Talvez a imagem mais conhecida do “bushi”, como é chamado o guerreiro medieval japonês, é a do samurai vestido com uma rica armadura, colorida e ornamentada. Ao contrário de sua congênere européia, de aspecto gótico e pesado, a “o-yoroi”, um dos nomes pelo qual é denominada a armadura japonesa, não parece ser óbice aos movimentos do “bushi”. A riqueza de materiais com que suas partes são produzidas e o esmero com que foram construídas lhe conferem ao mesmo tempo flexibilidade e resistência. As armaduras antigas, produzidas antes do século XVI, eram chamadas de: o-yoroi, kachu, haramaki, do-maru etc. Já as produzidas após este período, eram geralmente conhecidas como gusoku.
Pelos textos japoneses sobre a armadura japonesa, principalmente na parte em que se orienta a forma exata de sua composição, tal como a maneira correta de sua vestimenta, observa-se que o “bushi” começava vestindo a tazuna ou fundoshi (roupa de baixo), de preferência de linho branco ou algodão, sendo esta forrada ou não, de acordo com a atual estação.
Os Bushi de alta patente vestiam robes suntuosos por cima da roupa de baixo, como os vários Yoroi hitatare. Os bushi de classe inferior vestiam apenas a roupa mais funcional, chamada hadagi.
Por cima disto, vestia-se a roupa “shitagi”, que lembrava o kimono do dia-a-dia, preso à cintura pela obi – faixa que era enrolada duas vezes em volta do corpo e amarrada na parte da frente, sendo que alguns a preferiam amarrada nas costas.
Este último método não era recomendado pela maioria dos veteranos, porque era difícil amarrar a obi sob a armadura, se ela se afrouxasse no campo de batalha.
Por cima, o bushi de patente de atendente do marechal, “kyushu” ou “kosho”, vestia uma calça cerimonial típica ou “hakamá”. A maioria dos bushi vestia um par de “hakamá” similar, mas um pouco menor e mais curta, chamada de “Kobakama”.
Os guerreiros de classe mais baixa vestiam uma versão menor delas, chamada de “matabiki”, geralmente enfiada por debaixo da camisa.
Os bushi então vestiam um par de “tabi”, com uma divisão para o dedo maior.
Elas eram feitas de algodão (Mobien tabi), ou couro curtido (Kawatabi).
Por cima, geralmente vestia-se a “Kiahan” ou “habaki”, que vestia a parte referente à canela, e era feita de linho ou algodão forrado ou não.
Eram geralmente amarradas na panturrilha para impedir a fricção contra a proteção que se vestia sobre ela. Nós pés, o bushi de nível mais alto vestia uma espécie de sandália de pele característica, forrada com seda ou brocado, de nome “kegetsu”, “Kutsu” ou “Tsuranuki”. Possuía solado de couro grosso e o lado superior de pele de urso. Existiam vários estilos e modelos dessas sandálias, mas não mantinham relação com a patente ou nível hierárquico.
Clássicos como o “Gempei seisuiki”, por exemplo, nos dizem que “quando Kuro Yoshitsune, durante a guerra contra Kiso Yoshinaka, foi ao palácio Ho-o, ele vestiu ‘kuma no kawa no tsuranuki’, que são sandálias de pele de urso”. E os que o seguiam, vestiam sandálias de ‘ushi no kawa’, que eram feitas de couro de vaca.
Em períodos posteriores, guerreiros de patente menor vestiam sandálias “waraji”, de vários materiais como cânhamo, talos de mioga, fibras de palma e algodão.
Usualmente levavam um par extra na cintura.
Seus oficiais geralmente vestiam sandálias feitas de pequenas lâminas de couro ou ferro. As pernas, do joelho até o tornozelo, vestiam proteções chamadas de “sune ate” ou “shino zutsu”, geralmente moldadas em ferro ou couro na parte da frente e atadas atrás. Algumas peças eram feitas apenas de metal.
Em tempos antigos, cavaleiros montados costumavam vestir estas proteções com uma lâmina na parte de trás, para proteger contra ataques de espadas ou alabardas.
A maioria destas proteções, contudo, era feita de lâminas longitudinais dobráveis com as lâminas centrais cobrindo o joelho.
Todas geralmente incluíam uma proteção de couro “abumi zure” na parte de dentro para proteger contra o atrito. O joelho geralmente era protegido por uma espécie de cuia de metal abaulada que se chama “hiza yoroi kakuzuri”, que era parte integral da armadura ou uma peça separada.
Existem duas variedades desta espécie de joelheiras: yamagata e Juwa ga shira.
A parte superior das pernas era protegida pelo haidate, peça semelhante a um avental, sendo que a parte de cima era geralmente coberta com lâminas pequenas – Kozane – feitas de ferro, couro ou osso de baleia.
Esse avental partido no meio era esticado com cordas chamadas tsubo-no-o, que eram enroladas na cintura e amarradas na parte da frente.
Manuais antigos recomendavam que, para remover o avental quando se atravessava um rio ou pântano, era recomendado que se amarrassem as cordas do lado de fora do “Do” – parte que protege o tronco.
Havia outros tipos de proteções do quadril do guerreiro, assim como nos guerreiros europeus, que eram feitas com lâminas de metal enlaçadas com cordas de couro e seguras com uma pesada trama de seda ou couro chamada de “ita-haidate”.
Outras, construídas com lâminas de metal menores e mais leves amarradas com seda e chamadas de “igo-haidate”, eram preferidas pelos guerreiros montados, por serem mais flexíveis que o modelo usual.
Uma peça de armadura usada pelos homens da infantaria nos tempos de guerra, ou pelo bushi sob suas calças em tempos de paz, era chamada de “kussari kiahan” ou “kiahan suneate”, e cobria a perna inteira. Armadura do Período Momoyama
O guerreiro então vestia luvas – “yugake”, feitas de pele, e de preferência não-forradas e às vezes com um pequeno buraco na palma da mão.
Sobre elas, para proteger seus braços da mão até o ombro, ele vestia mangas justas feitas de seda, couro ou um outro tecido que tivesse consistência, cobertas com lâminas adicionais de metal.
A manga da armadura, chamada de “Kote Tegai” era protegida principalmente do lado externo por uma série de metais, que começava por uma lâmina “Kamori Ita”. Ela cobria o ombro sob a outra proteção da região, chamada de “sode”.
Duas cordas pesadas atavam a lâmina de cima ao peito e uma terceira atava a outra manga da armadura.
A parte superior do braço era protegida por outra grande lâmina de metal – a “gaku no ita” – enquanto o cotovelo era coberto por uma lâmina circular e côncava – “hijigane”.
O braço também era protegido desde a altura do cotovelo ao pulso por uma longa lâmina “ikada” ou por uma série de tiras de metal longitudinais. Às vezes, ela se apresentava encaixada em uma só peça de metal, furada e moldada, à qual era atada ao pulso uma outra peça que tinha por função proteger as costas da mão.
Essa peça era forrada com couro e possuía uma curvatura de forma que se ajustasse aos dedos do guerreiro. Nas armaduras antigas, peças para os dedos e anéis eram acopladas umas às outras por uma pequena corrente. Mais tarde, pesadas luvas de couro eram vestidas.
A porção interna do braço, que requeria menos proteção que a área externa, era coberta com um tecido pesado, ou o próprio couro, entremeado com seda ou tiras de couro. Entretanto, sua defesa era mais baseada nas habilidades do guerreiro de que propriamente pelas peças da armadura, uma vez que essa área se tornava exposta quando os braços eram levantados para aplicações de golpes com a espada.
Existiam técnicas que se tornaram famosas no Yari Jutsu e no Kenjutsu por visarem atingir essas áreas expostas e vulneráveis da armadura contra adversário em combate.
Havia uma quantidade fantástica de tamanhos, tipos, formas e materiais que o bushi podia selecionar para essa importante vestimenta. Um exemplo são as mangas da armadura coberta por uma malha feita de anéis e correntes de metal (kusari gote). Os braços eram, em seguida, protegidos por placas (tetsu gote). Havia um tipo de manga que protegia o braço cobrindo-o com uma larga placa (como um sode adicional), atada ao ombro (tsugi gote). Outras eram formadas por escamas sobre o bíceps (gaku no ita); outras ainda alternavam faixas dessas placas com a malha de metal (oshi no gote), ou eram totalmente feitas da malha à qual eram amarradas fortes placas de vários tipos (shino gote, echu gote, awase gote).
Ele também usava uma pequena proteção para o antebraço, coberta com as placas e malha, e depois com um tecido rústico (hansho gote). Essas mangas eram muito específicas de acordo com o tipo de propósito marcial desejado. Por exemplo, havia mangas especiais (yu gote) feitas de seda e brocado, sem qualquer proteção pesada, que eram vestidas aos pares, a partir dos ombros. Eram mais utilizadas pelos arqueiros, que precisavam de liberdade de movimentação para manejar seus arcos e flechas. Em certas ocasiões, os arqueiros usavam apenas uma dessas mangas, para proteger o braço direito, ombro e boa parte do peito e costas. Eram atadas em volta do corpo. Muitas das mangas de armadura consideradas leves eram usadas em tempos de paz, sendo vestidas sob o quimono, quando o bushi deveria estar preparado apenas para confusões de rua.
As articulações, que geralmente ficavam desprotegidas devido ao vão existente entre as mangas protetoras (kote) e as placas laterais (watagami) do corselete (do), eram reforçadas com camadas de malha de metal, placas e escamas (waki biki). Eram vestidas sob o corselete, separadamente ou ligadas umas às outras por uma faixa de metal (kusari waki biki). Podiam ser apertadas com botões (botan gake), ganchos (kohaze gake) ou cordas (himo tsuki). Um tipo especial de equipamento (manju nowa) combinava os waki biki com um colar e ombreiras.
O elemento central de uma armadura em qualquer país (junto com o capacete, claro) é o protetor de peito (do). No Japão, o estilo desses dois elementos representou e identificou a armadura de vários períodos da história do país – o pré-histórico (tanko, kachu, kisenaga), o antigo (yoroi) e o moderno (gusoku). A maior parte do corpo do bushi era vestida com um corselete feito de largas placas de metal, como os antigos corseletes (kaki yoroi, keiko) do século IV. Havia também corseletes de couro brilhante, forrados e cobertos com faixas de escamas bem atadas com seda ou cordas de couro. Como foi notado anteriormente, o couro era matéria-prima preferida dos confeccionadores de armaduras, e os vários tipos de couro utilizados, assim como os vários tipos de tratamento, originaram uma série de corseletes (kawa tsutsumi), assim como os de couro chinês (kara kawa tsutsumi), couro vermelho (aka kawa tsutsumi)e couro florido (hana gawa tsutsumi). Muitos dos corseletes das classes mais baixas eram feitos de couro preto (sewari gusoku). As placas que o cobriam, por sua vez, utilizavam pele de tubarão (same tsutsumi), casco de tartaruga (Moji tsutsumi) e osso de baleia, criando belas texturas e dando grande resistência à vestimenta.
Havia uma variedade aparentemente infinita de corseletes em uso no Japão em diversos períodos, e eles são divididos em duas categorias principais: a primeira e mais comum engloba as peças compostas por placas ou escamas e amarradas com fortes cordas (do), e a segunda, das peças inteiriças. Os mais recentes, chamados de placa “peito de pombo” (hatomune do) ou placa “peito de santo” (hotoke do), porque simulavam a curvatura do corpo humano, eram muito raros. Cobrindo o corpo do pescoço à cintura, eram usados no Japão dos séculos XVII e XVIII. Aparentemente copiados dos modelos europeus, podiam ter a abertura nas costas, ou nas laterais. Os que possuíam abertura frontal eram pouco comuns. Adotados pelas categorias mais baixas de samurais e seus ajudantes, certos modelos ajustáveis mais simples possuíam inúmeras derivações.
Alguns modelos incluíam dois soquetes aos quais era presa a bandeira da cavalaria. Os samurais de alto escalão vestiam peças adicionais, como a importante “se-ita”, ou “se-ita no yoroi”, que eram placas pequenas que protegiam as articulações dos ombros e parte superior do braço.
As mais antigas eram geralmente feitas de metal ou couro bem grosso, ricamente decoradas com detalhes em metal nas bordas. As mais recentes eram feitas com três placas grossas ou fileiras de escamas sobrepostas, protegidas com couro curtido. Nos últimos corseletes fabricados, os samurais de baixo escalão – que não eram autorizados a vestir as placas protetoras, vestiam proteção menores chamadas de “giyo yo ita”. Eram vários os modelos existentes dessa peça específica.
Em volta da cintura, o bushi vestia um cinto (uma-obi) feito de linho ou tecido, com ornamentos na frente. Quando ele cortava as pontas desse cinto e jogava fora a bainha de sua espada, que ele geralmente carregava presa ao cinto, sua intenção de morrer no campo de batalha era claramente manifesta aos seus inimigos e a natureza desesperada de sua luta era enfatizada.
Os ombros do bushi dos altos escalões eram protegidos nas laterais por duas grandes e características proteções (sode), cada qual feita de pequenas escamas arranjadas em várias faixas, firmemente amarradas com corda de seda, sobre um forro de metal ou couro. A escama do topo em ambas era sempre de metal maciço, fundida e ricamente decorada. Essa peça da vestimenta variava muito de acordo com a posição do guerreiro.
Uma outra placa adicional era amarrada em volta do corpo para proteger tanto o peito como as costas do indivíduo. À esquerda da vestimenta, o bushi punha então o suporte para qualquer tipo de espada que preferisse (koshi ate), para portar suas duas espadas (daisho), tanto a pequena ‘wakizashi’ como a longa ‘tachi’. Em tempos mais antigos, uma espada adicional era carregada, chamada ‘nodachi’, geralmente maior e mais pesada que a ‘katana’ original. A ‘nodachi’ era carregada nas costas.
Seu uso, que já havia sido universal em campo de batalha, tornou-se raro durante o período Tokugawa.
O pescoço do bushi era protegido por uma espécie de colarinho frontal (nodowa) feito de escamas ou pequenas peças firmemente amarradas juntas em forma de U. Essa peça parece ter sido elaborada no século XVI a partir de um colar antigamente vestido sob o ‘do’ e amarrado a um suporte chamado ‘eri-mawari’. No período Tokugawa, entretanto, era vestido sobre a armadura em uma grande variedade de estilos.
Bibliografia: Ratti, Oscar. Segredos do Samurai, As artes marciais do Japão Feudal. 1973