considerar as possibilidades de treinar nesta tradição clássica.

Copyright ©1993 Meik Skoss. Todos os direitos reservados.

Meik Skoss começou a treinar artes marciais em 1966 em Los Angeles, quando se juntou ao dojo de aikido de Takahashi Isao. Foi ao Japão em 1973 continuar treinando o aikido e o iaido de Muso Jikiden Eishin-ryu com Hikitsuchi Michio. Após mudar-se para Tokyo em 1976, Skoss começou seu estudo do jojutsu de Shinto Muso-ryu com o Shimizu Takaji, um naginatajutsu de Toda-ha Buko-ryu com o naginatajutsu de Muto Mitsu, e do Tendo-ryu com Sawada Hanae, bem como continuar a praticar o aikido no Dojo do Aikikai Hombu. Foi também nesta época que começou a trabalhar com Donn F. Draeger e acompanhou o mestre hoplologista em um número de viagens a campo no Sudeste Asiático. Em 1979 começou a estudar o battojutsu sob o Grão Mestre da 21ª geração, Yagyu Nobuharu Toshimichi do Yagyu Shinkage-ryu heiho/kenjutsu e de Yagyu Seigo-ryu. Praticou também o judo, tai-chi chuan, karatedo do estilo Goju-ryu e, além do koryu acima, atualmente treina judo, atarashii naginata e jukendo. Skoss possui a graduação de 4º Dan de aikido (Aikikai), 5º Dan de jodo de Zen Nihon Kendo Renmei, 5º Dan de Jukendo, 3º Da de Tankendo, 2º Dan de atarashii naginata, okuden mokuroku e shihan licenciado em naginatajutsu do Toda-ha Buko-ryu, e sho-mokuroku no jojutsu de Shinto Muso-ryu. É um dos inúmeros hoplologistas que continuam o trabalho de Donn F. Draeger e viajou por todo o Japão para visitar muitos koryus e os dojos modernos de budo para coletar as informações em artes marciais japonesas. Atualmente reside em New Jersey, e com sua esposa ensinam o jojutsu, o kenjutsu e o naginatajutsu em um dojo em Madison. Pode ser encontrado no e-mail: mskoss@koryubooks.com

Curvando-se à Realidade

por David Lynch

Aikido Journal #116 (1999)
Traduzido por Jefferson Bastreghi

Parece incrivelmente óbvio, contudo eu me deparo continuamente com pessoas que parecem incapazes de dizer a diferença entre treinar e lutar.

Alguns insistem, por exemplo, que você deveria manter seus olhos fixos no seu parceiro enquanto se curva, para o caso de você ser golpeado na nuca, receber uma joelhada no rosto, ou sujeitar-se a algum outro ataque covarde.

Espanta-me minha imaginação, entretanto, de que alguém se curvaria em uma briga real – deixando-se de lado se “briga” é a palavra certa para se dirigir ao Aikidô – então eu não posso entender de onde estas pessoas estão vindo. A menos, é claro, que esta é uma questão de manter algum código arcaico de honra no qual combatentes se curvam uns aos outros antes de se atracarem em uma luta de vida ou morte.

Em uma versão contemporânea, isto envolveria um floreio elaborado do boné de baseball: “Fred Bloggs, da nobre família Bloggs, a seu serviço, Senhor. Permita-me a honra de uma luta até a morte. Canivetes ou correntes de bicicleta? A escolha é sua.” Eu acho ridículo confundir treino no dojô, isto é, aprender as técnicas e os princípios por trás delas em um ambiente seguro com um parceiro cooperativo, com alguma espécie de vale-tudo.

No dojô, cortesias são observadas, linhas são traçadas, e é entendido por todos os participantes (de fato?) que você está treinando, não lutando. De qual outro modo você aprenderia técnicas potencialmente mortais? De qual outro modo compreenderíamos os princípios mentais e espirituais da arte?

Se treinar no dojô é suposto a se igualar a uma “luta real” haveria pouco sentido em usar um uniforme e treinar com os pés descalços no tatame, usando (pior ainda) formas de ataque pré-arranjadas. Que irrealista!

Poderia ser que a confusão sobre isto vem do fato que tantas artes marciais se tornaram esportes competitivos? Ou é porque a indústria cinematográfica de Hong Kong tem saturado tanto a mente do público com cenas de heróis e vilões esbanjando força bruta para provar qual dojo é o melhor, que esta imagem celulóide se tornou a única a que algumas pessoas se relacionam?

A etiqueta no dojô é levada a sério no Aikidô, e curvar-se é considerado uma parte importante disso, complementar ao aspecto marcial. O ato de se curvar originou-se, como o aperto de mão, como um gesto de respeito e confiança. Curvar-se com nada além de desconfiança no seu coração seria negar completamente este significado. Seria também extremamente má conduta, e realmente não entendo a lógica daqueles que insistem em fazer isso. Estou aberto a correções, mas eu sinto que este é outro exemplo de uma atitude competitiva mal-orientada, o que é particularmente inapropriado ao treinamento do Aikidô. Nós vemos isso também naquelas pessoas que continuamente resistem a técnicas.

De onde vem esta necessidade desesperada por “realismo”? Parece ser um desenvolvimento moderno, julgando-se sua completa ausência nas formas antigas de treinamento, incluindo aikijujutsu.

Eu não tenho grande experiência de “luta de rua” (estou geralmente no meu carro quando saio nas ruas!), então pode haver algo que eu não esteja compreendendo. A visão que há muitas pessoas sórdidas, não-confiáveis “lá fora” pode sustentar esta abordagem negativa ao treinamento. Mas desconfiança constante ao companheiro seria um modo muito patético de vida – ou melhor, modo de morte – e a sociedade certamente ainda não atingiu aquele nível sombrio.

Treinamento em “estar atento” (uma idéia com tantas interpretações quanto ela tem advogado) é importante, mas isto não depende somente dos olhos. Na verdade, muitos mestres de budô instruem especificamente os seus estudantes a não olharem diretamente nos olhos dos seus oponentes. Eu não vejo conflito entre treinamento cooperativo no Aikidô e treinamento em “estar atento”. Ao invés de competir uns com os outros, nós deveríamos tentar aumentar nossa atenção durante o treino para que cada movimento nosso se torne vivo e não apenas uma repetição mecânica.

Aprendizado repetitivo de técnicas poderia levar a reações não apropriadas em algumas situações (o que é o porquê nós somos alertados a não ficarmos presos na forma), mas não posso imaginar alguém indo tão longe a ponto de automaticamente curvar-se a um agressor seriamente intencionado a machucá-lo. Há uma piada sobre o vilão, preso seguramente em uma chave de pulso por um oficial de polícia, que sinaliza com o sinal ortodoxo de submissão do dojô batendo com sua mão livre, e imediatamente foge quando o oficial reflexivamente solta sua pegada. Parece possível, embora improvável, que tais hábitos de treino poderiam se mostrar no momento errado.

Devo admitir, entretanto, que uma vez fui beneficiado por uma ação reflexiva similar em um campo de treinamento, onde eu fui “atocaiado”. No dia final do campo, voluntários pisaram no tatame para lidar com múltiplos ataques por diversos números de ukes. Quando foi minha vez, alguém tinha secretamente espalhado a palavra e o grupo inteiro de umas cinqüenta e tanto pessoas levantaram-se simultaneamente e começaram a me atacar. Depois de uns poucos segundos evitando os primeiros, eu soltei um alto kiai, da variedade “hai, iiiiii….” e preparei-me para encontrar meu destino. Eu pensei que pelo menos iria tombar lutando.

Para o meu espanto, todos repentinamente pararam de me atacar, ajoelharam-se e curvaram-se respeitosamente. Aparentemente eles acharam que eu tinha gritado “Yame!” (“Pare!”), este foi o kiai mais efetivo que eu poderia ter desejado, embora eu me senti um pouco tolo quando a oposição esmagadora repentinamente se evaporou.

Nós somos criaturas de hábito – produtos, sem dúvida, de nosso ambiente, do qual não é fácil nos separarmos.

Observei este fato recentemente, de um ângulo diferente, quando eu questionei um instrutor japonês de elevado ranking sobre como ele aplicava seus 40 e poucos anos de Aikidô em sua vida diária.

Suas respostas foram fascinantes: “Quando eu fico bêbado, eu volto para casa e faço exercícios de respiração aiki para reduzir a ressaca da manhã seguinte.” E: “Eu tenho acumulado altas dívidas, mas meu treino tem me capacitado a ser filosófico sobre isto, enquanto que uma pessoa comum (não treinada) iria provavelmente ficar doente de preocupação.”

Aparentemente, não ocorreu a este sensei usar seu conhecimento para ficar sóbrio ou para gerenciar melhor suas finanças. Seu ambiente evidentemente ainda assim exerceu uma influência considerável sobre ele. É mais fácil ver isto nos outros, é claro, do que em nós mesmos.

Exercitando o corpo enquanto ainda somos jovens

Por Gozo Shioda Sensei 9 dan.

Como um princípio fundamental do Aikido, treinamos sem usar forças desnecessárias. Diferente de outras artes marciais, onde existem muitos exercícios para treinamento muscular, o treino de Aikido não inclui este tipo de atividade. A questão é: porque não usamos treinamento muscular e, se usarmos, até que ponto devemos fazê-lo? Caso Ueshiba Sensei visse pessoas levantando e puxando pesos, ele comentaria: “Que exercícios tediosos” e nos aconselharia a não fazê-los.
Mas, de fato, quando eu estava sozinho costumava praticar vários tipos de exercícios para treinar meu físico. Era jovem e cheio de energia, e como estava muito ávido para ficar forte, não me sentia satisfeito, a não ser que fizesse todos os tipos de exercícios até me cansar e tratar meu corpo com dureza.
Pensando melhor sobre isso, desafiando meus limites físicos, estava simultaneamente construindo minha força mental. Faria muitas flexões: facilmente 250 por dia. Barra horizontal também, quando estivesse com disposição. Poderia fazer mais de 300 por vez. Barra com uma mão era fácil também. Quando estava no segundo ano do colegial, representava a região de Kanto na ginástica. Como um jovem, estava bastante confiante na minha força física e habilidade.
Foi graças a esse tipo de treinamento que pude ganhar de Masahiko Kimura no braço-de-ferro. Naquele tempo éramos dois estudantes da Universidade Takushoku, da mesma classe de inglês. O braço-de-ferro era muito popular. Era só um de nós querermos uma disputa que uma das mesas da classe imediatamente se transformava em cena de confronto.
O sr. Kimura já era o melhor judoca do Japão e muito mais forte que a média. Um tipo de “Hércules”. Ele podia entortar uma moeda entre os dedos, quebrar uma porta japonesa entre seus braços ou mesmo entortar uma barra de chumbo. A primeira vez que lutamos me lembro da minha mão direita sendo imobilizada nas mãos de Kimura. Lembro-me também de ter esperado algum tipo de reação por parte dele. Mas tão logo o sinal do início foi dado, juntei toda minha força contra ele antes que ele pudesse usar qualquer força. Surpreso, e quase sem resistência, sua grande força não utilizada, sr. Kimura virou-se e caiu. Ele riu vigorosamente, dizendo: “Eu perdi antes que pudesse ter feito qualquer coisa.”
Foi assim que ganhei no nosso primeiro confronto, mas como meu oponente era um homem particularmente forte, as outras vezes não foram tão boas assim. A vez seguinte, perdi. Nós tentamos de novo, muitas vezes perdendo e ganhando em turnos.

NO FINAL DO PROCESSO DE
TREINAMENTO “ESPARTANO”, A FORÇA SE FOI

Houve um tempo que eu era orgulhoso da minha força física. Naquele tempo, usava só o poder e a força das mãos quando executava as técnicas. Aliás, no Dojo Ueshiba, havia sempre entre 20 jovens estudantes da religião Omoto Kyo, que estavam sempre se confrontando e testando uns aos outros, com o uso de muita força. Durante o processo de treino, isto é aceitável. Mesmo que eu peça para os jovens não usarem força, naturalmente eles usam. Esta é a realidade quando somos jovens. Para testar e limitar o uso da força, perdemos a proposta de nosso treino.
O importante é fazer nosso melhor a cada estágio de nosso progresso. Devemos levar nosso corpo e mente até o limite e, se não treinarmos até nos satisfazermos, então não podemos sentir e assimilar mentalmente com nosso corpo o que é realmente vital.
Os KIDOTAI, polícia de choque, que treinam em nosso Dojo, são um bom exemplo. Não falo para eles para não usarem força. Nós os levamos até seus limites e quando eles estão tão cansados que suas pernas e quadris mal podem suportá-los, não usam mais força. Anteriormente, quando o Dojo era em Musashi Koganei, todo mês de abril os funcionários da estação ferroviária podiam olhar para o corrimão da escada e dizer “parece que a polícia começou seu treino na Yoshinkan novamente este ano.”
Os treinees estavam tão exaustos com seu treino que seguravam nos corrimões para se arrastarem para cima e para baixo na escada mantendo-os, assim, limpos e polidos.
Se não treinarmos duro não poderemos realizar o Aikido como arte marcial. Entretanto, nem todo mundo é capaz de fazer ou seguir este tipo de treino. Por isso, hoje em dia no nosso Dojo temos um modelo de ensino.
Quando somos jovens, podemos forçar nosso corpo fisicamente. Fazendo isso, entendemos melhor sobre nós mesmos e começamos a desenvolver nossa força mental. Assim que começamos a envelhecer, nossa força física gradualmente desaparece. Quando isso acontece, somos capazes, pela primeira vez, de sentir e realizar efetivamente o poder e o foco do Kokyuryoku, o qual não depende de força física.
Entretanto, esse nível só é alcançado através do treino duro e absoluto feito enquanto somos jovens. Se nós nos restringirmos desde o começo e fizermos treinos leves durante os anos seguintes, então de nada terá adiantado. Ueshiba Sensei nos disse para não usar força, mas na verdade ele treinou muito forte quando jovem. Chegando ao fim de sua vida, alcançou o estágio que podia demonstrar “técnicas divinas” por causa de sua experiência. Não podemos esquecer esse ponto.

DEVEMOS CONSTRUIR FÍSICOS QUE SE MOVAM NATURALMENTE

O que significa para pessoas que seguem um treinamento espartano “construir o físico de alguém?” Vamos olhar o físico que Ueshiba Sensei tinha. Mesmo o físico do Sensei sendo bem largo, ele não possuía grandes músculos. Em fotos, nós o vemos com o corpo enrugado.
A realidade era um pouco diferente. Seu corpo não era duro, mas era, no todo, macio e liso. Tinha sempre que lavar as costas do Sensei no banho ou que massagear seu corpo e com isso tive muitas oportunidades de tocá-lo. Mesmo hoje, me lembro o quanto ele era flexível e suave. Quando o segurava com pressão dos dedos por um momento e depois soltava, sua pele voltava ao estado normal suavemente – era esse o tipo de físico dele. Quando segurávamos suas mãos, havia um sentimento estranho. Primeiro nós não sentíamos força ou poder, mas sem se dar conta do que tinha acontecido, nós nos sentíamos presos. Em outras palavras: ele era leve, mas era uma leveza com um terrível tipo de poder e de força que poderia ser despertado, se necessário.
Porque Ueshiba Sensei é o fundador do Aikido e tinha este tipo de físico, nós poderíamos ser levados a pensar que todos que treinam Aikido deveriam ter o mesmo tipo de constituição. Este, entretanto, não é o caso. Ueshiba Sensei costumava dizer que nós deveríamos estar prontos e preparados para construir nosso corpo, mas de modo que estivesse de acordo com a nossa estrutura e constituição. “Por isso Shioda, se você tentar desenvolver um corpo igual ao meu, você não será capaz de se mover naturalmente”, ele me disse uma vez. Em outras palavras, Ueshiba Sensei estava querendo dizer que o Aikido é uma das maiores formas de Budo porque é natural. Por esse motivo, não devemos tentar construir um corpo contra a natureza, mas sim um corpo que combine conosco.
No entanto, muitas pessoas confundem a natureza. Por exemplo, é estranho quando o corpo envelhece e se transforma, fica rígido, para forçar a fazer os mesmos tipos de exercícios que os jovens fazem. Isto somente tende a prejudicar os músculos. É igualmente estranho se nós tentamos e construímos músculos desnecessários num corpo pequeno através de levantamento de pesos até o corpo ficar forte. Este tipo de tentativa vai contra a natureza. Se nós persistirmos em ir contra a natureza, podemos ficar fortes em musculatura, mas não seremos capazes de alcançar o segredo do Aikido.
Até o ponto que o Aikido interessa, o desenho ideal para o físico é aquele que não é deficiente para o tipo de atividade que fazemos. A revelação de Ueshiba Sensei que a “postura natural quando andamos é Budo”, se aplica a esse assunto. O Aikido pode ser praticado por qualquer um. Pessoas com físico rígido praticam como pessoas rígidas. Aqueles com físicos gordos, como pessoas gordas. Qualquer situação onde nós podemos nos movimentar naturalmente está bom.
Contrariamente, podemos dizer que devemos mudar nosso corpo para este se tornar natural. Shugyo (treino “espartano”) afeta essa mudança, mas necessita de esforços contínuos para aperfeiçoar isso. Se desenvolvemos nosso corpo do melhor modo possível, de acordo com a nossa idade e nosso físico, então mesmo sendo velhos podemos ainda praticar Aikido.
(Traduzido da Revista Aikido Yoshinkan International)

Traduzido por Emy Yoshida

Hakama

Hakama é na verdade um tipo de calça pregueada, usada por cima de um Kimono ou um tipo de vestimenta. Hakama é usado hoje em ocasiões formais, e também usado na prática de artes marciais tradicionais como: Aikido, Kendo, Kenjutsu e nas artes do Arco e Flecha.
No manual das artes marciais, diz-se que as 7 pregas de um Hakama representam as setes virtudes do Bushido que são:
• Gi – a decisão certa;
• Yu – bravura;
• Jin – amor universal, benevolência com a humanidade, compaixão;
• Rei – ação correta, cortesia;
• Makoto – sinceridade, veracidade;
• Meyo – honra;
• Chugi – devoção, lealdade.
Um pouco de sua História
Houve muitos tipos de Hakama durante todo período de tempo entre o primeiro documentado no século X, até seu uso nos dias de hoje. Aqui pode-se ver um tipo de Hakama de pernas muito longas, pela qual era bem comum entre as classes mais altas da sociedade japonesa.Parece que a pré forma do primeiro Hakama desenvolvido no Japão, por volta do ano 900, era usado tanto por homens como por mulheres. Desde a corte, a vestimenta se espalhou para outras classes, que somente modificou sua aparência. Quanto a classe de guerreiros samurais formou-se no fim do século XII, o Hakama parecia ter sido espalhado na sociedade, os próprios samurais usavam esse tipo de calças largas quando estavam fora das campanhas de batalhas, poderia dizer que durante a vida civil, mas o tipo de denominação não está inteiramente correto, visto que os samurais estavam sempre de plantão por toda sua vida. O tecido aplicado na confecção do Hakama, também variou, dependendo da classe econômica da sociedade. As classes de mais poder aquisitivo podiam usar seus Hakamas de seda da melhor qualidade, enquanto as classes de baixa renda não podiam usar tal vestimenta, o tipo de roupas para eles era no entanto do tipo mais simples. As cores dos Hakamas variaram bastante durante sua longa história, dos escuros, das cores neutras até as brilhantes. Em diversos filmes de Akira Kurosawa podemos ver a história e o esplendor dos Hakamas. Isso até em filmes preto e branco, como Yojimbo, e os Sete Samurais, mas também nos filmes coloridos, por exemplo Kagemusha, que é bem evidente.
Muito frequentemente, o Hakama demonstrou intrigados tecidos de padrões florais ou simbólicos, o comprimento de suas pernas também variaram durante todo período, dos mais curtos, bem acima do tornozelo, aos mais compridos que se andavam completamente escondidos dentro do Hakama. Então levando-se em consideração todas as partes acima, entende-se que a total variação do Hakama tem sido enorme. Parece que o Hakama original era um tipo de vestimenta unissex, que era usada por ambos os sexos, tenho a impressão que de forma gradual o Hakama ficou sendo predominantemente usado pelos homens. Mulheres que serviam ao grande Santuário de Ise, sempre usaram Hakama vermelho e Kimono branco, uma tradição usada até hoje. Desde o século XIX, o Hakama tem sido novamente usado entre as mulheres, pelo menos durante certas ocasiões, por exemplo quando se formam em Universidades, podem escolher entre usar Hakama ou um yukata durante suas cerimônias de graduação, pelo menos em algumas Universidades. O casaco que ele usa é chamado Haori. Os samurais eram provavelmente os guerreiros mais habilidosos que o mundo já viu. Eles eram treinados em artes marciais desde os 5 anos de idade, e desde então acostumavam a prática repetitiva por diferentes senseis. Uma marca registrada desses guerreiros habilidosos eram seus Hakamas.
Na maioria das academias de Aikido, o Hakama é sinal que se alcançou o nível de Shodan (faixa preta). Em muitos países europeus, o Hakama é dado aqueles que alcançam o 3º kyu, que é a metade do caminho para faixa preta. No Yoshinkam Aikido, a interessante direção de Shihan Gozo Shioda, não se é permitido o uso do Hakama até o 4º Dan.No Aikido, o Hakama é para um certo nível. É um tipo de vestimenta do qual deve-se orgulhar. Se alguém que pratica Aikido se sente embaraçado ao usa-lo pela primeira vez, geralmente mudam de opinião logo nos primeiros movimentos, tornam-se mais conscientes de suas posturas. É como se o Hakama guiasse o corpo a ficar numa postura mais ereto e elegante.
Nas costas do Hakama, o nome do dono é geralmente colocado do lado direito, bordado em japonês com kanji chinês, ou sinais de katakana japonês. A cor da linha é laranja intenso ou amarelo.

Bambu

O nosso caminho dentro do Aikido tem muito a ver com a história abaixo. Frequentemente os iniciantes em seus primeiros anos e kyus se perguntam quanto tempo levarão para aprender o mínimo ou se irão aprender. Quanto “chegamos aos dans” aí o esforço é para manter a mente de aprendiz e continuar nosso aprendizado.
O Aikido, talvez mais do que outras artes marciais, exige paciência.

“BAMBU
Você sabia que depois de plantada a semente do bambu chinês não se vê nada por aproximadamente cinco anos, exceto um lento desabrochar de um diminuto broto a partir do bulbo?
Durante cinco anos todo o crescimento é subterrâneo, invisível a olho nu, mas… uma maciça e fibrosa estrutura de raiz, que se estende vertical e horizontalmente pela terra, está sendo construída.
Ocorre, então, que ao final do quinto ano, o bambu cresce até atingir uma altura de 25 metros.
A respeito disso, um escritor de nome Covey assim escreveu:
“Muitas coisas na vida pessoal e profissional são iguais ao bambu chinês.
Você trabalha, investe tempo, esforço, enfim, faz tudo o que pode para nutrir seu crescimento. Às vezes não vê nada por semanas, meses, ou mesmo, anos. Mas, se tiver paciência para continuar trabalhando, persistindo e nutrindo (seu esforço), seu quinto ano chegará, e, com ele, virá o crescimento e as mudanças que você jamais esperou…”
O bambu chinês nos ensina que não devemos desistir facilmente de nossos projetos e de nossos sonhos!!!
Procure cultivar sempre dois bons hábitos em sua vida: a persistência e a paciência, pois você merece alcançar todos os seus sonhos!!!
É preciso muita fibra para chegar às alturas e, ao mesmo tempo, muita flexibilidade para se curvar ao chão.”

Querer vencer!

“No esporte, nas empresas e na vida, muitas vezes não são o preparo, a estratégia ou as táticas que fazem a diferença…. ….O que realmente faz a diferença são a emoção, o entusiasmo e a vontade de fazer acontecer. Vencer não é tudo na vida. Querer vencer, é…..

Morihiro Saito: Seguindo o Fundador dentro da história

Por Gaku Homma

30 de Janeiro de 2003.
Nota do autor: partes deste artigo foram escritas logo após a passagem do Shihan Morihiro Saito, mas, mantendo-se as tradições japonesas de luto, não foram publicadas até o início do Ano Novo seguinte.De 7 a 9 de fevereiro de 2003 o Sensei Hitohiro Saito estará em Denver para lecionar no Seminário Memorial Americano realizado em homenagem ao seu pai o Shihan Morihiro Saito.

Existem muitos livros técnicos escritos sobre o Shihan Saito e o seu Aikido. Existem muitas entrevistas e artigos escritos a seu respeito como Guardião do Templo Aiki e como líder do Dojo de Iwama durante sua vida. Para aqueles que poderão vir ao seminário em sua memória e para aqueles que não poderão comparecer eu gostaria de compartilhar o que eu sei a respeito de uma faceta de Saito Shihan sobre a qual não se escreve freqüentemente; o lado mais reservado do homem que é conhecido publicamente em todo o mundo como o grande artista marcial que ele foi.

Saito Shihan teve muitos uchideshi, e milhares de estudantes que partilham de seus ensinamentos e de sua missão. Existem poucos, no entanto, que viram seu lado mais pessoal e privado. Sua família, estudantes antigos mais próximos e amigos de longa data tais como Stanley Pranin, editor do Aikido Journal, conheceram a sua “face real”, como isso pode ser chamado, ou sua maneira pessoal.

Minha relação com Saito Shihan se estendeu por mais de quatro décadas, começando em Iwama quando eu era apenas um rapaz. Desde aqueles dias distantes até os anos recentes, eu tive a honra de conhecê-lo e de compartilhar com ele alguns de seus momentos privados. Um dos seus últimos pedidos foi que eu dissesse o que pensava sobre ele nos últimos dias de sua batalha final. Ele, especialmente, quis que seus estudantes nos Estados Unidos entendessem o fim de sua vida como um meio de entender o seu começo. E foi com esse objetivo que eu peguei minha caneta para escrever…


Como seres humanos e Aikidoístas nós, freqüentemente, pensamos na morte como algo negativo, algo a ser evitado o máximo de tempo possível. Não importa se uma pessoa é um mendigo sem teto vagando pelas ruas, um negociante bem sucedido em Wall Street ou um artista marcial, ninguém nesse mundo pode escapar da morte. Artistas marciais e astros de cinema, eu suponho, estão ambos sob os holofotes quando estão no topo de suas carreiras. Nós ouvimos falar sobre eles quando vencem campeonatos ou quando recebem Oscars. Quando eles envelhecem eles parecem desvanecer e desaparecem. Conforme a história do Aikido se estende, as gerações de estudantes envelhecem. São muitos os aikidoístas da primeira geração que há muito tempo não estão mais conosco. Como seres humanos nós não escapamos da morte. Não importa o quão fortes ou famosos possam ser, os artistas marciais não vivem para sempre. Como um artista marcial se prepara para este momento inevitável, no entanto, pode ser uma grande lição para todos nós. E esta é a última grande lição do Shihan Morihiro Saito para todos nós. Ele disse uma vez que morrer não é algo para ser temido, a morte deve ser algo a ser encarado com coragem e dignidade.

A primeira vez que eu falei com Saito Shihan a respeito de vir com o seu filho a Denver foi em 1999. “Obrigado, mas não, obrigado” foi a sua resposta. “Estudantes que vêm a Denver para praticar no meu seminário estão interessados em aprenderem comigo. Eles não são estudantes de Hirohito por algum direito de nascença. Como pai não é bom para mim que eu simplesmente lhe apresente a organização e a estrutura que eu construí em uma bandeja. Assim é muito fácil. Se Hirohito quer fazer uma vida dentro do Aikido ele tem que fazer por si próprio. Depois que eu tiver ido, eu lhe peço então que convide Hirohito para ir a Denver. Ele terá que realizar o seu próprio começo nesse país e eu confio em você para lhe dar uma sólida plataforma onde começar”.

Este Seminário Memorial Americano realizado em homenagem ao Shihan Morihiro Saito é o meu presente para o pai Morihiro Saito… e para o seu filho, bem como para o começo de uma nova geração que virá.

Gaku Homma.

Com a tristeza ainda apegada aos meus pensamentos, eu deixei, em seguida, os serviços funerários e rapidamente e me encaminhei à Prefeitura de Wakayama para visitar Tanabe, lugar de nascimento e descanso final do Fundador do Aikido, Morihei Ueshiba, no templo Kozanji. Junto a tumba do Fundador eu permaneci em silêncio para prestar minhas reverências. Enquanto eu estava ali eu notei algo muito interessante; três tosoba (tábuas de madeira onde se inscrevem orações) estavam diligentemente erigidas atrás da tumba do Fundador. Uma estava inscrita com o nome “Morihiro Saito” e as outras duas com o nome “Moriteru Ueshiba”, o neto e herdeiro do legado do Fundador Morihei Ueshiba. Essas eram as únicas três tosoba colocadas ali no último ano. A tosoba do Shihan Morihiro Saito estava datada de 10 de junho de 2001. O Doshu Moriteru Ueshiba tinha duas tosoba datadas de 31 de março de 2001.

Muitos Aikidoístas têm vindo a esse lugar de descanso para tirar uma foto, mas apenas dois tiveram tempo e acolheram as despesas (aproximadamente $500 por cada tosoba) para contratarem os serviços do sacerdote local para oferecer esta oração especial. Esses oradores permaneceram através das marcas da tosoba. Ali, de pé, pensando, eu me dei conta de que Morihiro Saito Shihan provavelmente veio aqui para dizer adeus.


No mês de maio de 2002 nós perdemos um grande artista marcial, Morihiro Saito. Morihiro Saito era um ser humano, bem como um artista marcial, de grande estatura. Ele enfrentou sua última batalha – contra o câncer – de cabeça erguida, com calma e determinação. Seu modo de agir e elegância foram as suas últimas lições, uma das muitas que ele, silenciosamente, ensinou a todos nós, seus estudantes.

Eu quero escrever sobre Morihiro Saito, o homem, desta forma vocês poderão ter mais entendimento sobre a vida – e o fim da vida – de um verdadeiramente grande artista marcial.

Em 1997, Morihiro Saito veio à Denver, Colorado pela terceira vez. Ele veio ensinar em seu maior seminário de 1997 prestigiado por mais de 350 estudantes. “Todos gostaram do Seminário?”. Esta pergunta foi respondida com aplausos. “Esta pode ser a minha última visita à America”, ele continuou, “Vocês gostariam que eu viesse novamente?”. Mais uma vez esta pergunta foi respondida com estrondoso aplauso.

Contudo ele não conseguia nem engolir sua comida direito. Ele me confidenciou que havia feito um exame físico completo antes de vir e que alguns dos resultados não tinham sido bons. “Eu provavelmente terei que fazer uma cirurgia quando voltar ao Japão”, ele disse. Isto, no entanto, não o impediu de vir. Ele não esperou por uma resposta e disse aos seus médicos que precisava vir aos Estados Unidos. Ele também não ouviu os avisos de sua família, que já havia me dito que a sua condição era séria. Eu mesmo fui ao Japão pessoalmente para tentar dissuadi-lo de vir. “Eu não estou doente!” ele insistiu diante de um copo de shochu. Com um pesado sotaque Ibaraki ele continuou; “Não se preocupe, eu ainda estou bem. Eu posso estar com uma enfermidade, mas meu espírito não está doente. Existem muitas coisas que eu ainda posso fazer e ir aos Estados Unidos é uma delas!”. Depois de escutar isso, o que eu poderia fazer mais a não ser concordar? Quando o Shihan decidia alguma coisa não havia muito o que dizer além de “sim, Senhor”.


Morihiro Saito Shihan Aikikai Hombu 9th Dan, líder do Dojo Ibaragi Iwama e guardião do Templo Aiki era uma importante liderança dentro do mundo do Aikido. Se alguma coisa acontecesse com ele em Denver isto seria mais do que uma tragédia.

Antes do Seminário ele não falou a nenhum de seus estudantes a respeito de sua condição. Tentando não levantar preocupações, nós fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para cuidar dele. Dois de meus estudantes são pilotos da United Airlines e eles foram à Tokyo pessoalmente para o trazerem. Ele voou todo o tempo de primeira classe. Existe uma foto de Saito Shihan sentado na cadeira do capitão, na cabine, com o piloto da United e presidente da Nippon Kan Doug Kelly. Esta é uma foto que eu o vi exibindo várias vezes. Depois ele me confidenciou que, “Primeira classe era muito impressionante, mas eu fiquei sozinho comigo mesmo. Não era permitido aos meus estudantes virem me visitar. Eu tinha tanta atenção dos comissários de vôo que eu não podia sequer bebericar um gole do meu sakê favorito que eu havia trazido de casa!”. Foi um alívio vê-lo no aeroporto de aparência saudável e fazendo brincadeiras.

Durante o seminário nós tomamos outras precauções. Eu pedi a dois de meus estudantes – um dos quais é o meu médico pessoal e a outra uma enfermeira cardíaca para ficarem de olho nele. Entre as horas de prática e antes do dia do evento nós checamos o seu pulso e a sua pressão sangüínea, monitorando qualquer sinais de perigo. Decidimos que era melhor não interromper a sua dieta usual. Eu cozinhei pessoalmente todas as suas refeições, utilizando ingredientes básicos como miso, molho de soja e arroz que eu comprei para ele em Iwama. Nós retiramos a cama em estilo ocidental do seu quarto de dormir e a substituímos por um estrado levantado suavemente de um lado para que ele pudesse respirar facilmente. Todas as noites eu dormia em frente a sua porta, desta forma eu poderia ouvir se ele começasse a tossir ou precisasse de atendimento.

Eu não estou buscando por nenhum galardão. Com a minha experiência de último uchideshi do Fundador Morihei Ueshiba, este tipo de cuidado era esperado de mim. Não era estranho de minha parte agir desta forma.

Em uma noite durante o seminário, Saito Shihan começou a sufocar durante o jantar. Nós corremos para ajudá-lo, mas ele nos impediu. “Apenas sentar-se calmamente por um momento fará com que o sufocamento desapareça”, ele nos disse. “Meus médicos disseram que comidas de cor vermelha são boas para minha saúde, então eu acho que uma taça de vinho tinto é bem vinda”. Eu pensei em protestar, mas conhecendo-o bem, eu parei. Ele sabia de sua condição, e eu estava aliviado com o fato de ele saber lidar com ela.

Na manhã após o seminário nós nos preparamos para sair de van para as atividades do dia. Antes de entrar no carro ele separou amplamente os pés e se curvou sobre um dos joelhos em um longo alongamento das pernas. “Genki desu ne” ou “Você parece cheio de energia e vigor”, eu disse, então eu perguntei “O que você está fazendo?” “Eu preciso terminar de trabalhar no seu jardim”, ele replicou. “Eu estou preocupado com isso”. Com isso ele pulou dentro da van. Este era o Shihan Saito em sua intimidade. Não o Saito Shihan que reinou em dojos de todo mundo.

No jardim, não importava o quanto nós nos preocupávamos, ele insistia em andar de um lado para o outro solicitando que saíssemos do caminho enquanto ele reposicionava pedras e endireitava as plantas. Ele estava decidido a “consertar” o jardim e a retirar pedras com uma facilidade que os jovens uchideshi não tinham.


Shigeru Kawabe Sensei de Akita, Japão, e sua esposa acompanharam Saito Shihan em sua viagem a Denver. Naquela segunda-feira eles estavam bem vestidos para um dia de passeio sem saberem que iriam praticar um pouco de jardinagem. Em todo o caso eles arregaçaram as mangas e ficaram com suas roupas elegantes um pouco sujas, mas foi gratificante ver que todos estavam sorrindo.

Depois que o trabalho terminou, Saito Shihan se sentou sobre uma pedra que tinha acabado de reposicionar e contemplou o trabalho feito por suas mãos. “É sempre bom sentar no jardim depois de ter trabalhado nele para se reabastecer!” ele exclamou. Eu perguntei a ele se ele poderia colocar um nome na pedra que ele tinha trabalhado tanto para colocar exatamente naquele lugar e ele respondeu, “Pedra Morihiro, e o nome para o seu jardim é Aikien”. Aikien era o nome usado no Santuário do Aikido em Iwama para o Yagai dojo (lado externo do dojo) construído pelo Fundador Morihei Ueshiba. Saito Shihan continuou, “Está tudo bem, o nome não é mais usado em Ywama, então é um bom nome para este jardim”.

O jardim da Nippon Kan não tinha nem um ano de idade na época, e as plantas e árvores ainda eram pequenas. Na época havia mais pedra do que jardim. Eu acredito que Saito Shihan tinha um dom especial em projetar e saber o que as coisas se tornariam. Eu acho que é por isso que ele sabia exatamente como posicionar as pedras. Ele até mesmo observava que estudantes e jardins se pareciam na medida em que você precisa olhá-los como serão daqui a dez anos conforme você os molda. Descansando ali, juntos naquele jardim de poucas penas, não havia meios de imaginar que cinco anos depois o jardim seria classificado pela revista especializada em restaurantes Zagat como a melhor decoração e atmosfera exterior entre 6.000 restaurantes dos Estados Unidos.

Uma vez que a viagem de retorno de Denver para Tokyo seria longa, nós decidimos passar uma noite em São Francisco antes que Saito Shihan e Kawabe Sensei continuassem em sua viagem para o Japão. O hotel em que ficamos tinha aproximadamente trinta andares, e os quartos eram aparelhados com varandas que davam vista para a Baía de São Francisco e para a ponte Golden Gate. Tendo chegado no quarto, Saito Shihan se dirigiu diretamente para a varanda onde ele abriu os braços e exclamou, “ii, na”, ou “Isto é lindo”, em japonês. O sol da tarde ainda estava quente e a brisa entrava gentilmente vinda da baía.

Alegre, ele retornou ao quarto e começou a tirar da mala os seus pertences. Geralmente ele tinha um uchideshi para fazer isso para ele, mas desta vez ele mesmo tirou as coisas da mala com entusiasmo infantil. Ele carregou uma pequena garrafa de sakê para a varanda e puxou duas cadeiras para perto de uma mesa na varanda. “Kawabe-san, vamos nos sentar aqui”, ele disse entusiasticamente. Sabendo que Saito Shihan nunca bebia sem alguma coisa para comer, o seu otomo, Mark Larson e eu rapidamente nos encaminhamos para o bairro japonês para comprar aperitivos para eles. Nós retornamos a tempo de contemplar uma cena que eu nunca esquecerei. Ambos Saito Shihan e Kawabe Sensei estavam imóveis sentados de frente um para o outro entre a pequena mesa na varanda. Estavam ambos sentados, cabeças inclinadas em direção ao outro como se estivessem em oração. O calor suave do sol e as brisas suaves tinham feito sua mágica depois de um longo e agitado fim de semana, e ambos dormiram rapidamente!


Saito Shihan completou sua missão, e foi um sucesso em seu seminário em Denver. Nesse momento, no entanto, ele era um homem, em seu momento privado, que estava tirando um merecido cochilo.

Dois dias depois de seu retorno ao Japão, eu recebi um a chamada telefônica. “Eu estou com câncer”, Saito Shihan falou pelo telefone. “Existe um extrato do cogumelo maetake que eu estou procurando, mas não tem no Japão. Supõe-se que tem propriedades curativas. Eu sei que isso pode ser encontrado nos Estados Unidos. Você poderia mandar um pouco para mim?”. Eu pude sentir a determinação em sua voz.

Eu comprei todo o tipo de extrato maetake disponível em todo o tipo de lojas de produtos naturais e farmácias em Denver naquele dia. No dia seguinte eu viajei para o Japão para entregar. A inauguração do meu restaurante, Domo, estava marcada para a semana seguinte e deixar o país não era boa idéia. No entanto, a saúde de Saito Shihan estava em perigo. Eu não pensei duas vezes para ir até ele. Ele estava tão surpreso e feliz em me ver no dia seguinte que ele quase chorou, ele literalmente arrombou a porta para me encontrar. Naquele momento não importava se o extrato de maetake iria funcionar ou não para curar a sua doença. O mais importante para mim era mostrar o meu respeito e o meu apoio. Se eu o fiz feliz por apenas um minuto que seja, isto já foi o suficiente. “Você está com fome?” ele perguntou e me levou para dentro de sua casa me segurando pelo braço.

Em 1998 Saito Shihan sofreu uma cirurgia e, embora a cirurgia tenha sido complexa, ele se recuperou bem. Em maio de 1999 ele me telefonou para dizer que estava bem e que viria a Denver. “Eu ainda tenho trabalho para fazer no jardim”, ele explicou. O primeiro pensamento que tive foi o de convencê-lo a não vir e proteger a sua saúde. Eu não sabia como fazer isso, então eu pedi ajuda à sua família. Eles me disseram que, exceto pela sua voz, que parecia um pouco rouca, ele parecia estar bem. Esta explicação me deixou sem nenhuma desculpa, então não havia mais nada a dizer a não ser: “Quando o Sr. gostaria de vir, Sensei?”


Nós tomamos ainda mais precauções e o seminário de Saito Shihan em 1999 se deu sem nenhum desvio. Minhas preocupações pareciam exageradas. Ele comeu bem e se divertiu muito. A única diferença que eu notei foi que ele estava controlando o que bebia e o que comia e estava indo descansar mais cedo. Em algumas poucas ocasiões, no entanto, ele retornava depois que a maioria das pessoas já havia saído para tomar alguma coisa com seus amigos e estudantes mais próximos. Este era o seu momento privado de descanso. Ele nos contou sobre a sua cirurgia, tendo, inclusive, nos mostrado suas cicatrizes. “Os médicos me disseram: “Sr. Saito conte até três”. Eu contei até três e é tudo o que me lembro. Quando eu acordei eu estava grampeado, fechado do pescoço até o umbigo, em minhas costas tinha um corte diagonal de aproximadamente 60 centímetros! Ele mostrou suas cicatrizes com orgulho de uma criança que tivesse pescado o seu primeiro peixe. Os médicos aqui concordaram com os médicos japoneses que suas cicatrizes haviam cicatrizado bem. Ele estava orgulhoso disso.

Mais de 350 estudantes compareceram ao seminário de Saito Shihan em 1999, que foi um grande sucesso. Durante o seminário ele fez uma pausa para perguntar “Todos estão contentes? Eu estou muito feliz de estar de volta ao Colorado mais uma vez. Posso voltar novamente no próximo ano?” Ele recebeu uma salva de palmas que continuou mesmo depois que ele já havia deixado o ginásio. Mais tarde na festa de boas vindas ele deleitou a todos cantando um emocionante coro de “Shiroi Keiko Gi,” que era uma versão japonesa de Saito Shihan para “Oh My Darling Clementine” (oh, minha querida Clementina). Naquela noite o Sensei Hans Goto veio falar comigo em particular com um ar sério. “Será que você poderia perguntar ao Shihan se ele poderia ir à Califórnia no próximo ano?” ele perguntou. “É claro”, eu respondi. “Eu imagino que isso dependeria enormemente de sua saúde. Eu acho que é melhor que ele não venha a Denver da próxima vez. Ele faz de conta que está tudo bem, mas ele sabe do seu futuro. Em meu coração eu gostaria que ele permanecesse em sua casa em Iwama cuidando de sua saúde”.

Mais tarde em minha casa eu escolhi as palavras da melhor forma que pude e coloquei a questão para Saito Shihan. “Sensei no próximo ano, será que seria uma boa idéia visitar os dojos afiliados à Iwama na Califórnia? Se o senhor não for, seus estudantes vão achar que eu seqüestrei o seu pai!”. Depois de alguns momentos ele respondeu, “Ir ensinar em vários Dojos na Califórnia durante uma visita é agora fisicamente muito difícil para mim. Faz mais sentido fazer um grande seminário em um local central como Denver”. “E se o Sr. conseguisse realizar um grande seminário em um de seus dojos na Califórnia? Eu perguntei. “Eu me preocuparia se isso iria parecer que eu estaria favorecendo um dojo em detrimento de outros o que poderia causar problemas no futuro. É muito importante para mim que isso não aconteça”, ele disse. “E que tal se o Sr. escolhesse um local que fosse central e que tivesse um comitê formado pelos líderes de seu grupo para organizar o evento juntos?” Eu perguntei novamente. Saito Shihan olhou como se tivesse pensando profundamente a respeito disso, mas ele não respondeu.

Depois que ele retornou ao Japão eu só tive notícias de Saito Shihan em Janeiro de 2000. Ele me disse que havia decidido ir à Califórnia naquele ano. Era do seu entendimento que seus estudantes haviam decidido trabalhar juntos para organizar um seminário central na Califórnia para que todos fossem. Ele parecia estar muito feliz de que todos os seus estudantes estivessem trabalhando em conjunto. Ele me pediu que ensinasse aos seus instrutores o ABC da organização de um seminário, utilizando o “sistema de Denver” como ele chamava. Eu respondi gentilmente “Sensei o Sr. tem gerações de ushideshi na Califórnia que conhecem o Sr. a décadas. Esses seus instrutores agora têm gerações de estudantes atrás deles. Enquanto o Sr. ainda tem sua saúde esta é uma boa maneira de mantê-los ligados para o futuro. É importante para eles trabalharem juntos como em um time. Se eu me intrometer e der conselhos de como organizar um seminário, isto seria apenas interferência, o que iria atrapalhar o processo. Eles são muito capazes de organizar um seminário por si próprios. Eu acho que é melhor para todos que eu não esteja envolvido”.


Como foi do desejo de Saito Shihan no outono de 2000 um seminário de grande sucesso aconteceu na área da baía (da Califórnia) recepcionado, como Saito Shihan acreditava, por seu grupo de principais instrutores e estudantes da Iwama ryu. Em maio de 2001 eu fui ao Japão para (o evento) All Aikido Demonstration em Tóquio. As demonstrações se deram na Nippon Budokan. Saito Shihan realizou uma demonstração maravilhosa de técnicas de sankyo e suas variações. Como sempre ele agradava as platéias e recebeu enorme aplauso. Nessa época a força de suas pernas e de seus joelhos estavam enfraquecendo. Seu uke atuou bem e mascarou que ele estava ajudando o Shihan a se manter em pé após cada pegada. Acima das arquibancadas enquanto aguardava o começo e sua demonstração, Saito Shihan brincou com uma bengala desdobrável que ele embainhava e desembainhava propositadamente. “Você acha que poderíamos vender essas bengalas para Ninjas americanos? Não se preocupe, se um Ninja estiver precisando de uma bengala desdobrável ele não deve ser um Ninja de verdade”, ele concluiu. Todos ao seu redor riram.

No dia seguinte eu visitei Iwama e fui recebido calorosamente. Jantamos juntos na nova área de jantar do dojo ele parecia estar bem. Ele falou sobre os Estados Unidos e disse que estava ficando um pouco fraco fisicamente mas que ele havia prometido ir à Califórnia novamente neste ano, e era uma promessa que ele tinha a intenção de cumprir. Todos na mesa tentaram dissuadi-lo, mas ele se apressou em defender teimosamente seu ponto de vista. Finalmente sua filha disse: “Não existe razão para mudar sua opinião. O melhor é deixar que ele faça o que lhe faz feliz”. Enquanto eu me preparava para sair ele me presenteou com 30 bokkens que havia empacotado em feixes com alças.

Eu falei com sua filha novamente antes de partir. Ela me disse que o câncer estava se espalhando e agora estava afetando suas extremidades. Como é muito comum no Japão a família de Saito Shihan havia sido mais informada de suas condições do que ele próprio, e eles foram informados de que ele teria apenas mais alguns meses de vida. Ela estava muito preocupada com suas viagens mas ela não estava em condições de informá-lo que a sua saúde estava piorando. Ela também estava preocupada com seus anfitriões na Califórnia. Se alguma coisa acontecesse enquanto ele estivesse nos Estados Unidos isto seria traumático para os seus estudantes. Ela me perguntou se eu poderia de alguma forma persuadir seus estudantes na Califórnia que solicitassem a ele que não fosse. Eu expliquei a ela que eu não estava em posição de fazê-lo, nem eu gostaria de interferir em sua relação com seus estudantes.


Quatro meses depois veio a tragédia de onze de setembro de 2001. O governo japonês fez um comunicado público de que todas as viagens aos Estados Unidos que não fossem imperativas deveriam ser adiadas ou canceladas. Saito Shihan telefonou-me para dizer que ele queria vir aos Estados Unidos mas ele havia sido fortemente aconselhado por sua família e pelas autoridades a não ir. Ele disse que já havia tomado a sua decisão, mas ele perguntou o quão perigoso eu achava que seria viajar, e o que eu pensava de qual seria a reação de seus estudantes se ele não fosse. “É difícil dizer. Depois de um evento tão trágico é difícil predizer que tipo de reação as pessoas poderiam ter. Realizar um seminário logo depois de um evento tão trágico pode parecer falta de sensibilidade para algumas pessoas, para outras poderá parecer coragem”. Eu respondi. Ele me perguntou, “se fosse você , você iria?”. Sabendo de sua condição que piorava a cada dia, esta era uma questão difícil de responder. Se fosse eu teria ido, mas a minha posição era muito diferente da dele. Embora eu soubesse muito bem de todo o trabalho duro que seus estudantes tiveram para preparar a sua visita e dos sofrimentos e desapontamentos que isso causaria se ele não fosse, para o seu próprio bem, eu o aconselhei a não ir. Mais importante agora era a sua vida e os desejos de sua família.

Eu acho que ambos sabíamos que isso era por causa de sua saúde, mas eu sugeri gentilmente, “neste momento de tragédia, em respeito às vítimas do ato terrorista, eu acho melhor não ir”. No dia seguinte havia um anúncio colocado na web site do Aikido Journal comunicando que Saito Shihan não iria à Califórnia. Ao ver que o anúncio tinha sido oficial soube que ele havia tomado sua decisão antes que eu falasse com ele. Eu me senti mal por seus estudantes, mas não ter feito aquela viagem ajudou a prolongar sua saúde e vida por pelo menos mais um dia, eu senti que era minha obrigação apoiá-lo neste momento final.

Em 2002, Saito Shiham ia e vinha do hospital. No mês de fevereiro o câncer se espalhou pela sua coluna, o que o impossibilitou de andar. Ele foi confinado a uma cadeira de rodas e foi informado de que estava no fim da contagem regressiva. Ele recusava todos os tipos de tratamento médico indicados por seu médicos e voltava do hospital para casa. Sua família me disse que sua condição estava piorando e eu fiz uma viagem para Iwama para visitá-lo no dia primeiro de março de 2002.

Eu estava surpreso em ver que Saito Shihan havia colocado sua cama para o cômodo de entrada de sua casa, muito perto das portas de correr. No Japão é um costume, especialmente entre artistas marciais, dormir o mais longe possível da porta, particularmente se eles estão doentes ou comprometidos de outra forma. É também costume dormir com a cabeça em direção ao altar de forma a mostrar deferência. Saito Shihan, no entanto, se posicionou onde ele pudesse ouvir o que estava acontecendo no quintal e no dojo e o que os seus estudantes estavam fazendo. A sua missão de ensinar Aikido aos seus ushideshi e estudantes ainda era posta em primeiro lugar – mesmo que isso significasse que ele teria que dormir com os pés em direção ao altar.

Deitado em sua cama ele utilizava uma bomba para drenar seus fluídos. A bomba deixava hematomas em sua pele que eram difíceis de serem contempladas, elas pareciam muito dolorosas. Mesmo assim ele brincava, “Eu nunca tive essas (manchas) pretas e azuis mesmo quando eu era jovem e me envolvia em brigas todo o tempo!”.


Eu lhe perguntei se ele gostaria que eu massageasse seus pés. Enquanto eu massageava seus pés embaixo do cobertor meus olhos se encheram de lágrimas. Eu havia feito isso antes, no mesmo lugar. Só que da última vez que eu fiz isso foi para o Fundador antes dele morrer. Minha vida parecia ter se transformado em um círculo completo, e eu estava mais uma vez oferecendo o conforto de uma massagem a outro grande artista marcial em Iwama.

Enquanto eu massageava seus pés, Saito Shihan falou em particular a respeito de seus estudantes, especialmente seus estudantes no exterior. Depois de vinte minutos de conversa eu pedi licença para me retirar. Então ele me surpreendeu e me deu um susto quando ele começou a gritar ordens para um uchideshi que estava esperando atrás de uma tela de shoji. Está frio lá fora esta manhã! Faça aquele fogão trabalhar, Homma-kun precisa tomar café agora! VOCÊ ESTÁ ENTENDENDO?” O uchideshi correu o máximo que pode em direção à cozinha.

Depois de terminar de dar ordens ao uchideshi, ele se virou para mim e disse com uma voz suave, “Obrigado por você ter vindo. Nós deveríamos tomar café juntos, mas já que estou impossibilitado, você terá seu café pronto na cozinha dos uchideshi”. Com isso ele voltou a sua atenção ao uchideshi que havia se retirado “Não se esqueça daquele fogão!”, ele gritou.

Depois que terminei o café da manhã eu voltei para me despedir. Ele me ordenou que fosse no armazém para pegar entre 20 e 30 bokkens. Eu o agradeci amavelmente por sua generosidade, mas ele já havia me dado uma generosa quantidade de bokkens de presente, o que já foi o suficiente. Eu apenas vim me despedir por ora.

No dia 23 de abril de 2002 eu recebi uma chamada telefônica do Japão. Minha presença era solicitada este ano para a festividade de Aiki Jinja Tai Sai no dia 29 de abril. Tai Sai é uma grande festividade realizada no templo do Aikido em Iwama a cada ano em honra ao Fundador Morihei Ueshiba. Sem hesitação eu comecei a fazer planos para ir à Iwama, onde o festival seria realizado. Saito Shihan estava se preparando para oficiar a cerimônia do Tai Sai, e era muito importante para mim estar lá.

Quando eu cheguei em Iwama eu parei na casa de Saito Shihan para cumprimentá-lo. Assistido por seus uchideshis, ele estava ocupado trocando de roupas. Ele foi vestido oficialmente com um montsuki haori. Seus cabelos haviam sido suavemente pintados para remover o cinza, e ele parecia enormemente dignificado.

Ele foi trazido por seu uchideshi em uma cadeira de rodas para um local em frente ao dojo. Seus estudantes logo se juntaram ao seu redor. Eu cheguei com Doug Kelly, o piloto que Saito Shihan havia encontrado muitas vezes antes. Ele nos notou e perguntou a Doug se a Airlines estava tirando folga para o Tai Sai. Todos riram, o que quebrou a tensão do momento. Todos nós nos curvamos sobre um dos joelhos para ficarmos mais próximos do Shihan e também para mostrar nosso respeito por ele. Nunca é educado olhar acima de um Sensei, especialmente este Sensei, neste dia especial.

Enquanto nos aproximávamos Saito Shihan informava a todos sobre sua condição. Nós estávamos sob o sol e estava quente. Eu sugeri que fossemos para sombra, mas ele moveu a cabeça negando. “Os médicos queriam fazer vários testes e queriam tirar vários raios x, então eu deixei. O dojo é o meu hospital eu estou muito mais confortável aqui. De qualquer modo, radiação e medicamentos fazem apenas com que você perca cabelo e peso. Já é o suficiente para mim. Me foram enviadas ervas maravilhosas de todas as partes do mundo. Eu vou tomá-las para melhorar”.


Quando a cerimonia Tai Sai começou, Saito Shihan impulsionado em sua cadeira de rodas por seu uchideshi tomou o caminho do templo. Nós permanecemos com ele enquanto ele inclinava sua cabeça para orar. Olhando o chão, ele me chamou discretamente “Homma-kun, eu tenho, por muito, muito tempo, cuidado deste chão aqui no dojo de Iwama, mas este é o fim. É estranho para mim que todos os dias do ano eu tomo conta deste templo e apenas um dia do ano alguém vem de Tóquio e do Hombu dojo. Eles vêm para celebrar e ir embora novamente. Sempre tem muito lixo deixado para trás! Ano passado eu pedi para que todos levassem seu lixo com eles quando eles fossem. O lixo era tanto que chegou até à estação de trem de Iwama onde os depósitos de lixo transbordaram. Eu recebi um telefonema do chefe da estação reclamando da bagunça! Isto, também é o fim para mim”. Ele olhou para mim e riu, Enquanto ele estava sentado do lado de fora do templo, pétalas de azaléia caíam dos galhos próximos, assentando-se calmamente sobre seus ombros e sobre seus cabelos. Se aquele tivesse sido um ano diferente, se ele estivesse bem de saúde, ele teria entrado no templo para realizar a cerimônia. Esse ano, no entanto, ele se sentou embaixo das árvores de azaléia.

A cerimônia foi seguida por um naori (uma festa de celebração) no dojo. Saito Shihan bebeu uma pequena taça de vinho tinto, o que o deixou contente. Ele pediu que fosse tirada uma foto dele comigo e com Kawabe Sensei. Eu e Kawabe Sensei tentamos ficar o mais próximo o possível do Shihan para a foto, mas uma garrafa de vinho sobre a mesa estava no meio da foto. Brincando, Saito Shihan falou, “Ummm, se aquela garrafa de vinho sair na foto, todo mundo vai achar, erroneamente, que eu sou um grande beberrão!” Nós tiramos a garrafa e fizemos uma pose séria para a fotografia, o que fez com que ele desse uma gargalhada.
No dia seguinte, chegou a hora do meu retorno para os Estados Unidos, então eu voltei para me despedir. Eu fiquei do lado de fora das portas de correr e disse, Denver no Homma desu. Eu tenho que deixar Iwama. Muito obrigado”. De dentro do quarto eu ouvi, “Homma-kun, você já tomou café da manhã?” “Sim”, eu repliquei. “Então tudo bem, se cuide”. Então depois de uma pausa ele continuou, “Você é o único japonês de Iwama que tem um dojo nos Estados Unidos. Conserve a amizade de todos eles”. “Hai, Arigato Gozaimashita,” eu repliquei.

Aquelas foram as últimas palavras que Saito Shihan me disse.Ele era um tipo especial de pessoa. Diferente de seus pares, outros instrutores de alto nível do Hombo dojo, Saito Shihan foi um homem do interior, um agricultor de Iwama. Saito Shihan viveu em Iwama, trabalhou na estrada de ferro em Iwama e veio a focar sua vida em cuidar do Fundador e do Templo Aiki em Iwama. Ele era apenas um simples homem do campo, com a sua teimosia de homem do campo. Uchideshis e estudantes durante muitas décadas foram testemunhas de que Saito Shihan era um professor muito duro e rigoroso. Mas, uma vez que a relação entre estudante e professor se desenvolvia, Saito Shihan se tornava muito gentil, um ser humano de sabor único. E era essa essência de Saito Shihan que lhe dava o poder de atrair estudantes de todas as partes do mundo.


A minha relação com Saito Shihan se estendeu por mais de quatro décadas. Quando eu era jovem eu me relacionei com ambos, o Fundador e Saito Shihan. Mas veio então o tempo, como agora, de deixar Iwama. Quando o Fundador foi para o Hombu dojo, pouco antes de sua morte, eu também deixei Iwama novamente. Quando eu estava saindo, naquela ocasião, Saito Shihan me entregou um maço de fotos. Eram fotos de teste para o seu primeiro livro, para aquilo que viria ser Traditional Aikido, Volume I (Aikido Tradicional, Volume I). Depois que o Fundador havia ido para Tóquio, eu ainda me lembro do que Saito Shihan me disse quando eu vim me despedir. “Você é aluno do Fundador, quando o Fundador estava com boa saúde não era meu papel lhe ensinar. Fique com este maço de fotos, eu irei usá-las algum dia para um livro. Você tem uma longa viagem pela frente até retornar à Akita. Você irá precisar de muitas bolas de arroz para levar você até lá. Ajude a si mesmo, leve essas bolas de arroz com você”.

Talvez tenha sido a sua própria experiência de uma vida difícil com uchideshi, mas Saito Shihan estava sempre preocupado com a as pessoas terem o suficiente para comer. Não importava o quanto ele era severo como professor, não importava o quão duro ele tivesse sido, ele sempre se preocupava em se certificar que aqueles que estavam ao seu redor estavam alimentados. Isto é uma das coisas sobre ele que eu nunca esquecerei.

Nós não podemos nos esquecer de que Saito Shihan foi um aluno do Fundador do Aikido, Morihei Ueshiba, ou de que ele foi um instrutor da Aikikai sob a liderança do filho do Fundador Kisshomaru Ueshiba e seu neto, o atual Doshu, Moritetu Ueshiba.
Saito Shihan, às vezes, parecia desenhar uma linha separando a si mesmo do Quartel General da Aikikai. Ele às vezes falava duramente a respeito do Hombu dojo e de sua maneira de praticar. Isto, algumas vezes, serviu para afastar Saiti Shihan de seus pares e alunos que não entendiam completamente a sua crítica. Por trás de sua crítica, eu acredito que o seu desejo era que o Hombu dojo se destilasse e continuassee a transmitir a filosofia do Fundador Morihei Ueshiba que fosse correta aos seus olhos.

Eu acho que é muito difícil, para alguns estudantes que não são do Japão, entender as complexas nuanças e níveis das relações japonesas e do seu estilo de comunicação. Para tentar tomar as duras palavras de Saito Shihan de forma literal quando para o Hombu deveriam ser tão superficiais e não refletirem um quadro real.

Existem dois termos em japonês chamados honne e tatamae. Eles são conceitos de difícil compreensão, principalmente por ocidentais. Em geral honne é um termo que designa crenças íntimas, pessoais, enquanto que tatamae se refere à persona e à posição que uma pessoa assume para a coesão com aqueles que fazem parte de sua sociedade circunstante. Ambos são intrínsecos ao outro, no entanto eles são expressos de formas diferentes no Japão e nos Estados Unidos. É comum no Japão, em alguns contextos sociais, as pessoas desabafarem suas frustrações, ou mostrarem sua opinião pessoal da mesma maneira que o marido chega em casa e reclama do chefe com sua esposa. A maior parte das vezes isso é apenas reclamação e é tomado como tal. Em circunstâncias comuns no Japão, uma esposa apenas escuta as reclamações do marido e as entende apenas como elas são. Nunca ocorre que a queixa do marido feita na noite anterior venha a ser tornar um fato público ou venha a ser repassada ao chefe de alguma forma. Eu temo que para um homem na posição de Saito Shihan, sua severidade em algumas ocasiões, especialmente em contextos sociais, foi mal interpretada e tomada literalmente quando não deveria ter sido.


Eu acho que as más interpretações que prejudicaram a reputação de Saito Shihan e algumas das relações que ele teve durante os anos poderiam ter sido evitadas com um profundo entendimento cultural do modo de comunicação japonês. Existe uma frase Zen que diz “Sokkotso no Ki”. Para traduzi-la é mais proveitoso utilizar uma parábola do que uma descrição.

Uma mãe pássaro põe seus ovos e os protege enquanto eles crescem. Ela os guarda de inimigos e os mantêm aquecidos. Ela espera pacientemente que o filhote que está dentro se desenvolva. Quando a hora chega o filhote começa a bicar a casca de dentro para fora, tentando se libertar. Quando a mãe pássaro ouve as bicadas, ela bica delicadamente a casca por fora para fazer com que a casca comece a quebrar. No entanto, ela não quebra a casca para que o filhote emirja. O filhote tem que se libertar sozinho do ovo que o acolheu. Conforme o filhote vai quebrando a casca ele não tem conhecimento de que a mãe pássaro lhe ajudou começando a bicar a casca do lado de fora. O filhote entra no mundo fora do ovo pensando que entrou no mundo sozinho. Para o modo japonês de ensinar este timing (momento) é muito importante, sabendo quando e como ajudar um estudante a quebrar a casca fazendo com que cresça por si próprio. Saito Shihan era muito bom nisso quando ensinava aos seus alunos. Saito Shihan ensinou muitas gerações de estudantes durante a sua vida. Ele teve diferentes alunos durante os diferentes períodos de sua própria existência e de seu próprio desenvolvimento. Através dos anos os valores mudaram, o mundo mudou e, no entanto, cada aluno era tratado como se fosse um uchideshi de Saito Shihan, não importava o período de sua vida que eles fizeram parte.

Picasso foi famoso como pintor. Como pintor ele evoluiu e seu estilo e expressão mudaram através de diferentes períodos de sua própria vida e de seu próprio desenvolvimento. Não faz sentido pegar um período da arte de Picasso e dizer que esta foi a sua única forma de expressão, ou a sua verdadeira forma de expressão. Picasso foi a totalidade de sua obra. Tudo foi parte dele.

O mesmo se torna verdadeiro com um artista marcial como Saito Shihan. (as mudanças) não significavam de nenhum modo o começo de sua jornada. Saito Shihan praticou e ensinou Aikido durante trinta e três anos após a morte do Fundador. Enquanto o seu estilo e execução mudavam naturalmente através do anos, o que ele ensinava aos seus alunos também mudava. Se alunos de diferentes gerações comparassem sua forma de ensinar, provavelmente encontrariam diferenças e, no entanto, todas as suas diferentes formas de ensinar eram partes de Saito Shihan, e ele era todas elas.

No final, Saito Shihan se tornou um iluminado com o aproximar-se de sua morte. Ele falou com alunos mais ligados a respeito dos arranjos para o funeral, ele ordenou que fossem feitos quimonos de luto para sua esposa e filha. Para o seu filho Hitohiro ele deu o seu próprio quimono de cerimônias especiais… um quimono que seu filho iria usar em poucos meses. Antes do Aiki Jinja Tai Sai, ele ordenou ao seu filho e aos seus uchideshis que limpassem cada polegada de todo o dojo até que ele ficasse satisfeito.

Depois que o Tai Sai terminou, ele visitou o seu templo e orou em frente ao túmulo de sua família. Alguns dias depois ele teve um pequeno problema respiratório e pensou que seria melhor checar isso no hospital. Ninguém sabia que aquela seria uma viagem sem volta.

No dia 13 de Maio de 2002, um dos maiores aikidoístas de nosso tempo seguiu o Fundador Morihei Ueshiba através da história. O legado que ele nos deixou foi uma grande vida por si mesma, e suas últimas lições de dignidade e honra irão continuar em sua memória.

Tradução: William Soares

SEMIDEUSES – por Roberto Shinyashiki

Entrevista Isto É

Observador contumaz das manias humanas, Roberto Shinyashiki está cansado dos jogos de aparência que tomaram conta das corporações e das famílias. Nas entrevistas de emprego, por exemplo, os candidatos repetem o que Imaginam que deve ser dito. Num teatro constante, são todos felizes, motivados, corretos, embora muitas vezes pequem na competência. Dizem-se perfeccionistas: ninguém comete falhas, ninguém erra. Como Álvarode Campos (heterônimo de Fernando Pessoa) em Poema em linha reta, o psiquiatra não compartilha da síndrome de super-heróis. Nunca conheci quem tivesse levado porrada na vida (…) Toda a gente que eu conheço e que fala comigo nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, nunca foi senão príncipes dizem os versos que o inspiraram a escrever Heróis de verdade (Editora Gente, 168 págs., R$ 25). Farto de semideuses, Roberto Shinyashiki faz soar seu alerta por uma Mudança de atitude. O mundo precisa de pessoas mais simples e verdadeiras.
Por Camilo Vannuchi

ISTOÉ – Quem são os heróis de verdade?
Roberto Shinyashiki – Nossa sociedade ensina que, para ser uma pessoa de sucesso, você precisa ser diretor de uma multinacional, ter carro importado, viajar de primeira classe. O mundo define que poucas pessoas deram certo. Isso é uma loucura. Para cada diretor de empresa, há milhares de funcionários que não chegaram a ser gerentes. E essas pessoas são tratadas como uma multidão de fracassados. Quando olha para a própria vida, a maioria se convence de que não valeu a pena porque não conseguiu ter o carro nem a casa maravilhosa. Para mim, é importante que o filho da moça que trabalha na minha casa possa se orgulhar da mãe. O mundo precisa de pessoas mais simples e transparentes. Heróis de verdade são aqueles que trabalham para realizar seus projetos de vida, e não para impressionar os outros. São pessoas que sabem pedir desculpas e admitir que erraram.
ISTOÉ – O Sr. citaria exemplos?
Shinyashiki – Dona Zilda Arns, que não vai a determinados programas de tevê nem aparece de Cartier, mas está salvando milhões de pessoas. Quando eu nasci, minha mãe era empregada doméstica e meu pai, órfão aos sete anos, empregado em uma farmácia. Morávamos em um bairro miserável em São Vicente (SP) chamado Vila Margarida. Eles são meus heróis. Conseguiram criar seus quatro filhos, que hoje estão bem. Acho lindo quando o Cafu põe uma camisa em que está escrito 100% Jardim Irene . É pena que a maior parte das pessoas esconda suas raízes. O resultado é um mundo vítima da depressão, doença que acomete hoje 10% da população americana. Em países como Japão, Suécia e Noruega, há mais suicídio do que homicídio. Por que tanta gente se mata? Parte da culpa está na depressão das aparências, que acomete a mulher que, embora não ame mais o marido, mantém o casamento, ou o homem que passa décadas em um emprego que não o faz se sentir realizado, mas o faz se sentir seguro.
ISTOÉ – Qual o resultado disso?
Shinyashiki – Paranóia e depressão cada vez mais precoces. O pai quer preparar o filho para o futuro e mete o menino em aulas de inglês, informática e mandarim. Aos nove ou dez anos a depressão aparece. A única coisa que prepara uma criança para o futuro é ela poder ser criança. Com a desculpa de prepará- los para o futuro, os malucos dos pais estão roubando a infância dos filhos. Essas crianças serão adultos inseguros e terão discursos hipócritas. Aliás, a hipocrisia já predomina no mundo corporativo.
ISTOÉ – Por quê?
Shinyashiki – O mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta, a começar pelo processo de recrutamento. É contratado o sujeito com mais marketing pessoal. As corporações valorizam mais a auto-estima do que a competência. Sou presidente da Editora Gente e entrevistei uma moça que respondia todas as minhas perguntas com uma ou duas palavras. Disse que ela não parecia demonstrar interesse. Ela me respondeu estar muito interessada, mas, como falava pouco, pediu que eu pesasse o desempenho dela, e não a conversa. Até porque ela era candidata a um emprego na contabilidade, e não de relações públicas. Contratei na hora. Num processo clássico de seleção, ela não passaria da primeira etapa.
ISTOÉ – Há um script estabelecido?
Shinyashiki – Sim. Quer ver uma pergunta estúpida feita por um presidente de multinacional no programa O aprendiz? Qual é seu defeito? Todos respondem que o defeito é não pensar na vida pessoal: Eu mergulho de cabeça na empresa. Preciso aprender a relaxar. É exatamente o que o chefe quer escutar. Por que você acha que nunca alguém respondeu ser desorganizado ou esquecido? É contratado quem é bom em conversar, em fingir. Da mesma forma, na maioria das vezes, são promovidos aqueles que fazem o jogo do poder. O vice-presidente de uma das maiores empresas do planeta me disse: Sabe, Roberto, ninguém chega à vice-presidência sem mentir. Isso significa que ;quem fala a verdade não chega a diretor?
ISTOÉ – Temos um modelo de gestão que premia pessoas mal preparadas?
Shinyashiki – Ele cria pessoas arrogantes, que não têm a humildade de se reparar, que não têm capacidade de ler um livro até o fim e não se preocupam com o conhecimento. Muitas equipes precisam de motivação, mas o maior problema no Brasil é competência. Cuidado com os burros motivados. Há muita gente motivada fazendo besteira. Não adianta você assumir uma função para a qual não está preparado. Fui cirurgião e me orgulho de nunca um paciente ter morrido na minha mão. Mas tenho a humildade de reconhecer que isso nunca aconteceu graças a meus chefes, que foram sábios em não me dar um caso para o qual eu não estava preparado. Hoje, o garoto sai da faculdade achando que sabe fazer uma neurocirurgia. O Brasil se tornou incompetente e não acordou para isso.
ISTOÉ – Está sobrando auto-estima?
Shinyashiki – Falta às pessoas a verdadeira auto-estima. Se eu preciso que os outros digam que sou o melhor, minha auto-estima está baixa. Antes, o ter conseguia substituir o ser. O cara mal-educado dava uma gorjeta alta para conquistar o respeito do garçom. Hoje, como as pessoas não conseguem nem ser nem ter, o objetivo de vida se tornou parecer. As pessoas parecem que sabem, parece que fazem, parece que acreditam. E poucos são humildes para confessar que não sabem. Há muitas mulheres solitárias no Brasil que preferem dizer que é melhor assim. Embora a auto-estima esteja baixa, fazem pose de que está tudo bem.
ISTOÉ – Por que nos deixamos levar por essa necessidade de sermos perfeitos em tudo e de valorizar a aparência?
Shinyashiki – Isso vem do vazio que sentimos. A gente continua valorizando os heróis. Quem vai salvar o Brasil? O Lula. Quem vai salvar o time? O técnico. Quem vai salvar meu casamento? O terapeuta. O problema é que eles não vão salvar nada! Tive um professor de filosofia que dizia: Quando você quiser entender a essência do ser humano, imagine a rainha Elizabeth com uma crise de diarréia durante um jantar no Palácio de Buckingham. Pode parecer incrível, mas a rainha Elizabeth também tem diarréia. Ela certamente já teve dor de dente, já chorou de tristeza, já fez coisas que não deram certo. A gente tem de parar de procurar super-heróis. Porque se o super-herói Não segura a onda, todo mundo o considera um fracassado.
ISTOÉ – O conceito muda quando a expectativa não se comprova?
Shinyashiki – Exatamente. A gente não é super-herói nem superfracassado. A gente acerta, erra, tem dias de alegria e dias de tristeza. Não há nada de errado nisso. Hoje, as pessoas estão questionando o Lula em parte porque acreditavam que ele fosse mudar suas vidas e se decepcionaram. A crise será positiva se elas entenderem que a responsabilidade pela própria vida é delas.
ISTOÉ – É comum colocar a culpa nos outros?
Shinyashiki – Sim. Há uma tendência a reclamar, dar desculpas e acusar alguém. Eu vejo as pessoas escondendo suas humanidades. Todas as empresas definem uma meta de crescimento no começo do ano. O presidente estabelece que a meta é crescer 15%, mas, se perguntar a ele em que está baseada essa expectativa, ele não vai saber responder. Ele estabelece um valor aleatoriamente, os diretores fingem que é factível e os vendedores já partem do princípio de que a meta não será cumprida e passam a buscar explicações para, no final do ano, justificar. A maioria das metas estabelecidas no Brasil não leva em conta a evolução do setor. É uma chutação total.
ISTOÉ – Muitas pessoas acham que é fácil para o Roberto Shinyashiki dizer essas coisas, já que ele é bem-sucedido. O senhor tem defeitos?
Shinyashiki – Tenho minhas angústias e inseguranças. Mas aceitá-las faz minha vida fluir facilmente. Há várias coisas que eu queria e não consegui. Jogar na Seleção Brasileira, tocar nos Beatles (risos). Meu filho mais velho nasceu com uma doença cerebral e hoje tem 25 anos. Com uma criança especial, eu aprendi que ou eu a amo do jeito que ela é ou vou massacrá-la o resto da vida para ser o filho que eu gostaria que fosse. Quando olho para trás, vejo que 60% das coisas que fiz deram certo. O resto foram apostas e erros. Dia desses apostei na edição de um livro que não deu certo. Um amigão me perguntou: Quem decidiu publicar esse livro? Eu respondi que tinha sido eu. O erro foi meu. Não preciso mentir.
ISTOÉ – Como as pessoas podem se livrar dessa tirania da aparência?
Shinyashiki – O primeiro passo é pensar nas coisas que fazem as pessoas cederem a essa tirania e tentar evitá-las. São três fraquezas. A primeira é precisar de aplauso, a segunda é precisar se sentir amada e a terceira é buscar segurança. Os Beatles foram recusados por gravadoras e nem por isso desistiram. Hoje, o erro das escolas de música é definir o estilo do aluno. Elas ensinam a tocar como o Steve Vai, o B.B. King ou o Keith Richards. Os MBAs têm o mesmo problema: ensinam os alunos a serem “Covers” ou “Bill Gates”. O que as escolas deveriam fazer é ajudar o aluno a desenvolver suas próprias potencialidades. O mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta. É contratado o sujeito com mais marketing pessoal
ISTOÉ – Muitas pessoas têm buscado sonhos que não são seus?
Shinyashiki – A sociedade quer definir o que é certo. São quatro loucuras da sociedade. A primeira é instituir que todos têm de ter sucesso, como se ele não tivesse significados individuais. ; A segunda loucura é: Você tem de estar feliz todos os dias. A terceira é: Você tem que comprar tudo o que puder. O resultado é esse consumismo absurdo. Por fim, a quarta loucura: Você tem de fazer as coisas do jeito certo. Jeito ;certo não existe. Não há um caminho único para se fazer as coisas. As metas são interessantes para o sucesso, mas não para a felicidade. Felicidade não é uma meta, mas um estado de espírito. Tem gente que diz que não será feliz enquanto não casar, enquanto outros se dizem infelizes justamente por causa do casamento. Você precisa ser feliz tomando sorvete, levando os filhos para brincar. Quando era recém-formado em São Paulo, trabalhei em um hospital de pacientes terminais. Todos os dias morriam nove ou dez pacientes. Eu sempre procurei conversar com eles na hora da morte. A maior parte pega o médico pela camisa e diz: Doutor, não me deixe morrer. Eu me sacrifiquei a vida inteira, agora eu quero ser feliz. Eu sentia uma dor enorme por não poder fazer nada. Ali eu aprendi que a felicidade é feita de coisas pequenas. Ninguém na hora da morte diz se arrepender por não ter aplicado o dinheiro em imóveis.