Texto de Walter Amorim Sensei
Baseado no texto do shihan James Herndon: A dojo guide; Elements of a Traditional Dojo.
shihan James Herndon tem um texto interessante que explica cada um dos elementos tradicionais que compões um dojo. Em cima deste texto, e agregando minha experiência pessoal, passo a vocês minha ainda limitada visão sobre este assunto: Montar um dojo tradicional. É realmente necessário e possível ter um? Depende. A meu ver para fazer um bom trabalho não é necessário um dojo tradicional e ao mesmo tempo, no caso do aikido, é necessário. Como assim? O que é um dojo tradicional afinal? Quando falamos que um dojo é tradicional lembremos que pode estar falando do aspecto mais conceitual e metodológico, do que do aspecto amplo de se ter realmente um dojo tradicional em sua filosofia, estrutura e condução.
Vamos ao nosso caso específico aqui no Brasil: Muitos dojos na verdade são em espaços de academia – muitas vezes mistos – e não compõe a atmosfera e estrutura necessária a se criar um dojo tradicional. Não são dojos e sim salas de luta na verdade. É diferente. A Ganseki Kai em sua essência é um grupo de aikido tradicional. Sua academia central é o Ganseki Dojo. Mas, por hora pelo menos, não temos um local com um dojo construído nos moldes tradicionais e poucos locais são assim no Brasil. Temos projeto de um de nosso dojos sede ou não, no futuro ter esta característica. Mas não é simples como veremos. E se não for possível não invalidará o caminho que temos trilhado.
Vamos explorar um pouco mais o que é a montagem de um dojo tradicional. De forma geral, os alunos têm conhecimento da disposição geral de um dojo. Mas certos elementos que são encontrados em um dojo tradicional podem ser examinados e discutidos para um melhor conhecimento.
O Kamidana
O kamidama vem da tradição xintoísta e não só está presente nos dojos, como também nas casas japonesas. Fora do Japão muitas vezes não é utilizado por certo distanciamento natural ou proposital, do caráter xintoísta desta tradição.
Entretanto, você não seguir a tradição xintoísta não significa, no entanto, que você deva abolir o kamidama. Ele também é um lembrete do significado por trás da busca do caminho. Principalmente nas artes que utlizam o termo DO – caminho. Ou seja: A meu ver não precisamos nos tornar adeptos diretos do xintoísmo para utilizar em nosso dojo tradicional um kamidama. Se não, já começa a não ser tão tradicional. Um dojo leva adiante certa tradição (ou ryu ha) e o kamidana contém objetos e / ou símbolos pertinentes a esta tradição particular. Muitas vezes, na tal sala de luta, substituímos o kamidama por uma simples foto do fundador.
O cumprimento:
Quando nos curvamos e cumprimentados o kamisa estamos apresentando o respeito a herança de sua arte.
No Brasil, tenho escutado alguns integrantes de outras artes dizerem: “Não me curvo a objetos ou pessoas mortas!” (apesar de dizer que sua arte é tradicional e utilizarem nome em japonês) Ou ainda: “Minha religião não permite me curvar!”. É uma questão delicada, ainda mais se envolve religião, mas eu pessoalmente não entendo. E eu digo que, se vou a uma sinagoga ou mesquita ou a um mosteiro ou igreja anglicana, não acho justo chegar lá e querer contestar a tradição deles e não utilizar kipa, ou qualquer outro objeto ou ritual. É uma questão de respeito não só a religião, mas até a tradição e cultura ali desenvolvida. Outro exemplo fugindo mais da religião: A maioria dos pratos na culinária chinesa é servido em pedaços em tamanhos próprios para serem comidos ser cortar. Tradicionalmente, a cultura chinesa considera o uso de facas e grafos à mesa como uma coisa bárbara, uma vez que esses são vistos como armas. Também não é considerado cortês fazer que o convidado tenha trabalho de cortar sua própria comida. Como nesse caso costumes então não é somente questão só de religião, mas muito mais de tradição. Pessoalmente não entendo então como pode querer arte marcial japonesa e não comprar o “pacote completo”… Seguir um caminho tradicional exige um grau de desprendimento. Não adianta querer dizer que sou tradicional somente quando isto me importa “em termos de propaganda”. Tem um caso de um conhecido meu, instrutor do grupo ao qual pertencíamos, que se recusou por anos a cumprimentar o kamisa de forma tradicional se curvando. Dizia que na sua religião não era possível. Isto no período que permanecemos vinculados a um mestre estrangeiro, mas ocidental. Este reclamava, mas aceitava isso. Quando ele, o instrutor, se separou deste e passou a representar na cidade um mestre filho de japoneses, logo depois vi este mesmo instrutor tranquilamente cumprimentando como todos os outros. Parece que foi convencido… …ou segue a tradição ou não fica no instituto…
Curvando-se ao Joza e seu kamidana associado, não é um sinal de significado religioso ou submissão. É um lembrete de uma obrigação e o compromisso voluntariamente sendo retomado de seguir o caminho. Sensei Gaku Homma uma vez explicou que o numero de palmas e outros elementos mostram ligação ou não com o aspecto religioso. 2 palmas são um cumprimento mais ligado a questão da tradição. 3 palmas é que já é uma saudação de caráter xintoísta. Verão algumas vezes 4 palmas! Parece-me que é ligação com budismo ou a oomoto. Isto é algo que não posso afirmar com certeza e não foi conversado neste ponto com Homma Sensei na época. O Sensei e alguns mestres de hoje como Saito Hitorira fazem o cumprimento com oração ao Deus do aikido. Mas isso nunca foi exigido pelo O-Sensei. E uma palma pode? Ou usa 2 no mínimo, ou só se curva e cumprimenta. Uma palma é para chamar a atenção durante o kihon e terminar a técnica para passar à próxima.
Alternativamente, em vez do kamidana, você encontra fotos do fundador do ryu ou seu mestre atual, a quem os praticantes vinculam uma relação com a sua contribuição para a arte.
O Hata
O hata é a bandeira do estilo ou da associação representada no dojo. Ou simplesmente a bandeira do dojo em particular. A idéia deve ser que há uma identificação clara com uma arte, estilo, associação ou país. Mas deve haver discrição. Se chegar a um local e receber a mensagem ou impressão de que você entrou numa sala de espera das Nações Unidas, você provavelmente já entrou em um lugar errado para a prática de budo. Deve ser encontrado pendurado no Joza, abaixo ou de lado do kamidana.
Dojo Kun
O Dojo kun pode se dizer que compreende o lema ou slogan do dojo e de seus membros. É composto por uma lista de preceitos ou princípios, dos quais cada membro deve estar ciente e seguir. Ele fica normalmente pendurado em forma de “kakemono”, em um lugar de destaque no Joza, geralmente acima ou ao lado kamidana.
Um exemlpo de Dojo Kun: O conhecido dojo kun da JKA (Japonesa Karate Association), encontrado no Joza do Dojo Central em Tóquio.
Exemplos do dojo kun ou lemas podem ser:
– Vigor e honra ou;
– Esforço, Cortesia e Paciência;
– ou ainda: A mente, a técnica, o corpo.
(eu gosto de todos eles)
Ou ainda, um conjunto ou outro, criado pelo fundador do ryu, ou seu shihan, ou ainda o Dojo cho (instrutor chefe do Dojo), representando um lembrete para o praticante, da etiqueta necessária quando se treina em qualquer forma de budo.
O Nafuda Kake
Geralmente na shimoza, encontra-se nafuda kake, uma exposição de placas de madeira com nome, que indicam posição e status dos membros do dojo. Não é incomum ter placas de kyu separadas das placas de dan no nafuda. Este método de rastreamento do membro serve como uma fonte de motivação e cria assim um forte sentido de ligação entre os membros. Falamos disso em artigo anterior específico sobre nafuda kake.
Nafuda geralmente são construídos a partir de madeira clara, como abeto ou pinho. Eles podem permanecer naturais, sem qualquer forma de verniz ou acabamento. Uma escova especial é usada para escrever nomes no nafuda, acrescentando autenticidade e beleza para eles. Em muitos casos, na parte de trás das placas nafuda, informações relativas à formação e promoção do respectivo membro são gravadas. Isto permite uma rápida revisão do histórico de treinamento membros. As placas podem ser reutilizadas, quando um aluno sai, simplesmente lixando a placa de identificação de madeira, no entanto possuidores de dan, devem ser geralmente mantidos desde a realização do exame de faixa-preta em caráter permanente. Não importam se foram. Fazem parte da historia.
É preciso tempo e atenção para manter um nafuda kake. Mas esse esforço é um investimento na criação de um ar de seriedade, aspecto tradicional e propósito no dojo. Um dojo não é nada mais que seus membros.
Outras características menos tangíveis:
Dentro do dojo, alguém pode ver e tocar no chão, no hata, no kamidana, no dojo kun, no nafuda kake. Mas são esses todos elementos que você encontraria em um dojo? Certamente há algo mais, que não pode ser tocado, mas sentido. Indo nesse sentido o japonês fala do termo wabi sabi.
É um conceito importante e falamos sobre isso em outro artigo especifico sobre Wabi Sabi.
Sobre esse conceito poderíamos falar também, de forma mais coloquial, como um sensei meu de outros tempos, ocidental, falava,: O dojo está bom. Gostei do lugar. Tem boa energia. O falecido Donn Draeger, em um trecho de seu livro The Martial Arts and Ways of Japan (Vol. II) descreve de uma forma interessante, mas não menos importante o espírito do dojo tradicional:
O dojo é austero, um lugar humilde de dignidade natural e tranqüila. Pode ser uma sala especialmente construída, espaçoso ou simplesmente uma pequena área, mas adequada e interna. Sempre a limpeza e a ordem predominam. Na medida em que existe uma ligação do dojo com os elementos espirituais e físicos do budo clássico, a base da sua construção não deve entrar em conflito com essa relação. Wabi sabi, naturalidade, rusticidade e simplicidade (mas não sem um elemento de design) são a sua tônica.
Para capturar esse sentimento exige-se atenção aos detalhes. O dojo deve exalar um perfume da natureza, no que diz respeito à sua concepção e construção. Painéis de madeira são preferíveis ao bloco de concreto ou parede seca pintada. Isso adiciona “calor psicológico”. Superfícies pintadas devem ser em tons terra, em vez de em cores brilhantes ou berrantes. O efeito desejado é o de baixar o tom das emoções em vez de excitá-los. Espírito calmo deve permear no dojo.
Uma das características mais difíceis de explicar, e adotar, são a aparente falta de aquecimento e equipamentos de refrigeração. Este é um tema polêmico. Pelos nossos padrões ocidentais, isso pode parecer grosseiro. Mas, sob a concepção oriental de que o dojo é um spa de saúde, então você chegar a um acordo com a filosofia de treinamento nos elementos da natureza. No inverno, o calor deve vir de atividade corporal; Por outro lado, no verão, a transpiração é permitida para ter o seu efeito sobre o corpo, um efeito de resfriamento natural. Para muitos isso é cruel, mas nunca se deve esquecer que, no caráter marcial, muitos cuidados para o corpo enfraquecem o espírito. A noção de treinamento austero (shugyo) é essencial para forjar um espírito indomável (fudoshin), o objetivo do treinamento do budo. Aqui podemos discorrer sobre nossa experiência, opinião e concepção ao longo de muito tempo:
Vez ou outra alguém reclama do excessivo calor e pergunta se não poderíamos ter ar condicionado na academia. (e lembrem-se que na cidade do Rio de Janeiro podemos hoje chegar a temperaturas de 42º graus no alto verão!) É engraçado que logo outros que escutam falam que acham um absurdo isso. Alguns defendem que não deveria haver nem ventiladores no dojo!
Na minha visão, principalmente em um clube ou academia, nem tanto ao mar, nem tanto a terra. Ar condicionado, que existe em certos lugares inclusive, realmente acho demais, pois passamos a não agüentar treinos sem ele. Não fica tão saudável, pois ficamos tendo que nos enclausurar em uma sala sem contato com o exterior. Sem ventilador seria interessante em um treino específico, e não como regra, para yudansha e nessa de condição de moldar o espírito e melhor condicionamento. Mas lembre-se que é uma questão opcional e não acho que treinar ou não com ventilador iria impedir de você adquirir a tenacidade como artista marcial. Outro dia vi a seguinte historia: Alguém em um treino de kenjutsu machucou o pulso por uma imprecisão do iniciante com quem treinava. Foi ao instrutor e pediu para parar por um momento e colocar gelo no local. O “instrutor” exclamou “Isto é guerra! Como você quer parar?! Estou cansado disso! Não paramos mesmo machucados!” Um exagero evidente, com uma boa dose de delírio e misturado com uma pitada de má vontade. Resultado: Um ótimo aluno (sei disso por que também treina aikido) que saiu de lá. Como comentei, duvido que em guerra mesmo, esse Instrutor se sai-se bem, apesar de todo esse “misancene ou mise-en-scéne”.
Nossa associação tem caráter tradicional no sentido de buscar o desenvolvimento técnico e se direcionar ao caminho conforme a essência que acreditamos do budo. Sem modernidades ou resumos de técnicas exagerados. Mas sem, como dizia Homma Sensei, fantasiar que está no Japão Feudal. Nossa idéia de montagem de um verdadeiro dojo tradicional, em seus elementos básicos conforme aqui citados, passa por primeiro termos um local exclusivamente dedicado a prática ou com atividades ou outras artes que respeitem ou sigam estes elementos. Um dojo tradicional também fica muito bem em uma local que possa se ter algum contato com a natureza de alguma forma. Nem sempre possível. Um dojo tradicional também é interessante que tenha um pé direito alto. Não só por que é bom para o treino de armas no caso do aikido, mas por que facilita a ventilação e circulação de energia. Um dojo tradicional é interessante que tenha um ambiente mais tranqüilo somente com o som dos kiais, das armas se chocando ou do som da natureza. Já treinei em um dojo no centro de São Paulo que era dentro do campus de uma universidade e colado ao lado na subida de uma mata ou bosque. Você via pela janela as plantas e dava a impressão de estar em uma floresta. Outro local tinha um riacho ao fundo e praticamente sem paredes. Dei aula em um treceiro local na parte do fundo de uma academia também quase sem paredes. Meia parede e alicerces. Muito bom também. São excelentes situações. Mas já vi outros locais que mesmo fechados ou uma sala sem elementos da natureza presentes tinham uma energia e clima muito melhores que alguns desses “abertos”. O dojo é feito pelos seus membros e eles transformam o local. Mas um bom grupo em um bom local, fica sim, excepcional. E será um dojo de sucesso onde as pessoas gostaram de lá estar.
Por isso que ao mesmo tempo em que observamos os elementos tradicionais, estejamos atentos que a moldagem do espírito vai muito além do que simplesmente ser um instrutor intolerante ou “mala”. Do que um dojo bem construído.
Aspectos técnicos filosóficos e materiais devem ser observados conjuntamente para construir um dojo tradicional. O sucesso em uma montagem e manutenção de dojo desses não é uma coisa simples. Novamente demanda, e muito, das pessoas participando ativamente destes 3 pontos; treinando, vivendo o caminho e contribuindo materialmente com sua criação e subsistência.
Outro último aspecto que quero observar é a questão do dojo Cho. Ser líder de um espaço como esse é uma tarefa que, aparentemente, pode ser para qualquer um, mas não é. Em situações mais comuns, da mesma forma que ocorrem em academias, o dojo Cho não mantém ou cria o espírito que é preciso para se manter um dojo tradicional. Lembram daquela coisa que falei lá na frente? Um dojo tem que ter energia, e está vem das pessoas, por meio da chama criada pelo dojo cho que atrai as pessoas e o bom clima de treino.
O dojo é representativo das lutas da vida. Para superar a adversidade requer força de caráter forjado por formação de mente, bem como do corpo. Muitos velhos métodos de treinamento foram melhorados e foram desenvolvidos recentemente com equipamentos, aumentando assim a eficácia da formação. Mas um dojo, acima de tudo, é um local de iluminação. A iluminação é uma jornada que tem lugar na mente, e a mente não pode ser enganada com babados e decoração bonita. A rota mais direta de auto-realização é através de auto-confrontação. Os elementos de um dojo tradicional nos faz lembrar constantemente do que é a jornada. Lembremos do significado de dojo: local do caminho.
Muito bom o texto Sensei Walter. De grande contribuição para nos trazer elementos importantes para o conhecimento da estruturação de um Dojo.